09 Abril 2021
“Espero que as suas deliberações formais e os seus encontros deem muitos frutos para o discernimento de soluções sábias para um futuro mais inclusivo e sustentável. Um futuro onde as finanças estejam a serviço do bem comum, onde os vulneráveis e marginalizados sejam colocados no centro e onde a terra, nossa casa comum, seja bem cuidada”, escreve o Papa Francisco em carta enviada ao Encontro de Verão do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, 04-04-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Eu estou muito agradecido pelo convite para enviar aos participantes do Encontro de Verão do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional esta carta, a qual eu confiei ao cardeal Peter Turkson, prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral no Vaticano da Santa Sé.
No ano passado, como resultado da pandemia de covid-19, nosso mundo foi forçado a confrontar uma série de graves e inter-relacionadas crises: socioeconômica, ecológica e política. A minha esperança é que a vossa discussão contribuirá para um modelo de “recuperação” possível de geração do novo, mais inclusivo e de soluções sustentáveis para apoiar a economia real, assistindo indivíduos e comunidades para alcançar suas mais profundas aspirações e o bem comum universal. A noção de recuperação não pode estar contida em um retorno ao modelo de economia e vida social insustentável e desigual, onde uma pequena minoria da população mundial possui metade da riqueza.
Apesar de todas as nossas profundas convicções de que todos os homens e mulheres são criados iguais, muitos de nossos irmãos e irmãs na família humana, especialmente aqueles à margem da sociedade, estão efetivamente excluídos do mundo financeiro. A pandemia, no entanto, nos lembrou mais uma vez que ninguém se salva sozinho. Se quisermos sair desta situação como um mundo melhor, mais humano e solidário, devemos pensar em novas e criativas formas de participação social, política e econômica, sensíveis à voz dos pobres e comprometidos em incluí-los na construção do nosso futuro comum (cf. Fratelli Tutti, 169). Como especialista em finanças e economia, você sabe bem que a confiança, nascida da interconexão entre as pessoas, é a base de todos os relacionamentos, incluindo os financeiros. Essas relações só podem ser construídas através do desenvolvimento de uma “cultura de encontro” em que todas as vozes podem ser ouvidas e todas podem prosperar, encontrando pontos de contato, construindo pontes e vislumbrando projetos inclusivos de longo prazo (cf. ibid., 216).
Embora muitos países estejam agora consolidando planos de recuperação individuais, permanece uma necessidade urgente de um plano global que possa criar novas ou regenerar instituições existentes, particularmente aquelas de governança global, e ajudar a construir uma nova rede de relações internacionais para promover o desenvolvimento humano integral de todos os povos. Isso significa necessariamente dar às nações mais pobres e menos desenvolvidas uma participação efetiva na tomada de decisões e facilitar o acesso ao mercado internacional. Um espírito de solidariedade global também exige, pelo menos, uma redução significativa do peso da dívida das nações mais pobres, que foi exacerbado pela pandemia. Aliviar o peso da dívida de tantos países e comunidades hoje é um gesto profundamente humano que pode ajudar as pessoas a se desenvolverem, a terem acesso a vacinas, saúde, educação e empregos.
Ainda, não podemos ignorar outro tipo de dívida: a “dívida ecológica” que existe especialmente entre o norte e o sul globais. Estamos, de fato, em dívida com a própria natureza, bem como com as pessoas e países afetados pela degradação ecológica induzida pelo homem e pela perda de biodiversidade. Nesse sentido, acredito que a indústria financeira, que se distingue por sua grande criatividade, se mostrará capaz de desenvolver mecanismos ágeis de cálculo dessa dívida ecológica, para que os países desenvolvidos possam pagá-la, não apenas limitando significativamente seu consumo de não energia renovável ou auxiliando os países mais pobres a implementar políticas e programas de desenvolvimento sustentável, mas também cobrindo os custos da inovação necessária para esse fim (cf. Laudato Si', 51-52).
É fundamental para um desenvolvimento justo e integrado uma apreciação profunda do objetivo essencial e finalidade de toda a vida econômica, ou seja, o bem comum universal. Isso determina que o dinheiro público nunca pode ser separado do bem público, e os mercados financeiros devem estar sob leis e regulamentos que visem garantir que eles realmente trabalhem para o bem comum. O compromisso com a solidariedade econômica, financeira e social, portanto, envolve muito mais do que se envolver em atos esporádicos de generosidade. “Significa pensar e agir em comunidade. Isso significa que a vida de todos é anterior à apropriação de bens por alguns. Significa também combater as causas estruturais da pobreza, da desigualdade, da falta de trabalho, da terra e da moradia, da negação dos direitos sociais e laborais... A solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo, é uma forma de fazer história” (Fratelli Tutti, 116).
É hora de reconhecer que os mercados – principalmente os financeiros – não se governam por conta própria. Os mercados precisam ser sustentados por leis e regulamentos que garantam que trabalhem para o bem comum, garantindo que as finanças – em vez de serem meramente especulativas ou autofinanciadas – funcionem para os objetivos sociais tão necessários durante a atual emergência global de saúde.
A este respeito, precisamos especialmente de uma solidariedade vacinal justamente financiada, pois não podemos permitir que a lei do mercado tenha precedência sobre a lei do amor e da saúde de todos. Aqui, reitero meu apelo aos líderes governamentais, empresas e organizações internacionais para trabalharem juntos no fornecimento de vacinas para todos, especialmente para os mais vulneráveis e necessitados (cf. Mensagem Urbi et Orbi, Dia de Natal de 2020).
Espero que nestes dias as suas deliberações formais e os seus encontros pessoais deem muitos frutos para o discernimento de soluções sábias para um futuro mais inclusivo e sustentável. Um futuro onde as finanças estejam a serviço do bem comum, onde os vulneráveis e marginalizados sejam colocados no centro e onde a terra, nossa casa comum, seja bem cuidada.
Ao oferecer meus melhores votos de oração pela fecundidade das reuniões, invoco sobre todos os participantes as bênçãos de Deus de sabedoria e compreensão, bom conselho, força e paz.
Vaticano, 04 de abril de 2021.
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Covid-19: Papa desafia Banco Mundial e FMI a promover financiamento solidário das vacinas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU