03 Agosto 2021
"Como seremos depois da pandemia? Que igreja? Se simplesmente retomarmos a "celebração da missa" e a nossa pastoral voltar a ser apenas isso, teremos desperdiçado a crise", escreve Francesco Cosentino, padre italiano, teólogo e professor de Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana, em artigo publicado por Vida Pastoral, 08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A dramática pandemia do coronavírus, que nos atingiu desde os primeiros meses de 2020, assomou a partir da cidade chinesa de Wuhan. Um dia, o presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, disse que a palavra "crise" em chinês é composta por dois caracteres: um representa perigo e o outro representa oportunidade. Colocando-nos dentro de um "olhar crente", também nós somos chamados a enfrentar as crises da nossa vida, vencendo a tentação de permanecer simplesmente à mercê do destino que nos cabe. Em vez disso, somos chamados a abraçar com coragem a crise que é colocada à nossa frente, para nos perguntar o que quer nos comunicar e quais as oportunidades de mudança que ela traz.
De fato, em nossa vida, as crises simplesmente aparecem. Às vezes, vêm para evitar o pior, ou seja, quando a vida flutua na superfície sem nunca ir para o fundo e corremos o risco de perder sua beleza e sentido. E então, por meio de situações concretas da existência cotidiana ou de acontecimentos naturais e sociais, a vida nos coloca sempre diante de novos desafios, nos questiona, às vezes nos pede para parar e dar meia-volta, chamando-nos também a viver traumas e sofrimentos. No entanto, esses são os lugares de passagem, os pontos cruciais, os espaços nos quais a nossa existência pode mudar, crescer, se transformar. Sem crise não pode haver nenhum crescimento
nem transformação. Atravessar a crise, mesmo a gerada pela pandemia, significa evitar os mecanismos de repressão que muitas vezes usamos diante de experiências traumáticas. Enquanto negarmos a crise, ela permanecerá uma imensa pedra para nós. Se ao acolhê-la nos perguntamos que mensagem de mudança ela nos dirige e que lição de vida podemos aprender com ela, então a crise aparecerá como uma fenda que se abre em nossa frágil história, mas da qual entra uma nova luz. Naquele momento, quando nos dermos permissão para "perder a nossa vida", então a reencontraremos para além da estaticidade e dos hábitos com que muitas vezes a obrigamos, relendo-a e repensando-a. Acima de tudo, imaginando-a novamente.
Um tempo providencial? A crise gerada pela pandemia nos revirou e vai deixar um arrasto, não só de cunho econômico, maior do que podemos perceber agora. No entanto, como nos lembrou o Papa Francisco, “a crise da pandemia é uma ocasião propícia para uma breve reflexão sobre o significado da crise, que pode ajudar a todos”. Também do ponto de vista da vida espiritual e eclesial, somos chamados a questionar-nos. No meu livro Quando finisce la notte. Credere dopo la crisi (em tradução livre, Quando a noite termina. Acreditar depois da crise, Edizioni Dehoniane), em primeiro lugar me perguntei: a crise pode ser um tempo providencial também para o nosso modo de ser Igreja e para a nossa ação pastoral?
Qual Igreja depois da pandemia? A questão torna-se ainda mais urgente se pararmos para refletir sobre o que aconteceu, especialmente durante o primeiro lockdown. A suspensão das celebrações eucarísticas e da ordinária atividade pastoral, ao lado de interessantes iniciativas, revelou também uma crise de natureza teológica, eclesial e litúrgica sobre a qual refletir.
A fotografia mais preocupante é a relativa às iniciativas pastorais e à liturgia que muitas vezes as implementou. O sofrimento causado pelo jejum eucarístico gerou iniciativas que às vezes resultaram na espetacularização litúrgica e ao risco de um clericalismo de retorno, que coloca novamente e apenas o sacerdote no centro da cena. De forma mais geral, voltou a visão de fundo que subjaz a boa parte da nossa ação pastoral: a sacramentalização da vida de fé e da prática eclesial. Cobrimos a ânsia do vazio com uma série de missas em streaming nas quais - como Andrea Grillo lembrou - o padre fez a Páscoa e os outros assistiram do sofá de casa. Nesse contexto, o povo de Deus é considerado supérfluo. E a missa volta a ser perigosamente entendida como um ato de culto individual e privado.
No entanto, a crise pode ser uma oportunidade positiva. Convida-nos a sair de uma concepção pastoral, litúrgica e mais geralmente espiritual, fundada exclusivamente na celebração da Missa, muitas vezes repetida de modo mecânico, obstinadamente proposta como única ação litúrgica também nos dias de semana. Isso, de fato, revela uma grave falta de criatividade pastoral e mostra como a centralidade da palavra de Deus ainda seja marginal com as diversas formas de proclamação e evangelização conectadas, com as outras formas de oração litúrgica, com o confronto sobre temas existenciais e culturais, com as formas de caridade vividas dentro de uma trama de relações qualitativamente humanas.
O Papa Francisco, em Evangelii gaudium, afirma que há um predomínio da sacramentalização sobre as outras formas de evangelização. Ao mesmo tempo, a pandemia nos mostrou um renascimento da igreja doméstica. Nasceram experiências interessantes de oração em família, liturgias da Palavra celebradas nas casas, celebrações domésticas preparadas e vividas com simplicidade e familiaridade. Uma Igreja quem tem em seu centro os batizados, que vive onde as pessoas vivem, ou seja, nas casas.
Então, como seremos depois da pandemia? Que igreja? Se simplesmente retomarmos a "celebração da missa" e a nossa pastoral voltar a ser apenas isso, teremos desperdiçado a crise. Em vez disso, somos chamados a um imaginário pastoral, que tem no centro o povo de Deus e que procura caminhos e instrumentos para revigorar as formas da proclamação e da evangelização, para viver e oferecer momentos de oração e de debate sobre a palavra de Deus, para criar oportunidades de sustentação para a fé nas casas. O desafio, ao que parece, apenas começou.
De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.
XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição
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A pandemia mostrou um renascimento da igreja doméstica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU