17 Dezembro 2019
“Uma vida oculta”, que estreou no dia 13 de dezembro nos cinemas, é uma espécie de cinebiografia contemplativa do objetor de consciência austríaco Franz Jägerstätter (1907-1943). Ele já foi beatificado pela Igreja Católica, mas o filme de Terrence Malick não é sobre um homem que se torna uma estátua sobre o altar. Ele evita a hagiografia a todo momento.
Em vez disso, o foco do filme é a jornada interior de um homem e de sua esposa, e, no fim, o próprio homem, que faz uma escolha difícil e quase impensável, e encontra a verdadeira liberdade ao seguir a sua consciência.
Publicamos a seguir uma entrevista com a atriz austríaca Valerie Pachner, que interpreta a esposa de Jägerstätter, Franziska, no filme. A entrevista foi concedida à irmã paulina Rose Pacatte, diretora-fundadora do Pauline Center for Media Studies, de Los Angeles, nos EUA, e publicada em National Catholic Reporter, 14-12-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como você foi chamada para “Uma vida oculta”?
Quatro anos atrás, em julho de 2015, eu respondi a uma chamada de elenco. Eu queria o papel, mas não tinha nenhuma cena preparada. Eles me deram uma sobre as cartas [entre Fani e Franz] para improvisar. Algumas semanas depois, recebi a ligação.
Você já havia ouvido falar de Franz antes?
Eu cresci a cerca de 50 a 60 quilômetros do vilarejo de St. Radegund, então eu sabia sobre ele e sua esposa. Não que as pessoas falassem dele o tempo todo, mas a sua história e o seu mundo eram muito familiares para mim.
St. Radegund fica realmente nas montanhas como o filme retrata?
O vilarejo fica em um local montanhoso, e não nas montanhas, como mostrado no filme, mas durante dois dias nós filmamos algumas cenas no quarto da verdadeira casa da fazenda em que eles moravam.
Você mostrou o filme às três filhas de Franz e Fani [Rosalia, Maria e Aloisa] pouco antes de o filme estrear em Cannes, em maio. Como foi isso? Hildegard [a filha mais velha com outra mulher antes de se casar] também estava lá?
Eu mostrei o filme às três filhas que ainda moram na região. Hilde não estava lá. Eu continuo sendo amiga de Maria, que eu conheci nos dois dias de filmagem na casa da fazenda da família. Elas não falam inglês, então Terry [Malick] me pediu para mostrar o filme para que eu pudesse traduzi- lo. Um dos produtores do filme, um editor e um padre amigo também estavam lá. Eu me sentei no sofá junto com as irmãs na casa de Maria, e nós o assistimos.
Como elas responderam ao filme?
Elas ficaram muito comovidas. Choraram. Obviamente, elas sentiram o peso da perda, mas, como se trata mais do que um filme narrativo, e realmente de uma meditação sobre a sua vida, isso as fez se conectar a ele. Elas gostaram do meu retrato da sua mãe. Eles concordaram que nós acertamos, e foi muito importante para Terry que elas acharam que nós acertamos.
O que mais as filhas compartilharam com você sobre os pais delas?
Onde eu cresci, pensávamos sobre Franz de forma negativa. Mas, nos anos 1980, quando a sua reputação foi restabelecida, quando a Igreja mudou o seu ponto de vista sobre ele, o público também mudou o seu ponto de vista sobre ele. Foi muito difícil para as filhas quando elas estavam crescendo. Quando elas se casaram, a mãe delas, Fani, lhes disse: “É bom que o nome de vocês tenha mudado agora, que não é mais Jägerstätter”, porque a comunidade achou que Franz estava louco por ter feito o que fez. Fani e suas filhas carregaram um grande peso ao longo dos anos. E pensar que, depois da guerra, ela estava sozinha para carregar esse fardo.
Interpretar Fani nesse filme mudou você de alguma forma?
Eu diria que sim. Tentar se aproximar de um personagem, a ideia de alguém que sente que deve se levantar pelo que é certo, porque é a coisa certa a ser feita, mesmo que você passe por muito sofrimento, colocar a moral acima das suas necessidades ou dos instintos do corpo para sobreviver, tudo isso é muito poderoso. Ao passar por essa jornada, você chega ao ponto em que sente que isso está certo, você percebe o que está certo. Você sabe disso e não se compromete. Isso empodera você, e você percebe do que os seres humanos são capazes.
Isso me modificou. Não que eu tenha passado pelo que Fani passou, mas pela ideia do que ela suportou. Isso permite que você imagine outras situações ou momentos da sua própria vida. Isso lhe dá muita força. Isso me dá algo em que me agarrar quando tenho uma decisão difícil a ser tomada. Eu me pergunto: isso é algo que todo mundo está fazendo ou deveria estar fazendo? Ou é o trem da ganância, do rápido sucesso? Isso evita que você pule nesse trem ou em outro enquanto ele passa rápido.
Houve uma parte específica do filme que impressionou você mais do que as outras?
Ver o amor da união deles, que você vive algo assim e faz isso com alguém, e não sozinho, mas juntos. Você se sente forte, imparável. Eu senti que o amor deles era mais forte do que a morte e a dor. O amor deles me deu força e esperança.
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“Uma vida oculta”: atriz Valerie Pachner fala sobre seu papel como esposa de Franz Jägerstätter - Instituto Humanitas Unisinos - IHU