Estamos vivendo no avesso do Brasil que merecemos

Coluna “Rumo a Assis: na direção da Economia de Francisco”

09 Agosto 2021

 

"A modificação na concepção do Estado trazida pela PEC 32 tende a ampliar brutalmente a participação do setor privado, que obviamente visa lucro e cobra caro pelos serviços prestados à população. Além disso, o setor privado exige a cobertura de todos os vultosos custos dos investimentos e exige altos retornos para seus acionistas, e, quando surge algum problema, o Estado ainda é chamado a cobrir rombos, corrigir erros e até assumir os serviços que o setor privado deixa de prestar, como mostram várias experiências concretas, a exemplo do recente apagão no Amapá. Esse fato se torna ainda mais grave em um país tão desigual como o Brasil, no qual a maioria da população vive na pobreza e na miséria", escreve Maria Lúcia Fattorelli, para a coluna “Rumo a Assis: na direção da Economia de Francisco”, publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

 

Maria Lúcia Fattorelli é coordenadora do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB, coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, em colaboração com os participantes do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP.

 

Eis o artigo.

 

O problema do Brasil não é a falta de recursos: temos abundantes recursos naturais e financeiros, além de imensas possibilidades. Portanto, deveríamos estar em patamar de desenvolvimento socioeconômico muito mais avançado, mas o modelo econômico implementado no país é projetado para concentrar nossas riquezas e renda nas mãos de poucos, aprofundando cada vez mais o cenário de escassez, como comprovaram as análises feitas em base a dados oficiais, resumidas neste artigo.

Desde o mês de abril de 2020, integrantes do “Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara” da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB, têm se reunido e analisado os fluxos de recursos nas diversas esferas das finanças públicas - federal, estadual, municipal – e também no âmbito das empresas, bancos, famílias e riquezas.

O objetivo desses levantamentos é a elaboração de diagnósticos fundamentados sobre a situação financeira e econômica do país, que facilitarão a apresentação de propostas para os grupos de jovens que participam dos estudos da “Economia de Francisco e Clara”, os quais visam elaborar outro modelo econômico que priorize a dignidade do ser humano e o respeito ao ambiente, conforme convocação feita pelo Papa Francisco.

Neste texto, apresentamos brevíssimo resumo dos importantes trabalhos que têm sido desenvolvidos pelos grupos dedicados ao estudo dos fluxos de recursos nas esferas das finanças públicas (federal - inclusive Banco Central - estadual e municipal) e privadas (empresas e famílias) e, tão logo os demais grupos complementem os respectivos levantamentos, será feita outra apresentação mais completa.

Os pontos comuns comprovados em todos os relatórios podem ser condensados nas evidências resumidas neste artigo.

 

Paradoxo Brasil: realidade de abundância e cenário de escassez

 

O Brasil é o segundo país de maior concentração de renda do mundo, segundo relatório divulgado pela ONU no final de 2019. Referido relatório mede, também, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos diversos países, o qual tem relação direta com a distribuição de renda em cada país. O Brasil ocupa a 84ª posição no ranking do IDH de 2019, tendo perdido 5 posições em relação ao relatório anterior, de 2018.

Essa classificação está em completo descompasso à situação econômica do Brasil, 12ª maior potência econômica mundial, com imensas riquezas e potencialidades naturais como: petróleo, nióbio, dezenas de minerais, maior reserva de água doce do planeta, florestas e biomas diversificados, todas as matrizes energéticas, terra agricultável, clima favorável, além de impressionante riqueza financeira estocada. Temos mantido mais de quatro trilhões de reais em caixa há vários anos! Em maio de 2021, por exemplo, possuíamos: saldo de R$ 1,56 trilhão na conta única do Tesouro Nacional; R$ 1,85 trilhão em Reservas Internacionais, e R$ 1,15 trilhão no caixa do Banco Central.

A concentração de renda e a consequente desigualdade social existente na 12ª maior economia mundial que se situa no 84º IDH do mundo não é obra do acaso, mas decorre do modelo econômico projetado para empurrar a imensa maioria da população brasileira para uma situação de escassez perene, ao mesmo tempo em que garante privilégios constantes a uma minoria que acumula cada vez mais a renda e a riqueza do país.

 

Relação entre a desigualdade social e o modelo econômico que atua no Brasil

 

O modelo econômico aplicado no Brasil promove escassez de recursos de um lado e concentração de renda do outro, o que se dá por meio de seus principais eixos: o modelo tributário regressivo; a política monetária suicida praticada pelo Banco Central; o Sistema da Dívida, e o modelo extrativista irresponsável para com as pessoas e o ambiente.

O enfrentamento desses quatro principais eixos será fundamental para se construir outro modelo econômico que distribua a renda e garanta o nosso desenvolvimento socioeconômico, com vida digna para todas as pessoas e respeito ao meio ambiente.

A análise dos fluxos de recursos públicos (tanto em âmbito federal, como também estadual e municipal) e privados (analisados nos grupos de pesquisa sobre empresas e famílias) realizada pelos 5 (cinco) grupos de pesquisa do Observatório de Finanças, evidenciou que os eixos que sustentam o modelo econômico errado que atua no Brasil funcionam de forma desequilibrada, concentrando a renda nas mãos de pouquíssimos, atendendo interesses principalmente grandes corporações e bancos, enquanto prejudicam a vida das pessoas e impedem o nosso desenvolvimento socioeconômico, como se resume a seguir.

 

Modelo tributário regressivo

 

As receitas tributárias correspondem à principal fonte de recurso do orçamento federal e totalizaram R$ 1,418 trilhão em 2019, correspondente a 47,5% de todas as receitas federais.

No âmbito dos estados, em 2019 a arrecadação tributária totalizou R$ 690 bilhões, correspondente a 68% de todas as receitas estaduais, enquanto as transferências correntes corresponderam a 17,8% das receitas auferidas pelos estados.

Nos municípios a situação se modifica, tendo em vista que, em 2019, no conjunto dos 5.570 municípios, a arrecadação tributária alcançou apenas R$ 181 bilhões e correspondeu a 28,4% de todas as receitas municipais, enquanto as transferências correntes respondem por 56,8% das receitas.

A observação desses dados da arrecadação tributária evidencia a concentração da arrecadação em âmbito federal. Essa é a principal razão para que a União seja obrigada a efetuar transferências a estados e municípios.

Além de concentrada na esfera federal, no Brasil a arrecadação tributária é também concentrada em tributos que incidem sobre o consumo de bens e serviços, que englobam tributos federais (IPI, IOF, Cofins, Pis, Pasep e Cide), estadual (ICMS) e municipal (ISS).

A tributação sobre o consumo caracteriza o que se denomina tributação indireta, ou seja, a tributação recai sobre o fato econômico, independentemente da pessoa que participa do referido ato. Essa incidência tributária sobre o consumo é considerada ruim, porque não obedece ao princípio da capacidade contributiva, ou seja, ao tributar um pacote de macarrão por exemplo, o milionário e o mendigo que comprarem aquele macarrão irão pagar o mesmo tributo embutido no preço do produto, independentemente da imensa disparidade da capacidade contributiva de cada um.

Ademais, considerando que a renda das pessoas mais pobres é totalmente voltada para o consumo de bens de subsistência, a concentração da tributação sobre o consumo torna o modelo tributário extremamente regressivo, fazendo com que os mais pobres paguem proporcionalmente mais tributos que os mais ricos.

Conforme gráfico seguinte, 46,39% da carga tributária brasileira recai sobre o consumo, segundo dados de 2018 divulgados pela Receita Federal:

 

 

Os relatórios das 3 esferas – federal, estadual e municipal – e das finanças das empresas e famílias apontam para a necessidade de modificar a matriz do modelo tributário brasileiro, tendo em vista as diversas distorções, por exemplo: isenção de Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros e dividendos aos sócios de bancos e empresas; a falta de regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas, e outras benesses tributárias concedidas a setores mais ricos da população, como a dedução de juros sobre o capital próprio, a isenção de remessas de lucros ao exterior e sobre ganhos de estrangeiros que aplicam em títulos da dívida interna brasileira. A reduzida tributação sobre heranças e a necessidade de impedir as holdings familiares que fogem dessa tributação; a falta de progressividade do IPTU; a não incidência de IPVA sobre veículos de luxo como aeronaves e embarcações, as excessivas perdas dos entes federados com a Lei Kandir (especialmente após a aprovação da EC 109, que eliminou o ressarcimento dos créditos devidos aos Estados) e o excesso de renúncias fiscais injustificadas e exageradas foram também mencionados nos respectivos relatórios dos grupos. A necessária reforma tributária deverá vir acompanhada do estabelecimento do controle sobre os fluxos de capitais ao exterior, em especial por meio da tributação dessas movimentações.

Conforme analisado pelo grupo de pesquisa das famílias, um exemplo desta brutal injustiça tributária ocorre na incidência do Imposto de Renda – Pessoa Física: um seleto grupo de pouco mais de 26 mil contribuintes, que recebem acima de 32010 salários-mínimos ao mês, tem quase a totalidade de seu rendimento isento de tributação: apesar de ganharem, em média, 717 mil reais por mês, esse seleto grupo ficou isento de imposto de renda, devido à isenção sobre lucros e dividendos distribuídos aos sócios (vigente desde 1996, com a Lei 9.249/1995), além de outras isenções sobre determinados tipos de fundos de investimento. Essa benesse tributária privilegia os muito ricos, a classe burguesa: banqueiros, latifundiários, grandes empresários e sócios de multinacionais.

Por outro lado, as famílias mais pobres, mesmo que recebessem o salário-mínimo necessário calculado pelo DIEESE, de R$ 5.421,84, enfrentariam, além do custo de vida (com os tributos sobre o consumo), o imposto de renda na fonte de 27,5% e dedução de contribuição previdenciária de 14% em média, perfazendo um total de descontos de mais de 40% da sua renda familiar. Cabe ressaltar também a crescente subtração de renda da população devido ao aumento dos preços de alimentos da cesta básica (devido à opção suicida de investir em agronegócio de exportação, em vez de privilegiar a garantia de alimento para as pessoas, isto é, a soberania alimentar) e de tarifas de energia elétrica, combustíveis, gás de cozinha, transportes e outros preços administrados pelo próprio governo.

Após identificar as principais razões do atraso socioeconômico do país e a carência de investimentos, o grupo de famílias, pautado pelas pesquisas e princípios da Economia de Francisco e Clara, vê no “Desenvolvimento Humano Integral” as possibilidades de adoção de um novo paradigma para a vida de todos. Calcado no saber material e espiritual, com visão de todos os saberes, de forma integral, liberta os sujeitos para o exercício da cidadania e da responsabilidade ecológica e econômica da Terra. Outro elemento é a capacitação, via Educação Cidadã, de cada cidadão com a visão de: que pertence a uma sociedade; que esta sociedade visa o bem comum; que este bem comum só será alcançado quando todos os recursos do planeta forem utilizados para o bem de todos e não como objeto de especulação; e que a distribuição das riquezas seja compartilhada sem nenhuma exclusão.

O grupo de estudos sobre as empresas ressaltou o elevado volume de incentivos fiscais e empréstimos subsidiados pelo BNDES, além do acúmulo de dívidas tributárias, previdenciárias e trabalhistas por parte de grandes corporações, dívidas estas que têm sido em grande parte perdoadas.

 

Política monetária suicida praticada pelo Banco Central

 

O elevadíssimo custo da política monetária praticada pelo Banco Central (BC) recai sobre o Tesouro Nacional, que não só entrega títulos da dívida pública ao BC - sem contrapartida financeira – mas também paga juros ao BC sobre esses títulos. Esse financiamento do BC pelo Tesouro representou um custo de quase R$ 3 trilhões nos últimos 10 anos.

No período analisado pelo grupo de pesquisa, de 2013 a 2020, o gasto do Tesouro Nacional com a renúncia financeira decorrente da entrega de títulos sem contrapartida financeira, adicionada ao gasto com juros pagos sobre esses títulos ao BC, somaram R$ 2,7 trilhões de reais, conforme tabela:

 

 

Essa entrega de títulos públicos sem contrapartida ao Banco Central corresponde, sem dúvida, à mais expressiva renúncia de receitas do país, e também mais onerosa, pois passam a incidir juros sobre tais títulos.

O grupo analisou as receitas auferidas pelo Banco Central, constatando que esses recursos provenientes do Tesouro Nacional têm sido a principal receita da autarquia. Dentre os principais gastos do BC estão as chamadas “operações compromissadas” (que na prática têm sido usadas para remunerar a sobra de caixa dos bancos) e os gastos com swap (que em apenas 5 meses de 2020 representaram perdas de R$ 63,5 bilhões). Para se ter uma ideia da relevância desse gasto com essas questionáveis e sigilosas operações de swap praticadas pelo Banco Central, durante todo o ano de 2020, o gasto federal com educação foi de R$ 88,08 bilhões!

O mais grave é o fato de que todo esse gasto exorbitante com esses mecanismos de política monetária do BC tem sido justificado pela desculpa de “controle inflacionário”, sendo que as causas da inflação no Brasil, segundo estudos do próprio BC, decorrem de elevação dos preços administrados (energia elétrica, gás de cozinha etc.) e alta no preço de alimentos.

Adicionalmente, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, todo o prejuízo do Banco Central é repassado ao Tesouro Nacional (e tem sido em grande parte financiado por dívida pública). Em 2016, por exemplo, esse prejuízo foi de R$ 250 bilhões!

O grupo de pesquisa dos municípios fez importantes comparativos entre o exorbitante gasto do Tesouro com o BC (no valor de R$ 2,294 trilhões de 2013 a 2019), e o gasto total dos 5.570 Municípios Brasileiros com a manutenção total das despesas com saúde e educação, habitação, saneamento, cultura, assistência social, desporto e lazer no mesmo período. Todo esse conjunto de gastos para o atendimento a direitos garantidos pelo Art. 6o da Constituição, nos 5.570 municípios, correspondeu a R$ 2,040 trilhões, portanto, inferior ao gasto do Tesouro com o BC.

O custo exorbitante da política monetária praticada pelo BC foi a principal causa da crise fabricada a partir de 2014, que afetou todos os entes federados, e tende a agravar-se diante da aprovação da Emenda Constitucional 106 e dos riscos contidos no projeto de autonomia do BC, aprovado em plena pandemia, além do agravamento do arrocho fiscal devido à EC 109, que colocou o ajuste fiscal no texto da Constituição, para privilegiar ainda mais a chamada dívida pública nunca auditada.

Conforme analisado pelo grupo de pesquisa das famílias, a vida de milhões de trabalhadores e trabalhadoras se encontra sob franca ameaça: longos períodos de desemprego, informalidade, subemprego, desalento, tendo que recorrer às políticas compensatórias do governo, como o programa bolsa família, auxílio emergencial etc., programas sabidamente insuficientes para resolver a questão da pobreza no Brasil.

Os dados evidenciam a necessidade de completo redirecionamento da política monetária praticada pelo BC, a fim de que a autarquia se liberte da subordinação ao BIS (Banco de Regulações Internacionais22) e passe a funcionar a serviço dos interesses da sociedade brasileira como um todo, como manda o Art. 192 da CF.

 

Sistema da dívida

 

O funcionamento distorcido do processo de endividamento público foi verificado nos relatórios das 3 esferas federal, estadual e municipal: em vez de funcionar como um instrumento de aporte de recursos aos entes federados, viabilizando investimentos importantes para a coletividade, na prática tem atuado como um Sistema da Dívida que continuamente desvia grandes volumes de recursos públicos principalmente para o setor financeiro, mediante a utilização de mecanismos ilegais, ilegítimos e até fraudulentos em alguns casos.

Em âmbito federal, sobressai o elevadíssimo gasto anual com juros e amortizações, conforme se verifica no gráfico a seguir, referente ao orçamento do ano de 2020:

 

 

O gráfico evidencia que o montante gasto com juros e amortizações da dívida federal representa mais que o quádruplo de todas as transferências federais para todos os estados e municípios. Este gráfico tem possibilitado a conscientização de muitas pessoas sobre a necessidade de realizar a auditoria da dívida pública, razão pela qual a grande imprensa e outros setores ligados ao Sistema da Dívida têm atacado este importante instrumento de mobilização popular, com argumentos equivocados.

As pesquisas demonstraram também a “contabilização de juros como se fosse amortização”, artifício que burla o Art. 167, III, da CF e tem sido responsável pelo crescimento exponencial da dívida interna federal ao longo dos anos. Apesar das amortizações gigantes feitas a cada ano, o estoque da dívida pública federal interna segue aumentando, por causa desse artifício:

 

Todo sacrifício social e econômico que temos feito ao longo dos anos para pagar a dívida pública federal tem alimentado exclusivamente a própria dívida, que não tem contrapartida em investimentos para o país, como afirmou o próprio Tribunal de Contas da União (TCU) em audiência pública no Senado. Na mesma audiência pública, demonstramos que a dívida tem sido gerada por diversos mecanismos financeiros, principalmente os decorrentes da política monetária suicida praticada pelo Banco Central, especialmente os elevados juros, a remuneração da sobra de caixa dos bancos, entre outros.

A alegação de que o controle do crescimento da dívida interna federal estaria simplesmente na produção de Superávit Primário é desmentida pelos dados. Produzimos cerca de R$ 1 Trilhão de Superávit Primário no período de 1995 a 2015, e, no mesmo período, a dívida interna federal aumentou de R$86 bilhões para quase R$4 trilhões, e seguiu crescendo, pois o que tem feito a dívida crescer não são os gastos primários, mas sim os mecanismos de política monetária do Banco Central.

Em âmbito estadual, a atuação do Sistema da Dívida ficou evidente no processo de refinanciamento feito pela União no final da década de 90. Além das condições onerosíssimas e incabíveis entre entes federados, cabe ressaltar a transformação de passivos de bancos estaduais em “dívida pública” dos estados, no esquema denominado PROES. O total refinanciado (revisado) no final da década de 90 foi de R$ 125 bilhões. De 1997 a 2019 os estados pagaram R$ 357 bilhões à União, o que corresponde a quase o triplo do saldo inicial refinanciado. Apesar desse elevado pagamento até 2019, o estoque consolidado dessa dívida dos estados com a União, em junho de 2020, alcançou a cifra de R$ 565 bilhões, ou seja, quase 5 vezes o valor refinanciado.

Em âmbito municipal, a análise revelou o crescente endividamento (interno e externo) dos municípios com o setor financeiro (bancos) privado e público e com as agências (bancos) multilaterais de financiamento, tais como Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

A nova modalidade de contratação disfarçada de dívida pública, por meio da chamada Securitização de Créditos representa grande preocupação, diante do alastramento desse esquema em diversos estados e municípios do país, risco que aumenta ainda mais diante da aprovação das Leis Complementares 173/2020 e 178/2021. A dívida gerada no processo de securitização é paga por fora dos controles orçamentários, mediante desvio de recursos públicos que sequer chegarão aos cofres do ente federado.

Os dados demonstram a necessidade de completa auditoria da dívida pública, em todas as esferas, processo que deve se dar com ampla participação social.

 

Modelo extrativista irresponsável para com as pessoas e o ambiente

 

A análise dos fluxos de recursos em todas as esferas públicas revelou que apesar das atividades de agronegócio e de indústrias extrativas minerais representarem, em 2020, participação, respectivamente, de 5,91% e 2,49% do PIB, as receitas diretas dessas atividades nos orçamentos públicos são praticamente nulas.

Na análise das receitas públicas orçamentárias, em 2020, as Receitas Agropecuárias e Industriais representaram, respectivamente, apenas 0,00060% e 0,04379% das receitas líquidas em âmbito federal. Nos Estados, 0,00499% e 0,10713% das receitas líquidas estaduais. Nos Municípios, 0,00128% e 0,00142% das receitas líquidas municipais.

As receitas de exploração de recursos naturais (minerais, água, florestais e outros) aparecem também de forma irrisória nos orçamentos públicos. Em âmbito federal, somaram, em 2019, apenas 0,25432% das receitas líquidas. Nos Estados e Municípios, 0,02322% e 0,08884%, respectivamente.

Além de de representar recursos escassos aos cofres públicos, o dano ambiental e ecológico dessas atividades tem sido brutal, o que exige a urgente erradicação desse modelo e a sua substituição por outro que utilize práticas de economia solidária e uso respeitoso para com a Natureza.

O grupo de estudos sobre as empresas evidenciou que a atuação das grandes corporações globais é marcada pela insustentabilidade, falta de transparência e inúmeros privilégios que prejudicam a sociedade e o ambiente, conforme Modelo de Auditoria Social organizado a partir de 4 tópicos: Gestão dos Recursos Naturais, Gestão dos Recursos Humanos Sociais, Gestão Governamental, Gestão de Prestação de Contas a Sociedade Civil, com 45 “itens de insustentabilidade”.

Dentre os aspectos prejudiciais à Natureza e à sociedade, sobressaem: grilagem de terras, trabalho escravo e infantil, conflitos com o entorno, provocando inúmeras doenças e acidentes-crimes fatais (barragens), contaminação das águas, dos rios, do solo, da atmosfera. No caso específico da água, além de desviarem o leito dos rios para suas fábricas (e agronegócio), chegam ao disparate de não pagar o uso de água das bacias sob a alegação de que devolvem a água. Outro componente são os roubos das patentes dos povos originários e dos princípios ativos de nossas plantas Amazônicas.


Conclusão

 

A apresentação preliminar dos trabalhos do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP, desenvolvidos pelos grupos dedicados ao estudo dos fluxos de recursos nas esferas das finanças públicas – federal (inclusive Banco Central), estadual e municipal – e privadas (analisadas nos grupos das empresas e famílias) aponta para a urgente necessidade de rever completamente os eixos do modelo econômico que atua no Brasil, rompendo esse ciclo de escassez que já se provou insustentável tanto para o ambiente como para a imensa maioria das pessoas e a economia como um todo.

É necessário um novo modelo de economia e desenvolvimento socioeconômico e ambiental, planejado de forma sistêmica para que garanta às famílias condições dignas de vida e cidadania plena, compatível com as imensas riquezas que existem no Brasil e atendendo aos pilares do “Desenvolvimento Humano Integral”. Que as riquezas nacionais (financeiras, econômicas, naturais) sejam destinadas aos interesses da população e do país e não aos interesses privados que privilegiam os muito ricos.

Todos os grupos de pesquisa do Observatório de Finanças elaboraram propostas de modificações necessárias em todos os eixos do modelo econômico, por exemplo, no modelo tributário para que a renda seja distribuída de forma justa; na política monetária do Banco Central para que os recursos circulem de forma correta na economia, gerando emprego e renda; no modelo agrícola e agrário para que seja garantida a soberania alimentar e o uso respeitoso da Natureza; na atuação das grandes corporações nacionais e estrangeiras para que sua responsabilidade social e ambiental seja cobrada e reparada, e seja interrompido o dano ambiental, o saque desenfreado e a desvalorização das nossas riquezas naturais; na atuação do endividamento público, para que este seja precedido de diálogo com a sociedade sobre a real necessidade desse endividamento ou se ele poderia ser evitado caso houvesse uma auditoria e revisão dos mecanismos que subtraem receitas públicas (por exemplo a Lei Kandir em âmbito estadual; a Bolsa-banqueiro em âmbito federal, entre outros) e, se a opção for contratar dívida pública, que esta atenda às necessidades da população e se dê de forma transparente, com auditoria constante e com participação social, devida identificação de todos os credores e detentores de títulos públicos, e que os recursos se destinem para investimentos de interesse da coletividade e não para alimentar os mecanismos financeiros ilegais e ilegítimos do Sistema da Dívida, sem contrapartida alguma ao país ou à sociedade, favorecendo principalmente os bancos e consumindo trilhões!

O trabalho dos grupos de pesquisa do Observatório de Finanças da CBJP está sendo consolidado em relatório e servirá de subsídio para a juventude que participa dos grupos de estudos da Economia de Francisco e Clara, auxiliando na compreensão acerca da realidade brasileira. A participação da juventude é fundamental para tirar o Brasil do inaceitável cenário de escassez e descaso para com o ambiente, para nos levar à realidade de abundância, com vida de todas as pessoas e respeito à Natureza.

A contribuição do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP a essa juventude engajada na necessária construção de outro modelo econômico será ainda mais relevante após a complementação da pesquisa por parte dos demais grupos. Seguiremos firmes! Contem conosco! Mãos à obra!

 

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