11 Mai 2021
Daqui a poucos dias, dezenas de padres alemães abençoarão publicamente centenas de casais homossexuais, apesar de que em março a Congregação para a Doutrina da fé tenha estabelecido que não é admissível. Mais de trezentos padres austríacos deixaram claro que não vão obedecer, duas dioceses suíças pediram desculpas aos fiéis pelo não de Roma. “Estamos diante de pontos críticos que infelizmente já existem há tempo, especialmente nos países de língua alemã, como demonstra a chamada Assembleia Sinodal Alemã em curso, que indicou claramente os seus objetivos: não apenas a bênção dos casais do mesmo sexo, mas também o sacerdócio das mulheres, a abolição da obrigação do celibato eclesiástico, a intercomunhão entre católicos e protestantes”, disse a Foglio o cardeal Camillo Ruini, ex-presidente da Conferência Episcopal Italiana e vigário de Roma.
A entrevista é publicada por Il Foglio, 04-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
É um grande problema, a tensão é grande e não se vislumbra no horizonte dúvidas do lado alemão, apesar do presidente da Igreja alemã, Mons. Georg Bätzing, tenha tomado distância da bênção pública marcada para o dia 10 de maio, motivada pela observação de que “a bênção de Deus não pode ser negada a quem a pede”.
Há dúvidas sobre a observação “a bênção de Deus não pode ser negada a quem a pede”?
A resposta já está contida no responsum da Congregação. A Igreja simplesmente não tem o poder de abençoar essas uniões. De fato, só pode ser abençoado o que está em conformidade com os desígnios de Deus, não o que é contrário a eles, como as uniões entre pessoas do mesmo sexo.
As pessoas podem certamente ser abençoadas, mas porque se converteram, não porque se confirmaram em seu pecado. O próprio Deus abençoa o homem pecador para que ele se deixe transformar por ele, mas ele não pode abençoar o pecado. Gostaria de frisar - acrescenta Ruini - a força desta posição: não é apenas algo que a Igreja decidiu não fazer, mas algo que a Igreja não pode fazer. Consequentemente, ninguém na Igreja tem este poder.
Mas se tudo é tão claro, por que foi necessário chegar a um ato oficial da congregação?
A razão é indicada pela própria Congregação, na nota explicativa que acompanha o responsum: estas bênçãos estão se difundindo em alguns âmbitos eclesiais.
No entanto, parece que o Papa tenha sido muito cauteloso ao aprovar o texto.
De fato, a fórmula usada é: 'o Sumo Pontífice foi informado e deu seu consentimento para a publicação do responsum', enquanto em muitos casos semelhantes se usa dizer que o Papa 'aprovou' e 'ordenou a publicação'. A impressão é que o Papa está tentando evitar ou pelo menos amenizar os conflitos que estão atribulando a Igreja. Além disso, a mesma preocupação transparece no texto da Nota Explicativa. No entanto, permanece o fato de que o Papa deu seu consentimento para a publicação.
Em muitos setores, o não à bênção de casais homossexuais é considerado "medieval". Talvez o "mundo" não entenda mais o não da Igreja para determinadas questões?
Desde o início do século passado, mudanças profundas e amplamente justificadas ocorreram na questão da homossexualidade. Na época da Rainha Vitória, a homossexualidade era um delito grave e, depois, por muito tempo, os homossexuais foram vítimas de odiosas discriminações. Em um determinado momento houve uma profunda virada, com a reivindicação dos direitos dos homossexuais e com o chamado orgulho gay. Neste contexto, a posição da Igreja parece para muitos fora de tempo, demasiado atrasada e atualmente impossível de propor.
É assim mesmo?
De jeito nenhum. A Igreja hoje é contrária a qualquer discriminação injusta contra as pessoas homossexuais e deseja que eles sejam acolhidos na comunidade cristã com respeito e delicadeza, como diz a própria Nota Explicativa da Congregação para a Doutrina da Fé.
Onde está, então, o objeto da disputa?
Está na avaliação moral das relações homossexuais e das uniões que as implicam. Segundo o ensinamento constante da Sagrada Escritura, do Antigo e do Novo Testamento, e da tradição eclesial, os atos homossexuais são intrinsecamente desordenados, porque não idôneos para transmitir a vida e não fundados em uma verdadeira complementaridade afetiva e sexual. Portanto, em nenhum caso podem ser aprovados. Esta avaliação moral e eclesial não deve de forma alguma ser confundida com uma norma jurídica do estado. Além disso, o juízo negativo diz respeito ao comportamento considerado em si mesmo, não à responsabilidade subjetiva das pessoas, que em todo o caso devem ser respeitadas e acolhidas.
Entretanto, o presidente da Conferência Episcopal alemã disse que "o tempo está se esgotando", declarando-se contrário ao responsum.
Não sei qual é o sentido preciso dessas palavras e não gostaria de atribuir-lhe intenções que não são suas, comenta o cardeal Ruini.
Espero de todo o coração que não haja cisma e rezo por isso. O Papa Francisco, em 29 de junho de 2019, dirigiu uma carta ‘ao povo de Deus que está a caminho na Alemanha’, na qual pede, entre outras coisas, que seja sempre preservado o sentido da Igreja e o vínculo com a Igreja universal: essas palavras do Papa oferecem um critério e uma orientação preciosos. Portanto, não nego que haja risco de cisma, mas confio que, com a ajuda de Deus, isso possa ser superado.
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“Cisma? Esperemos que não, mas o risco existe”, diz Camilo Ruini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU