14 Outubro 2021
No último dia 4 de outubro, líderes religiosos e cientistas assinaram um apelo pela política mundial durante a conferência "Fé e ciência: rumo à COP26".
Encaminhamos a Gianfranco Pacchioni, professor de Química da Universidade de Milão-Bicocca e empenhado autor de textos sobre o meio ambiente, algumas perguntas a esse respeito.
A entrevista é de Giordano Cavallari, publicada por Settimana News, 11-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor Pacchioni, o apelo assinado por religiosos e cientistas afirma: “Não somos donos sem limites do nosso planeta e de seus recursos”: como o senhor comenta isso como homem de ciência?
A Terra é um planeta com dimensões e recursos finitos. Até a revolução industrial, a exploração dos recursos abrangia uma parte infinitesimal daqueles disponíveis, dando a impressão de que fossem de fato inesgotáveis.
O vertiginoso desenvolvimento da população e sobretudo dos nossos consumos, especialmente no século passado, deixaram evidente que muitos recursos naturais, nesse ritmo de consumo, não serão suficientes para as necessidades. Então a ideia - toda a ser realizada - da economia circular, ou seja, da passagem do produto 'descartável' para a reciclagem e reaproveitamento de tudo o que for possível.
“Somos profundamente interdependentes uns com os outros e com o mundo natural”: como podemos colocar isso em termos mais estritamente científicos?
Minha visão é que nós - Sapiens - somos parte integrante do mundo natural, não estamos quimicamente separados do ambiente natural que nos rodeia e somos quimicamente dependentes dele, em sua totalidade. E, no entanto, nos tornamos 'dominadores': subjugamos quase todas as espécies animais e a maioria daquelas vegetais e também estamos transformando o mundo.
Portanto, hoje se fala em Antropoceno, ou seja, de uma nova era geológica em que a pegada humana é muito forte, mais do que em qualquer outra anterior. Para perceber o quanto somos parte da natureza, basta dizer que os átomos de carbono de que nosso corpo é feito estavam, no passado, dentro de moléculas de CO2 e estão destinados, mais cedo ou mais tarde, a retornar dentro de moléculas de CO2. Somos parte integrante do ciclo do carbono. As nossas existências são finitas, enquanto aquelas dos átomos de que somos constituídos persistem por muito mais tempo do que nós.
O documento menciona o "fracasso" da abordagem do homem - especialmente do ocidental - ao mundo. O que foi errado?
O que definitivamente mostra seus limites é o modelo de desenvolvimento capitalista, baseado em consumos e em endividamentos em constante crescimento. O desenvolvimento é medido pelos consumos. Enquanto o que deveria ser medido como índice de desenvolvimento é o nível de felicidade alcançado pela humanidade, em vez de medir o quanto as pessoas consomem e descartam.
O modelo econômico capitalista teve um extraordinário efeito impulsionador no desenvolvimento das nossas sociedades, mas não foi capaz de olhar e ainda não sabe ver as consequências a longo prazo que - desta forma – são descarregadas sobre as gerações futuras. Devemos necessariamente corrigir essa tendência.
"A fé e a ciência são pilares essenciais da civilização humana": o que o senhor pensa sobre isso?
Penso que seja absolutamente necessário colocar o Homem no centro das nossas atenções - obviamente sem hierarquias de gênero -, aquele com 'H' maiúsculo, isto é, a natureza humana dos seres pensantes, conscientes, dotados de uma dignidade pessoal singular.
O desenvolvimento das poderosas tecnologias - resultado do aumento dos conhecimentos científicos - deve ser efetivamente colocado a serviço do Homem, ao invés de condicioná-lo - como vemos - de forma negativa; deve ter como objetivo reduzir as desigualdades, não as aumentar. Infelizmente - no momento - ainda está acontecendo o exato oposto.
O que pode significar, em poucas palavras, “plena sustentabilidade dos nossos edifícios, terrenos, veículos”, “redução da pegada de carbono”, “investimentos em energia renovável e agricultura reparadora”?
Primeiro, precisamos estar claramente cientes de que não podemos continuar a fazer como sempre fizemos, como se nada de relevante estivesse acontecendo. Precisamos mudar radicalmente os nossos comportamentos, para torná-los mais 'sustentáveis': mas não será nada fácil! Isso pode ser alcançado em dois níveis: o primeiro é individual, com escolhas - e também renúncias! - conscientes; a outra é social e coletiva, com a atuação dos governos e dos organismos internacionais.
Na prática, isso deveria se traduzir em uma rápida - mas nada fácil - transição energética capaz de reduzir a chamada 'pegada de carbono', ou seja, a quantidade de CO2 emitida para a atmosfera como resultado das atividades humanas.
O documento contém o apelo ao “incentivo às nossas instituições educacionais e culturais”. O senhor é um professor universitário e escreveu livros sobre questões ambientais. Sente-se envolvido?
Eu diria que sim. O aspecto educacional é obviamente fundamental. Pelo menos desse ponto de vista, estamos testemunhando mudanças profundas. Hoje fala-se muito de temas que até 2-3 anos atrás eram restritos aos debates dos especialistas, sem poder despertar grande interesse na opinião pública. Mas há pelo menos trinta anos a comunidade científica vem tentando alertar sobre questões ambientais e climáticas. Somente graças aos movimentos juvenis algo grande começou a se mover. Portanto, há esperança.
Uma última pergunta: na Itália, também à luz dos programas PNRR, estamos respondendo adequadamente aos apelos contidos no documento 'rumo à COP26'?
A Itália e a Europa perceberam a importância da virada e estão tomando providências importantes. Mas existe um grande problema. A Europa produz 8% de todas as emissões mundiais de dióxido de carbono, o restante vem de outras regiões do mundo. Se essa virada não for global, se permanecer limitada a países onde a sensibilidade às questões ambientais se tornou mais forte, obviamente não será possível implementar soluções eficazes. Enquanto as consequências das ações e das omissões recairão sobre todos.
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COP26: os recursos finitos da terra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU