28 Outubro 2019
"Confesso: sou filho de um jesuíta. Depois de concluir o noviciado, tendo começado os estudos superiores, meu pai foi chamado para as armas, sobreviveu, retornou da guerra e se casou. Eu também herdei a vocação dele".
A entrevista é de Bruno Quaranta, publicada por La Stampa, 26-10-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Completou noventa anos no último sábado, o padre Bartolomeo Sorge, o "miles" da Companhia de Jesus que poderiam ter se tornado papa antes de Bergoglio, se sua sensibilidade joanina pelos sinais dos tempos não tivesse lhe impedido o caminho ao Patriarcado de Veneza. (I sogni e i segni di un cammino “Os sonhos e sinais de um caminho” em tradução livre, Le Chateau, p. 151, 15 €, é seu último livro).
Nascido em Elba, em Rio Marina, em três cidades se desdobrou o testemunho do padre Sorge. Roma, à frente da Civiltà Cattolica, a revista que Spadolini definiu como "o barômetro da Igreja"; Palermo, ajudando a construir a "primavera" que minou a máfia; Milão, como diretor de Atualizações sociais em "San Fedele", onde Manzoni costumava "frequentar a Missa".
Há já algum tempo está em Gallarate, antigamente posto avançado filosófico, hoje casa que acolhe os filhos de Santo Inácio que atingiram a terceira e quarta idades, aguardando a "hora perfeita".
Noventa anos. Qual é a luz, qual é a sombra da sua vida?
A luz: a vocação para a Companhia de Jesus, na qual não pensava inicialmente. A sombra? Senti-me desconfortável, como diretor da Civiltà Cattolica, quando Paulo VI morreu. Sua leitura profética do Concílio, baseada no ‘diálogo’, se distinguia da visão de João Paulo II, baseada na ‘presença’ da Igreja como ‘força social’. Depois de deixar a revista, fui enviado para Palermo. Um momento sombrio, não o escondo: dos palácios romanos, sagrados e não, às ruas. A Bíblia me confortou, onde Deus conforta Jacó: ‘Eu sou o Deus de teu pai (a propósito!). Não temas descer ao Egito, eu te farei voltar’.
Palermo, a iniciativa piloto do Instituto de formação política "Pedro Arrupe".
Assim que cheguei à Sicília, fiquei impressionado com o fato de várias pessoas oferecerem apoio financeiro ao novo Instituto. Um político me ofereceu quarenta milhões em doações. Claro que eu os recusei. Era a máfia? De qualquer forma, era uma tentativa clara de nos condicionar.
O que mais lhe impressionou no ambiente político da Sicília?
Andreotti. Ele me perguntou se Lima fosse realmente mafioso: realmente duvidava? Conversei sobre isso com um alto magistrado de Palermo, que me disse: ‘Ao fingir ser ingênuo, Andreotti quer se proteger’. Até este ponto? eu me perguntei.
O senhor nasceu em 1929, ano dos Pactos de Latrão. Da Igreja Constantiniana à Igreja "hospital de campo" de Francisco ...
O Concílio apontou dois caminhos para a reforma da Igreja: a da relação com o mundo (ad extra) e a da própria instituição (ad intra). O primeiro foi seguido com firmeza por Wojtyla e Ratzinger. Bergoglio, ao contrário, na esteira de Montini, empenhou-se a renovar a Igreja por dentro: retornar ao Evangelho!.
Existem muitas resistências, das "dubia" às acusações de heresia, ao pedido de demissão.
Na Civiltà Cattolica, estigmatizei a tepidez da comunidade eclesial italiana em relação aos ataques, violentos e frequentes, contra o bispo de Roma. Declarações formais de devoção comum não são mais suficientes.
Você está se referindo ao seu artigo recente sobre a necessidade de um Sínodo para a Igreja Italiana?
Sim. Parece que os pastores tenham medo de se comprometer, careçam de parrésia, que é força de verdade. Precisamos de um pronunciamento que reafirme com autoridade a natureza imutável do serviço pontifício, mesmo que exercido de nova forma, como Francisco faz. Também é necessário esclarecer muitos outros problemas, entre os quais o comportamento social dos cristãos diante de quem (da máfia até Salvini) semeia ódio e medo, se escondendo atrás de uma falsa religiosidade, para enredar até mesmo alguns padres.
Do Sínodo Italiano ao Sínodo sobre a Amazônia. Questão princeps o celibato dos padres. É tão insuperável?
É necessário que o celibato subsista, a total devoção a Deus é uma realidade, um testemunho maravilhoso. Mas situações pastorais particulares poderão exigir que seja modificada uma lei que é eclesiástica, não divina; que sejam ordenados sacerdotes alguns viri probati.
Itália. Suas feridas. Um de seus livros recentes é intitulado: Por que o populismo faz mal ao povo. Qual é o antídoto?
O popularismo. Sturzo teorizou isso, mesmo que não tenha conseguido realizá-lo. Na Evangelii gaudium Francisco, falando da ‘boa política’, não faz nada além de atualizar a intuição de Sturzo.
O que distingue o popularismo?
“Primeiro, a tensão ética e ideal da política; depois, a primazia do bem comum sobre os interesses particulares, a ser perseguida através de um reformismo corajoso; finalmente, uma visão positiva da laicidade, que supere não apenas o ‘confessionalismo’ religioso, mas também o dogmatismo ‘ideológico’, que impossibilitam o diálogo e o encontro.
Voltar, portanto, a Sturzo?
Sim, mas atualizando. Em um mundo globalizado, devemos todos (‘livres e fortes’, crentes e não) aprender a viver juntos, respeitando-nos.
O popularismo, o catolicismo democrático, seu porta-estandarte: Moro. Você o conheceu?
Ele conhecia os tempos da história política, previa e construía o futuro, examinando os sinais dos tempos.
De Moro a hoje. Para Renzi, para a divisão de Itália Viva.
Que pena! Ele também tem a síndrome do ‘salvador da pátria’! Como Berlusconi e Salvini. Foi um ato de irresponsabilidade e imaturidade política dividir o governo no momento da decolagem, quando a necessidade de unidade é maior.
As ideologias do século XX desmentidas pela história. No entanto, uma ideologia parece estar em excelente saúde: o soberanismo.
O vazio deixado pela crise das ideologias de massa foi imediatamente ocupado pela ideologia individualista, que leva a portos fechados, muros, arame farpado, racismo, a ‘primeiro os italianos, primeiro nós, nós, nós!’. Não esqueçamos a advertência de Francisco: ‘O soberanismo leva às guerras’.
Padre Sorge, uma inabalável fidelidade a Francisco: perinde ac cadaver, jesuiticamente.
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“Cuidado com aqueles que semeiam o ódio e depois se escondem atrás do crucifixo”, alerta Bartolomeu Sorge, padre jesuíta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU