20 Agosto 2021
Um livro, publicado pouco antes da morte do jesuíta, acompanha a autobiografia do religioso e cientista político. Suas longas paradas em frente ao Tabernáculo e o "sonho" juvenil de se tornar um Carmelita.
A reportagem é de Filippo Rizzi, publicada por Avvenire, 18-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Sacerdote para sempre. E, acima de tudo, um homem capaz de ficar horas ininterruptas em frente ao tabernáculo. E com uma devoção particular à Virgem representada no ícone Mater Divinae Gratiae: imagem que o acolheu como noviço da Companhia de Jesus aos 17 anos, em 1946, em Lonigo e que reencontrou, por um estranho desígnio de Providência, em forma de uma cópia idêntica do século XVI no último trecho de sua longa vida, em 2016 na enfermaria da residência dos jesuítas Aloisianum em Gallarate, província de Varese.
É um dos traços biográficos menos conhecidos e mais íntimos do padre jesuíta Bartolomeu Sorge (1929-2020) apontado muitas vezes como "sacerdote político" em função de seu sentir-se apenas um autêntico contemplativo. Aliás, o "Padre Bartolo" (como gostava de ser chamado por seus amigos mais próximos) se sentia, segundo uma feliz frase atribuída a um dos colaboradores mais próximos de Inácio de Loyola, o jesuíta espanhol Juan Alonso Polanco, como um contemplativus etiam in actione (Contemplativo na ação): ou seja, uma pessoa que se dedica à oração e à ação.
Uma virtude, aquela da oração cotidiana, que fazia parte do seu DNA, quase simbolizava o "diagrama espiritual" desse religioso inaciano, falecido no dia 2 de novembro passado, aos 91 anos.
I sogni e i segni di un cammino
E não é singular que, para desencavar esses aspectos inéditos de Sorge e menos explorados da sua imensa bibliografia, seja necessário partir de um ensaio: I sogni e i segni di un cammino (LeChâteau, p.152, euro 15); a obra foi pensada para os 90 anos de sua longa existência e para celebrar seus 60 anos de sacerdócio (1958-2018). O Padre Sorge considerava esse pequeno volume - é a confidência que ele fez a quem escreve, justamente no início desta pandemia em 2020 - como o seu "testamento espiritual".
Essa ágil publicação que ele conservava como uma "relíquia do coração", um autêntico livre de chevet em seu quarto decorado de forma bem franciscana do Aloisianum, “conta - foi o testemunho ‘inédito’ por mim recolhido - muito de mim porque me tornei jesuíta e porque confiei a Maria toda a minha vocação sacerdotal e religiosa. Através destas páginas emerge a minha gratidão ao Senhor por ter celebrado a Eucaristia, quase todos os dias”.
A publicação é editada por Nicola Alessi. Quem orienta o leitor a descobrir o “padre Sorge que você não espera” são principalmente as reflexões de uma discípula do jesuíta de origem veneto-siciliana: a monja beneditina Maria Concetta De Magistris. Graças a ela, descobre-se assim a importância que teve na vida de Sorge a assiduidade ao mosteiro beneditino de Citerna, entre a Umbria e a Toscana, onde vislumbrou na esteira do pós-conciliar o nascimento nesse lugar de uma "nova forma de monaquismo urbano”.
“A minha maior gratidão foi confiar a minha vocação a Maria e poder celebrar a Eucaristia todos os dias”. Entre os aspectos desconhecidos, conta-se a sua chegada a Palermo a bordo de "um Fiat 127 doado pela La Civiltà Cattolica" ou a sua nomeação como exorcista a pedido do Cardeal Ugo Poletti.
Muitos são os momentos que esse livro nos apresenta: entre estes, a amizade e o convívio com o patriarca de Veneza Albino Luciani, que mais tarde se tornou João Paulo I; é claro que Sorge, então diretor de “La Civiltà Cattolica”, além de ser o destinatário das últimas cartas do Papa Luciani, já havia sido designado pelo Pontífice para pregar os Exercícios Espirituais da Quaresma de 1979 à Cúria Romana. Entre os testemunhos destaca-se também o de Federico Lombardi que conta a história de um Sorge filho da espiritualidade camaldulense e com uma rara capacidade de “rezar por longo tempo, semelhante a apenas outro jesuíta: o então prepósito da Companhia de Jesus, o holandês Pedro Hans Kolvenbach”.
Os momentos narrados desse livro nos lembram todas as etapas do século XX de Sorge jornalista e polemista, mas também exorcista (o então cardeal vigário Ugo Poletti o nomeou para a diocese de Roma). Não se esquece de mencionar os grandes papéis de Sorge "homem público", dentro da Companhia de Jesus na Itália: diretor de La Civiltà Cattolica (1973-1985), guia carismático do Instituto Pedro Arrupe de Formação Política de Palermo (1985- 1996) - "pela minha luta contra a máfia, me destinaram uma escolta durante anos!" - e novamente em Milão para dirigir importantes revistas como Aggiornamenti Sociali (1997-2009) e Popoli (1999-2005).
Mas o livro oferece ao leitor alguns fragmentos da vida do religioso inaciano desconhecidos pela maioria: o sonho, por exemplo, antes de se tornar jesuíta, depois de tantas cartas enviadas a Nossa Senhora e depois queimadas na adolescência, de se tornar carmelita ou franciscano; ou ainda como sua chegada a Palermo "a bordo de um Fiat 127 doado pelos padres de La Civiltà Cattolica" representou para ele, retomando as palavras do Gênesis, "a descida ao Egito como um novo Jacó". Mas, graças a esse livro, também afloram os sinais de predestinação do Padre Sorge para se tornar filho de Santo Inácio: “Graças ao padre Messineo descobri que meu pai antes de se casar – foi outra confidência que ele me fez – havia sido noviço entre os Jesuítas na Sicília no início do século XX. Foi uma surpresa incrível que aconteceu 20 anos depois da minha entrada na Ordem e depois da morte do meu querido pai…”.
Lendo essas páginas, pode-se intuir os santos caros a Sorge: Francisco de Sales e Gemma Galgani. Mas também se intuem os sinais, quase os carismas de serenidade de um homem sempre pronto ao encontro definitivo com o Senhor, que, como os antigos profetas da Bíblia, sonhava com uma Igreja, na esteira do magistério do Papa Francisco, “livre, pobre e serva”.
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Livro testamento. O “diário da alma” de Bartolomeu Sorge - Instituto Humanitas Unisinos - IHU