01 Outubro 2021
"O impulso conservador da Comunidade de San Martino (que agora tem quatro bispos em três dioceses e uma nunciatura) se soma ao dos tradicionalistas na liturgia. A recepção do motu proprio Traditionis custodes, que regula de forma restritiva a celebração com o rito antigo, não será fácil. Da mesma forma, terá que ser gerido o impacto na comunicação pública do agora iminente relatório sobre os abusos do clero pela comissão independente a isso designada (Ciase)", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 30-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O futuro também é feito de projeções e números. Com base neles, em trinta anos, o clero francês será marcado pelo grupo da Comunidade de San Martino. Se hoje são 128 sacerdotes e uma centena de seminaristas, dos quais 168 já ativos em 30 dioceses, daqui a poucas décadas eles poderiam representar entre 20 e 40% de todo o presbitério na França. Neste ano, foram ordenados 26, praticamente um quinto dos 130 padres ordenados em todo o país.
É um fenômeno conspícuo e polêmico também porque sua formação e sua orientação são conservadoras, sem serem lefebvrianos. Sua imagem pública combina elementos de modernidade (esporte, espírito de equipe, seriedade de vida, boa formação intelectual) com raízes na tradição tridentina. Como eles dizem: “integrais”, não “integralistas”. La Croix reconstituiu o seu percurso e a sua atividade pastoral (20 de setembro de 2021).
Eles vêm da cidade, não do campo, da área parisiense e de Versalhes, não dos territórios periféricos. Cresceram em famílias católicas clássicas, muitas vezes de origem militar ou de ascendência aristocrática, onde a frequência dominical é honrada e a figura do padre não é discutida. Eles chegam ao seminário, na antiga abadia Notre-Dame de Evron (Mayenne, França), logo depois do bac (exame do ensino médio) entre 18 e 20 anos.
Após oito anos de estudos, realizado principalmente dentro da instituição, são ordenados padres para o ministério, tanto paroquial como de outro tipo (capelães de institutos escolares ou de hospital). O atual responsável que desempenha o papel de ordinário (semelhante ao bispo), dom Paul Préaux, ressalta: “O que me interessa é formar pastores humildes e audaciosos”.
O ciclo de estudos é inspirado no Vaticano II, mas em um contexto espiritual que remete, por um lado, à tradição beneditina (canto gregoriano, cuidado litúrgico, uso do latim), e, por outro, à escola francesa de espiritualidade (de Bérulle, Olier, Vincente de Paulo).
Existe a prática cotidiana da lectio e uma forte ênfase na vida comum. Esta última também continuará na pastoral porque todo empenho pastoral prevê pelo menos três padres que vivem juntos. A atenção ao canto gregoriano permitiu a edição das Heures grégoriennes, 6.400 páginas em três volumes, com a colaboração do ateliê de paleografia de Solesmes.
A orientação geral é identitária e conservadora, mais que social e dialogante. Muitos deles participaram do Manif pour tous, das grandes manifestações contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo e das orientações legislativas sobre a bioética.
Seu inserimento na pastoral diocesana não produziu tensões significativas, mesmo que uma parte do mundo católico os olhe com alguma suspeita. Eles entram nas dioceses depois de um exame aprofundado do papel que lhes é pedido e, embora totalmente inseridos, mantêm laços significativos com a comunidade. Todos os anos há uma visita minuciosa do ordinário.
A comunidade presbiteral nasceu em Gênova, no convento dos capuchinhos de Voltri, onde dom Jean-François Guérin chegou em 1976, acolhido e protegido pelo Card. Giuseppe Siri. Junto com os poucos jovens do início voltou à França em 1983 para um empenho paroquial na diocese de Toulon.
Com o crescimento progressivo dos seminaristas, a associação tornou-se de direito pontifício no ano 2000 com a possibilidade de colocar os padres na comunidade. Aconteceu também com a obra de Jesus Soberano e Padre, com a sociedade Jean-Marie Vianney e com a Comunidade de Emanuel.
Guérin, formado no seminário francês de Roma e no instituto católico de Paris, é um dos opositores das aberturas sociais de 1968 e das inovações eclesiais vividas na França. Brusco e direto, é conhecido pela afirmação “Não nos deixemos arrastar pela nossa época. Vamos arrastá-la”.
Enquanto entre 1960 e 1980 1.500 padres saem da França, ele insiste em uma formação clássica e integral. Não integralista. Em 1988, não seguiu Lefebvre em sua deriva cismática. Morreu em 2005.
Seus sucessores, Jean-Yves Le Gall e Paul Préaux, seguem seus passos, ajustando alguns elementos como a distinção mais clara entre foro interno e externo e a idade de aceitação no seminário. Também pela crise vivida no final dos anos 1990, quando uma dezena de padres abandonou a comunidade.
Alguns elementos da experiência são imitados na redefinição dos seminários franceses. Por exemplo, na percepção de que a vida comum deve ser fortalecida não só no seminário, mas sobretudo depois. São várias as ênfases no papel das mulheres na formação e no modo de enfrentar os problemas sociais e políticos. E, claro, nas direções dos estudos teológicos.
Os desafios da secularização e do encolhimento do pessoal eclesiástico valem para todos. Bem como a rarefação dos fiéis. Um estudo sobre a saúde do clero em 2020 insiste na atenção ao burnout, à depressão, ao consumo de álcool. Os padres são solicitados a ouvir a linguagem do próprio corpo (excesso de peso), a discutir questões pessoais também afetivas, a alimentar a dimensão dos valores, calibrando-a com o realismo e o humorismo.
O impulso conservador da Comunidade de San Martino (que agora tem quatro bispos em três dioceses e uma nunciatura) se soma ao dos tradicionalistas na liturgia. A recepção do motu proprio Traditionis custodes, que regula de forma restritiva a celebração com o rito antigo, não será fácil. Da mesma forma, terá que ser gerido o impacto na comunicação pública do agora iminente relatório sobre os abusos do clero pela comissão independente a isso designada (Ciase). A sua apresentação está prevista para 5 de outubro.
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França: crescem os padres conservadores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU