28 Setembro 2021
"Essas eleições significam também a abertura de uma possível nova temporada de relações entre a União Europeia e a liderança alemã - justamente porque nenhum dos dois candidatos, e nenhum dos partidos que formarão a coalizão governista, é capaz de impor uma visão unilateral da Alemanha no contexto europeu", escreve o teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 27-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Será necessário esperar o tempo necessário para a formação de uma coalizão de governo para conhecer o perfil político da Alemanha pós-Merkel. As eleições do fim de semana, de fato, seguiram substancialmente a tendência das pesquisas: a SPD confirma sua recuperação, fixando-se em aprox. 25,7% dos votos; marcantes são as perdas sofridas pela CDU (-8,9%), mas com resultado menos dramático do que as previsões que as elevavam a 24,1%.
Os Verdes de Annalena Baerbock fazem um salto notável, somando 14,8% (com + 5,9% em relação às últimas eleições federais para o Bundestag), mas não conseguem uma virada - como previsto por alguns - para se propor como segunda força política no país. A posição da FDP manteve-se essencialmente inalterada com 11,5%; a AfD sofre uma regressão das preferências (-2,3%), mas ainda entra no Bundestag com um significativo 10,3%. No momento, incerto o destino da Linke, que por um fio não supera a cota de corte de 5% (4,9% dos votos).
Tanto Laschet (CDU) quanto Scholz (SPD), com as votações ainda em andamento, reivindicaram a Chancelaria pelos próximos quatro anos - mas nem eles nem seus partidos decidirão seu destino. De fato, o nome do próximo Chanceler está nas mãos dos Verdes e da FDP, de um lado, e da coalizão em torno da qual se conseguirá coagular uma maioria capaz de governar com alguma margem de segurança, pelo outro.
Para alguma reflexão sociocultural sobre a Alemanha fotografada nestas eleições teremos que aguardar a análise do voto, mas é possível tentar indicar alguns aspectos com base na situação que temos neste momento. Diante do consenso geral que Scholz conseguiu aos poucos construir dentro de seu partido, que na noite passada provavelmente se identificou pela primeira vez sem reservas com a figura de seu candidato à Chancelaria na onda do sucesso, ainda que parcial, é preciso lembrar que há menos de dois anos a SPD era um partido em tal crise que ninguém queria arriscar sua carreira assumindo a liderança (daí uma forma de coletivo que permaneceu no cargo como "secretário" do partido até a nomeação de Scholz como candidato para a Chancelaria).
Laschet era desde a sua nomeação um candidato fraco para fora, mas significativo dentro da CDU: ao bater Friedrich Merz para a secretaria do partido, ele de alguma forma confirmou uma ancoragem social das políticas econômicas e industriais representadas pela CDU, juntamente com uma visão substancialmente pró-europeia da posição da Alemanha na política externa. A verdadeira herdeira de Merkel havia sido enviada há tempo, com a Chanceler ainda reinante, a Bruxelas para liderar a Comissão Europeia: não apenas para garantir o peso da Alemanha nas políticas da União, mas também como investimento nesta última como centro vital para a própria Alemanha.
A FDP perfila-se cada vez mais como o partido do mundo e dos interesses das finanças alemãs, alternativo e substituto daquele industrial e produtivo. Em seu programa, falta qualquer atenção à dimensão social e coletiva do país - o que o distancia não só da SPD, mas também da própria CDU, definindo também a razão de uma distinção não só nominal, mas também política entre os dois partidos conservadores (que se teria dissolvido com Merz à frente da CDU e candidato à Chancelaria). Abre-se assim um espaço significativo para os Verdes em vista das tratativas para próxima Coalizão - será preciso ver se, fortalecidos pela possibilidade de determinar o próximo Chanceler, eles conseguirão aceitar aqueles processos de negociação (interna e externa) que fazem de um partido (militante) um parceiro confiável para o governo do país.
Da primeira imagem das eleições emerge uma Alemanha que confirma algumas linhas de atrito importantes que ainda não foram resolvidas ou efetivamente abordadas. A primeira, aquela entre um Leste e um Oeste que continuam a existir destro dela, combinada com um sentimento de estranhamento das classes menos formadas e abastadas do país (cuja expressão política é a da AfD; na qual, paradoxalmente, também se identificam os jovens abastados com boa formação universitária). A segunda diz respeito ao enraizamento territorial da economia: importante para as grandes indústrias e o faturamento que elas geram, completamente irrelevantes para o mundo das finanças e dos interesses especulativos (portanto também para os grandes bancos). A terceira é a do grau de adesão política à União Europeia - que, como também foi visto no passado recente, não depende apenas dos partidos e dos seus programas, mas é fortemente influenciado pelas decisões (e pela política) da Corte constituição de Karlsruhe.
Essas eleições significam também a abertura de uma possível nova temporada de relações entre a União Europeia e a liderança alemã - justamente porque nenhum dos dois candidatos, e nenhum dos partidos que formarão a coalizão governista, é capaz de impor uma visão unilateral da Alemanha no contexto europeu.
Se Paris (Macron), Roma (Draghi) e Bruxelas (von der Leyen) terão força e vontade para fazer da UE uma figura política coesa, capaz de entrar nas grandes questões globais, não dominada nem pela China nem pelos Estados Unidos, mas capaz de se colocar diante de ambos com autonomia e disponibilidade estratégica e dialógica, o projeto europeu poderia dar um salto à frente e entrar no seu futuro - trazendo consigo também a Alemanha do pós Merkel.
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Eleições na Alemanha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU