“A economia tradicional não foi capaz de reconhecer o valor intrínseco da natureza. Ela sugere uma avaliação de bens e serviços ambientais com base em um valor de mercado determinado por atores econômicos concorrentes. No entanto, não existe uma solução algorítmica para os problemas de alocação de recursos naturais. As decisões e políticas sobre a natureza e a sociedade requerem considerações qualitativas e de múltiplas perspectivas, bem como uma gestão sábia e responsável.
No novo paradigma econômico, a criação de riqueza deve ser repensada de uma forma que gere bem-estar sustentável para todos e proteja todos os recursos naturais e ecossistemas. A riqueza sustentável deve ser medida com base no desempenho financeiro de uma organização, na qualidade de suas políticas e práticas de gestão e governança, e no impacto que tem sobre os bens públicos e os “males públicos” relevantes (sociais e ecológicos)”, escreve Stephan Rothlin, padre jesuíta, diretor do Instituto Ricci, trabalha em Pequim e Hong Kong com consultoria empresarial, em artigo publicado por La Civiltà Cattolica, 30-07-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A crise financeira de 2007-2009 [1] foi como um chamado de atenção, um sinal sobre a necessidade de mudar o paradigma econômico – que parecia radicalmente manipulado em detrimento das pessoas comuns –, para orientá-lo a um modelo mais sustentável e direcionado ao bem de todos. Também suscitou certa esperança, o que a atenção exclusiva ao crescimento econômico desse espaço finalmente a uma visão mais ampla do desenvolvimento integral, atenta a conter o desastre ecológico e o abuso dos recursos naturais.
Imagem: Jornais dos EUA noticiando a crise de 2008 | Foto: pingnews.com / Flickr CC
Seria um erro afirmar que nada foi feito para mudar o modelo econômico dominante. Este não é o espaço para enumerar todas as valiosas iniciativas empreendidas para traduzir a solidariedade e a subsidiariedade em ação, e para alcançar maior justiça. Por outro lado, convém recordar que não se deu nenhum passo decisivo. A crise da covid-19 expôs o mal-estar e evidenciou o aumento da distância entre ricos e pobres, assim como a persistência de preconceitos e discriminações que se acreditava ser parte do passado.
Para identificar conceitos e referências úteis na elaboração de um novo paradigma econômico e, portanto, modelos econômicos sustentáveis, necessitamos fixar o olhar na realidade de nosso tempo e fazer convergir pensamento e ação para o objetivo da transformação econômica. O termo “novo” designa aqui a possibilidade de alcançar uma mudança paradigmática de tal magnitude que permita remediar as fragilidades estruturais das políticas e das práticas econômicas de hoje. Na atualidade, em meio às contínuas mudanças das sociedades e da economia, observamos como afloram mudanças e atitudes positivas – nas pessoas, comunidades, ONGs, empresas, governos e Nações Unidas –, orientadas a introduzir e a desenvolver modelos econômicos mais sustentáveis desde o ponto de vista social e ambiental, a níveis macro, médio e micro. Não se trata simplesmente de contrapor uma “nova” economia a uma “velha”. A economia é dinâmica e descreve a forma em que os indivíduos, as organizações e as nações usam os recursos e os talentos dos que se dispõem para garantir bens e serviços, sejam esses essenciais ou não. O paradigma econômico é nosso mundo contemporâneo: sempre ‘cambiante’, sempre complexo e, no entanto, cheio de pequenas alegrias e tragédias da vida.
Gostaríamos de contribuir com a mudança de paradigma econômico, que já está se produzindo, desde três plataformas de mudança: 1) subsidiariedade econômica; 2) bem-estar para todos; 3) fazer negócios para o bem-comum.
No novo paradigma econômico, a subsidiariedade é a principal forma de dar voz e poder econômico aos indivíduos e às comunidades que os integram. A subsidiariedade é o princípio – desenvolvido na doutrina social católica a partir da encíclica de Pio XI, Quadragesimo anno, de 1931 [2] – segundo o qual a autoridade central deve ter uma função subsidiária, cumprindo apenas as tarefas que não podem ser realizadas localmente. A atual divisão por limites geográficos tem motivado a criação de instituições responsáveis pela tomada de decisões a vários níveis, em contextos provinciais, regionais ou municipais. Mas, em muitos casos, esses grupos constituintes são muito grandes ou muito pequenos para promover efetivamente a cooperação, especialmente se as questões dizem respeito a todas ou parte de diferentes entidades.
Na reforma da economia, a subsidiariedade favorece as soluções da comunidade e postula que as mais eficazes emergirão do diálogo e da cooperação voluntária entre as instituições existentes da comunidade local. Para os indivíduos e para as comunidades, a subsidiariedade é um fator libertador. No entanto, devem ser criadas as circunstâncias adequadas para que eles não sejam limitados e sejam ajudados a atuar por meio de projetos de apoio à educação e investimentos específicos em microempresas.
A subsidiariedade encontra aplicação exemplar na microeconomia, pois ajuda indivíduos e comunidades a terem uma existência sustentável. Um novo paradigma econômico deve implicar um apelo urgente aos governos para intervir nos mercados financeiros, introduzindo garantias que deem aos que estão atualmente excluídos – os pobres, os marginalizados – a possibilidade de acesso a recursos e capital, passando da subsistência e da privação para compartilhar bens e recursos. A subsidiariedade requer, portanto, investimentos e subsídios por parte de governos, ONGs e demais agentes morais que tenham acesso ao capital, com a ressalva de que o capital e sua alocação não devem ser utilizados – nem mesmo nas instituições, nem na prática – para criar dependências contrário ao princípio da subsidiariedade.
Atenção especial deve ser dada ao potencial de desenvolvimento do microcrédito, dentro e por meio das cooperativas de crédito. O princípio da subsidiariedade deve favorecer a reflexão sobre experiências recentes e positivas de microcrédito, como forma de distribuição de capital a potenciais empresários: apoia a necessária circulação de capitais, através de empréstimos concedidos e reembolsados, e permite uma maior distribuição.
O Grameen Bank, fundado em Bangladesh, depende do fortalecimento das redes locais, que são organizadas em estruturas de responsabilidade para garantir o cumprimento por todos os participantes. Por exemplo, alguém que obtém um empréstimo aprovado por membros de sua comunidade local tem maior probabilidade de reembolsá-lo, porque se não o fizer, excluiria outros membros da comunidade da oportunidade de solicitar outros empréstimos. Os microcréditos podem permitir que os pobres se unam para empreender iniciativas empresariais de cooperativas: desta forma, eles podem integrar suas relações sociais e econômicas para que a ajuda recíproca não seja apenas ocasional ou esporádica, mas contínua. Iniciativas deste tipo favorecem a cooperação econômica, melhorando – através do trabalho conjunto – as condições dos mais fracos do ponto de vista econômico.
A pandemia de covid-19 destacou a necessidade de recursos sociais globais para todos; nos fez conscientes de que a saúde é o elemento mais valioso do bem-comum universal e que é vulnerável em todo o mundo; ademais, nos fez entender que estamos todos no mesmo barco, como uma família humana. O vírus não conhece fronteiras nem as respeita. Para deter a pandemia, todas as nações devem cooperar além de seus próprios limites geográficos. Experimentamos uma sensação maior de interdependência: todos somos vulneráveis; estamos conectados, para melhor ou para pior. Consequentemente, devemos abandonar o hábito coletivo de pensar no curto prazo e entender a solidariedade como um desafio intra e intergeracional.
A crise gerada pela covid-19 nos torna mais conscientes do dever de repensar e reformular nosso paradigma econômico atual, levando em consideração os pobres, o meio ambiente e as gerações futuras. Devemos expandir o conceito de criação de riqueza para incluir capital natural, humano e social. Devemos exigir que a criação de riqueza pública produza bem-estar para quem não a possui.
O ideal de bem-estar para todos requer atenção e ação para aqueles que são excluídos hoje, especialmente os pobres, os marginalizados e os refugiados. O Papa Francisco afirmou claramente que a pobreza no mundo de hoje não é uma condição natural a ser suportada como um furacão ou um terremoto. A pobreza é o resultado do fracasso sistêmico, da corrupção dos sistemas econômicos e de sua manipulação para favorecer os interesses de alguns grupos em detrimento de outros. Os ricos não são mais morais, nem mais merecedores do que os pobres.
A virtude universal que motiva essa preocupação é o instinto e a responsabilidade de honrar a dignidade humana, que cada um de nós compartilha. Valioso para as culturas ocidental e oriental, o autotreinamento pode desempenhar um papel indispensável na promoção do bem-estar e na obtenção de recursos educacionais de ambas as culturas. A visão do bem-estar para todos é de solidariedade que transcende culturas e fronteiras, e põe de lado os preconceitos tradicionais que cultivamos contra quem não compartilha de nossa prosperidade, sejam eles de raça, credo ou cor da pele. Para que o novo paradigma econômico cumpra suas promessas, devemos aprender a confiar em estratégias de crescimento abertas a todos os indivíduos, e não apenas àqueles que pessoalmente consideramos próximos e queridos.
A criação de um novo paradigma econômico é, segundo alguns, uma luta espiritual, isso é, um chamado dirigido a todos nós para que nos arrependamos de nossa cumplicidade com as estruturas sociais injustas e trabalhemos juntos no descobrimento de novas formas de compartilhar os dons e os recursos.
Ignacio Ellacuría, padre e filósofo jesuíta, reitor da Universidade da América Central, assassinado junto com cinco outros jesuítas em 1989, descreveu sua esperança na civilização nestes termos: “Não a mera criação de uma nova ordem econômica mundial, na qual o intercâmbio as relações são mais justas, mas sim uma nova sociedade, não mais construída sobre alicerces de hegemonia e dominação, sobre acumulação e diferenças, sobre consumismo e falso bem-estar, mas sobre alicerces mais humanos e mais cristãos”. O bem-estar para todos, na visão de Ellacuría, é “uma condição universal concreta, em que se garante a satisfação das necessidades básicas, a liberdade de escolhas pessoais e um contexto de criatividade pessoal e comunitária que permite o surgimento de novas formas de vida e de cultura, novas formas de se relacionar com a natureza, com os outros, consigo mesmo e com Deus”.
Na encíclica Laudato Si' (LS), de 2015, o Papa Francisco propõe uma abordagem abrangente de um novo sistema econômico que deve levar em conta nossa relação com o meio ambiente e a ecologia, com os pobres e a justiça social, com respeito aos outros e a fraternidade. O ativista ambiental e acadêmico chinês Liao Xiaoyi elogiou a encíclica e suas muitas semelhanças com a “civilização ecológica” que a China promoveu nos últimos anos. Trata-se de responder ao apelo a “recuperar os diferentes níveis de equilíbrio ecológico: o interno consigo mesmo, a solidariedade com os outros, o natural com todos os seres vivos, o espiritual com Deus” (LS, 210).
Imagem: Teda, primeira cidade chinesa ecologicamente consciente | Foto: Reprodução / YouTube
O conceito chinês de “integral”, Yuanrong (圆融), enfatiza a interconexão em todas as relações com todas as coisas. Está em plena harmonia com a visão de Laudato Si', segundo a qual a Terra é a nossa “Casa Comum”, pelo que é imperativo conter as mudanças climáticas reduzindo as emissões de gases com efeito de estufa e, especificamente, limitando o aumento da temperatura global para não mais do que 1,5ºC.
Devemos acompanhar atentamente a situação nas Filipinas como um exemplo das catástrofes potenciais que alguns países estão enfrentando se os compromissos assumidos nos acordos internacionais na COP21 em Paris não se traduzirem em ações imediatas. Devido à sua posição geográfica, as Filipinas já experimentam um aumento nas inundações catastróficas devido à sua vulnerabilidade às mudanças climáticas. Neste país, a Universidade Silliman é um exemplo de como as instituições privadas podem contribuir, como comunidade, para aumentar o bem-estar ambiental. Esta universidade, que enfrenta o problema das mudanças climáticas em todas as suas atividades, tem confirmado que políticas ecologicamente corretas podem gerar retornos econômicos favoráveis, como redução de tempo e energia na gestão de resíduos; e que o manejo e a reciclagem de resíduos biodegradáveis favorecem a produção de fertilizantes orgânicos, contribuem para a economia doméstica local e reduzem a destruição de fontes primárias de produtos, como árvores e depósitos minerais. Aproveitar formas alternativas de energia, como a solar, economiza custos com iluminação e energia.
Não obstante, a globalização e o transnacionalismo, nos encontramos frente a uma “nova era de muros”. As pressões migratórias contribuem cada vez mais para a desigualdade econômica, para a instabilidade política e para a mudança climática. A pandemia de covid-19 evidenciou a necessidade de uma colaboração transfronteiriça e transnacional para fazer frente aos problemas globais, inclusive às atuais crises de refugiados, que requerem um esforço especial para preservar o bem-estar pessoal e familiar. Para favorecer o bem-estar de todos, o novo paradigma econômico deve se basear em limites mais “brandos”. A difícil situação dos refugiados deve ser enfrentado com cooperação transnacional e com um debate público baseado na evidência, com o objetivo de preparar políticas fronteiriças mais abertas e redes transnacionais que operem para mudar o discurso sobre a migração. Enquanto a gestão dos refugiados, Uganda, por exemplo, está apontando o caminho para o estabelecimento de limites mais brandos através da adoção de políticas integradoras e liberais.
Os consumidores e investidores eticamente responsáveis têm a possibilidade de liderar uma revolução no paradigma econômico, através da transformação das estruturas monetárias e econômicas e da orientação no desenvolvimento de práticas ao serviço das pessoas e do planeta. Assistimos ao fracasso das práticas predatórias do livre-mercado: desigualdade, relocação econômica, investimentos financeiros de curto prazo, corrupção e exploração. Embora a liberdade humana de realizar trocas baseadas em talentos pessoais e recursos próprios seja um bem privado, cabe à sociedade enfrentar a necessidade de compartilhar os custos de fornecimento de bens públicos que devem ser compartilhados (não excludentes e não rivais bens) e, de forma menos óbvia, reconhecer a necessidade de intervir em questões que poderíamos genericamente chamar de “justiça social, desenvolvimento coletivo e proteção ecológica”.
Diferentemente dos bens públicos e privados, o bem-comum se refere a todos os comportamentos humanos – inclusive econômicos – que beneficiam aqueles que estão além das transações e relacionamentos das partes envolvidas. Uma economia orientada para o mercado pode promover o bem-comum apenas se a maioria dos atores do sistema for capaz de conter sua ganância e instintos de consumo excessivo e se optarem por investir e consumir no interesse do bem-comum. Comportamentos puramente egoístas impossibilitam a ação coletiva em favor da riqueza pública e geram problemas de free riding [3].
O objetivo da economia, e portanto da empresa, é a criação de riqueza em um sentido global: ou seja, ativos e passivos naturais, capital físico e financeiro, pessoas saudáveis e educadas e relações confiáveis entre os agentes econômicos. Quando atenção limitada é dada às medidas financeiras e econômicas (como é o caso da concepção comum de lucro), o próprio significado do lucro (e sua maximização) é distorcido e escolhas distorcidas são feitas sobre a criação de riqueza. Na verdade, este último constitui o verdadeiro objetivo da vida econômica somente se for sustentável, isto é, se transcender a mera acumulação de recursos (materiais) e for orientado para as pessoas e para o sustento da natureza.
A economia tradicional não foi capaz de reconhecer o valor intrínseco da natureza. Ela sugere uma avaliação de bens e serviços ambientais com base em um valor de mercado determinado por atores econômicos concorrentes. No entanto, não existe uma solução algorítmica para os problemas de alocação de recursos naturais. As decisões e políticas sobre a natureza e a sociedade requerem considerações qualitativas e de múltiplas perspectivas, bem como uma gestão sábia e responsável.
No novo paradigma econômico, a criação de riqueza deve ser repensada de uma forma que gere bem-estar sustentável para todos e proteja todos os recursos naturais e ecossistemas. A riqueza sustentável deve ser medida com base no desempenho financeiro de uma organização, na qualidade de suas políticas e práticas de gestão e governança, e no impacto que tem sobre os bens públicos e os “males públicos” relevantes (sociais e ecológicos).
Fazer negócios para o bem-comum ativa os três componentes da responsabilidade corporativa (moral):
À luz desses três componentes da responsabilidade moral, as empresas devem demonstrar sua melhoria contínua na criação de riqueza pública, medindo-a e contabilizando-a. A crescente difusão da Enviromental, Social and Corporate Governance (ESG), que passa por verificação, alinhamento e práticas e medidas de prestação de contas cada vez mais aprofundadas ao nível de cada empresa, está se tornando uma ferramenta – junto com outras, como a Global Reporting Iniciativa (GRI) – para promover a transparência corporativa na gestão das cadeias produtivas e de abastecimento. Com relação a pequenas e médias empresas, mais de 4 mil em todo o mundo já usaram o protocolo B Impact Assessment para se tornarem em Certified B Corporations, ou B Corps. Essas empresas devem atender a padrões rigorosos, que exigem que considerem o impacto de suas decisões sobre seus funcionários, seus clientes, seus fornecedores, a comunidade e o meio ambiente.
Quando se dá prioridade ao bem-comum, fica claro que a sociedade de consumo vigente é incompatível com uma concepção realista da capacidade da Terra de fornecer matéria-prima suficiente para satisfazer esse consumo e absorver resíduos, especialmente as emissões de gases. Uma nova estrutura econômica deve ampliar os horizontes imaginários dos produtores de bens e serviços e suas funções ligadas ao marketing, além dos consumidores.
É importante frisar que, qualquer que seja a nova estrutura, ela deve prever e permitir a inclusão das necessidades das pessoas que não têm acesso à sociedade de consumo, bem como as dos futuros cidadãos. O novo paradigma econômico deve ser capaz de inspirar esperança social e estimular a inovação empresarial.
Fazer negócios para o bem-comum requer uma mudança de paradigma: passar do consumo (e seus mecanismos de marketing) ao compliance, definido como “o ato de fazer algo completo ou perfeito”, em conformidade (Oxford Shorter Dictionary). O marketing que se inspira na realização tem potencial para renovar o seu papel de força positiva, criativa, respeitada e influente na empresa e para aceder a um novo paradigma econômico orientado para a “sociedade do compliance”. Pode liderar a transição para um nível mais alto de excelência nas cadeias de valor globais, reorientando tanto as necessidades, desejos e expectativas das pessoas quanto os processos, produtos e serviços que as satisfazem.
Priorizar o bem-comum significa reconhecer que as empresas são moralmente responsáveis por atuar com justiça, apoiando sistemas que promovam a equidade e a solidariedade. A sabedoria tradicional nos ensina que o maior bem de todas as pessoas e comunidades é alcançar a eudaimonia (felicidade, entendida como a plena realização das potencialidades humanas). Para evitar a busca por riquezas e lucros de forma antiética, o empresário confucionista segue os valores e princípios confucionistas, que o levam a cultivar a cultura e a ensiná-lo a contribuir com o bem para a sociedade. Olhe para as pessoas, combine o espírito do erudita com os talentos do comerciante. A “economia de comunhão” do Movimento dos Focolares, por exemplo, mostra-nos como as empresas podem promover a equidade e a solidariedade na produção de bens e serviços necessários ao desenvolvimento humano.
Os lucros são necessários para a rentabilidade e o crescimento das empresas, mas uma parte deles deve ser usada para investir no desenvolvimento social. Para reorientar a governança e a responsabilidade para esse objetivo, algumas empresas estabelecem em seus estatutos limites para a distribuição de lucros. A Social Enterprise Mark, que hoje distingue empresas de 10 países diferentes, confirma que elas têm uma distribuição de lucros limitada a 49%, enquanto o restante é investido em atividades da organização com objetivos sociais. Além disso, para a obtenção do selo B Corp, as empresas credenciadas são obrigadas a se comprometer, nos processos de tomada de decisão, a equilibrar os interesses de todas as partes envolvidas.
A responsabilidade corporativa integra, mas não substitui, a responsabilidade individual dos líderes. Os executivos das organizações devem garantir que as políticas orientem colaboradores e fornecedores sobre o respeito aos direitos humanos, a justiça social e o cuidado com os ecossistemas. Os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Negócios e Direitos Humanos (PRNU, 2011), que mencionam 30 direitos humanos internacionalmente reconhecidos, podem ser considerados os requisitos éticos mínimos da ética empresarial e econômica no mundo global e plural. Em seus princípios de accountability, o PRNU propõe dois tipos de diretrizes: aquelas destinadas às empresas que devem aplicá-las e aquelas que devem ser garantidas por auditores internos e certificadores externos.
Para que os empresários estejam preparados para exercer essas responsabilidades, é igualmente importante que eles aprendam a ética aplicada desde o ensino superior. As futuras gerações devem ser estimuladas a identificar e analisar disfunções sociais para reconhecer a necessidade urgente de um novo paradigma em que todos os agentes sociais possam buscar uma sociedade mais justa, baseada no princípio da dignidade de cada pessoa. Por sua vez, esta é a base sobre a qual se constroem as culturas centradas na solidariedade, no respeito mútuo, na iniciativa empresarial e na subsidiariedade.
Devemos também melhorar nossas instituições educacionais, o que pode ser fundamental para fazer a mudança de paradigma. Para abordar essas mudanças, são traçados três caminhos:
1. A via humanista: as diversas tradições de sabedoria religiosa e secular conduzem à definição de valores, porém ao mesmo tempo tem sempre a tendência a desmoronarem. Uma via alternativa e convincente poderia promover a conexão entre uma exploração científica das tradições sapienciais e casos de estudo que demonstrem as complexas implicâncias em todos os níveis das instituições educativas. Com frequência esta formação chega demasiadamente tarde e não se integra no plano de estudos. Não deve nos assombrar que conhecimentos deste tipo sejam julgados como competências marginais, inúteis e irrelevantes no mercado. Para os que estão animados por um cinismo essencial, a via humanista corre o risco de ser uma máscara de hipocrisia. No entanto, é fundamental que este via siga explorando modos inovadores para demonstra a necessidade de uma educação dos valores.
2. A via econômica: os códigos deontológicos profissionais e os princípios éticos devem enfocar programas de investimento que destacam as responsabilidades sociais, governamentais e ambientais. Também devem ser impostos limites legítimos aos salários exorbitantes dos executivos, com base no direito dos acionistas de fixá-los no Conselho de Administração. Ademais, uma taxa de imposto progressiva deveria ser imposta aos ricos. Um elemento fundamental são as referências às tradições de sabedoria, para as quais o objetivo da economia é trazer benefícios para toda a sociedade, especialmente para os menos favorecidos. Uma nova abordagem da educação empresarial e financeira deve ser construída a partir de uma análise social capaz de avaliar plenamente as consequências das decisões individuais e institucionais, bem como incentivar profissionais, alunos e professores a realizarem seu trabalho na área em contextos desfavorecidos, para entender melhor os fatores decisivos para melhorar uma situação concreta.
3. A via jurídica: deveria existir um sistema de monitoramento, a cargo de redes jurídicas profissionais, sobre a implementação de leis e reformas; essas redes também devem formar profissionais comprometidos com a geração de empregos e ajudando aos que ficaram pelo caminho. As leis devem ser formuladas de forma que seja especialmente oneroso fraudar um plano de previdência, por meio de cláusulas de tripla rescisão e condenações criminais obrigatórias de acordo com padrões rigorosos. O comportamento corrupto deve ser reservado para as penas mais duras e, em muitos aspectos, humilhantes. Porém, o principal objetivo da via jurídica não é tanto insistir na implementação de reformas normativas, mas sim desenvolver os princípios que estão na base do marco jurídico e seus incentivos.
Não é possível elevar ao primeiro lugar o bem-comum se não for mais além do interesse individual, se não se realizar uma conversão espiritual que nos abra ao bem dos demais. Deve se alentar os atores econômicos a redescobrirem e difundirem alguns sábios recursos espirituais, com a virtude da empatia, do altruísmo, do respeito pela natureza e pelas gerações futuras.
As três plataformas para a mudança econômica global descritas anteriormente partem do pressuposto de que é efetivamente possível mudar nossos atuais paradigmas economizo e tecnológicos. Na Laudato Si', o Papa Francisco traça um caminho de conversão individual e comunitária. Um passo importante para mudar o paradigma econômico consiste em definir as etapas através das quais se passa da transformação individual do coração à mudança das comunidades e suas estruturas: “é preciso conceder um lugar preponderante a uma política saudável, capaz de reformar as instituições, coordená-las e dotá-las de práticas melhores, que permitam superar pressões e inércias viciosas”.
Outro aspecto iniludível é a mudança de coração (metanoia). Isso ocorre a nível individual, porém logo deve fluir para a comunidade e as instituições. Não se constroem comunidades, tradições e instituições sem negociações profundas e comprometidas. Hoje, enquanto entramos no que foi definido como “a década decisiva para evitar o risco de uma mudança climática catastrófica”, estamos chamados a acelerar o passo e a reduzir ao mínimo os custos para os mais desfavorecidos.
Não existe um novo paradigma que seja uma panaceia imediata: a mudança virá da interação de uma complexa rede de movimentos. Como nos recordou o Papa Francisco: “O desafio urgente de proteger nossa casa comum inclui a preocupação de unir todas a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar. O Criador não nos abandona, nunca recua em seu projeto de amor, não se arrepende de ter nos criado. A humanidade ainda possui a capacidade de colaborar para construir nossa casa comum” (LS, 13).
[1] Cfr F. de la Iglesia, «A dieci anni dal crollo di “Lehman Brothers”», en Civ. Catt. 2018 IV 471-485.
[2] Este princípio já estava presente na ética social católica medieval, através do respeito à autoridade estatal, real e da independência da entidade local, que se governava da sua forma.
[3] O problema do free riding ocorre quando um indivíduo se beneficia de recursos, bens, informação, sem contribuir para o pagamento destes, dos que são responsáveis pela comunidade.