13 Mai 2021
"Observa-se nessas linhas a gentileza de deixar aos leitores o prazer de descobrir por conta própria e 'escutar' o diálogo sobre as questões cruciais e não resolvidas do presente em que vivemos", escreve Concita de Gregorio, jornalista italiana, em artigo publicado por La Repubblica, 21-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A conversa entre Luigi Manconi e Dom Vincenzo Paglia chega como um milagre (usado aqui em sentido coloquial, que o arcebispo não se ofenda), um meteorito fora de órbita capaz de gerar surpresa, dúvida, emoção e sorrisos pelas infinitas nuances da complexidade, que permanece até hoje a única fonte conhecida de pensamento. Não é um dogma, mas uma recorrência estatística: aceita-se, de forma laica, eventuais desmentidas. No tempo longo e nos dias difíceis da guerra de trincheira travada com saraivadas de declarações exacerbadas, trocadilhos, memes, provocações, insolências órfãs de sintaxe e, em suma, qualquer forma de prevaricação verbal, desde que rapidíssima, eficaz e possivelmente mortal, essas duzentas páginas chegam como um bálsamo. Eles curam, como certas plantas nas florestas, as feridas de soldados mais idosos não acostumados à rapidez das novas armas letais, mas ainda assim vivos e obstinados no front. Lentamente, com profundidade, com competência, paciência e ironia, Manconi e Paglia abordam – segurem-se firme - o tema do Sentido da Vida que dá título ao livro. Subtítulo: “Conversas entre um religioso e alguém pouco crente”. Vincenzo Paglia, arcebispo, é, entre muitas outras coisas, presidente da Pontifícia Academia para a Vida. Luigi Manconi, nas várias encarnações, sociólogo dos fenômenos políticos, ex-parlamentar, militante, animador da associação "A Buon Diritto" e uma pessoa pouco crente, justamente, bem como – ele faz questão de recordar – uma pessoa considerada “nada de bom” por causa "dos tantos erros e de uma vida desordenada”.
O livro parte de posições muito distantes e chega a um atrito mínimo, embora quase nunca ao pleno compartilhamento sobre quase nada: convergências paralelas em ritmo do diálogo, da escuta mútua. E de fato este é o primeiro pequeno milagre: o som das duas vozes que, quando se lê, parece quase que se escutam em seus tons próprios (acolhedora, pastoral a de Paglia, cortante ao gosto do povo da Sardenha a de Manconi) e que nunca cansam. Nunca nos cansamos de ouvir, quero dizer, de ler, nem mesmo quando um raciocínio "escorregadio e instável" embrenha-se por páginas e páginas na terra de ninguém do arame farpado e dos mortos de outrora. Mortos que, aliás, revivem e, por sua vez, se fazem felizmente ouvir: eles têm as vozes de Alex Langer, Amelia Rosselli, Aldo Capitini, para citar três de uma centena.
Il senso della vita.
Conversazioni tra un religioso e un pococredente
Tanto que, precisamente na época do tribunal permanente que a cada dia, de cada sílaba emitida nos pede, no dia seguinte, que nos envergonhemos, desculpemos, arrependamos do que não dissemos e, se realmente não o dissemos, então em cem palavras possivelmente esclarecer, desde que bem rapidamente, eis que aqui é novamente possível falar sobre "guerra justa", direito à morte, liberdade e arbítrio, injustiça, pecado, moral, autodeterminação e qualquer outro tema onde o verdadeiro e o falso não são dados apenas uma vez, onde a luz nasce sempre das sombras, mas outras trevas pode gerar.
Os dois discorrem sobre prazer e dor, eutanásia, migração, drogas, prisão, direitos fundamentais, barriga de aluguel, homossexualidade, sexo, pecado, guerra e paz. Eles falam sobre ecologia, sobre economia.
O sentido da vida é um livro que nasce no ano do medo, aquele em que com apenas um respirador disponível era necessário decidir em quem aplicá-lo, quem salvar. Um ano que dura e já são dois. Paglia traz a visão evangélica de uma assistência explicitada também em sentido concreto, material. Manconi chega com uma “confiança na mudança com redimensionamento das expectativas”: a perspectiva de “limitar a desonra”, nas palavras de Piergiorgio Bellocchio. Para ele, os próximos anos serão marcados por uma espécie de "melancolia coletiva" e aqui, num terceiro título escrito à margem, o prêmio Tenco deve ser concedido às definições dos parágrafos: "o xeque da solidão", “o lugar da desordem”, “otimismo militante”, “a dor não redime”, “defender-se dos pobres”, “carestia táctil”, “tolerância ambígua”.
Observa-se nessas linhas a gentileza de deixar aos leitores o prazer de descobrir por conta própria e "escutar" o diálogo sobre as questões cruciais e não resolvidas do presente em que vivemos: os direitos dos mais frágeis (sejam detentos, migrantes, pobres de meios e de perspectivas, minorias de todos os tipos, entre as quais não posso incluir por número as mulheres, pois elas são uma multidão, mas sim por estado das coisas), os comportamentos relativos à vida e à morte, como vir ao mundo, como partir dele. Os modos da sexualidade, as identidades, a convivência tolerante ou muitas vezes não. A política em geral. O que é fazer política? Cito apenas dois, entre tantos temas, os dois que me parecem mais vivos na sensibilidade das pessoas jovens (por jovens entendo dizer realmente jovens: menos de 25 anos) e em nada ou quase nada atraídas pela participação no governo das coisas, assim como hoje se costuma descuidadamente dizer.
A ecologia e o destino do planeta. O prazer e a esfera íntima da sexualidade. Sobre o tema ecológico Manconi, que foi porta-voz dos Verdes por alguns anos, diz ter aprendido que “a única ecologia possível reúne em um equilíbrio necessariamente instável todos os bens do planeta: a proteção da natureza, o bem-estar dos indivíduos, a justiça social". E como “não há paz sem justiça, é impotente um pacifismo baseado na renúncia ao recurso à força nas controvérsias internacionais, nos conflitos locais e sempre que há violação dos direitos humanos fundamentais”. Em vez disso, serve "qualquer meio para tornar a parte mais injusta inofensiva", e aqui estamos nós no terreno escorregadio e instável da guerra justa, sobre a qual Paglia ("evite o conflito a qualquer custo") rebate com argumentos contundentes. Do capítulo “Gerar, fazer amor, envelhecer” extraio um trecho sobre o prazer “entendido como experiência física que nunca é apenas física, é por si só uma dimensão da vida merecedora da máxima consideração. Euforia do desejo e da psique, conhecimento através do contato dos corpos”. Este é Manconi, e é de Paglia, por outro lado, o discurso sobre o amor conjugal orientado à procriação que, no entanto - a procriação - tantas vezes e infelizmente preludia o fim do amor físico para abrir espaço para uniões que se assemelham a um pacto. E, no entanto, diz o arcebispo, “o prazer não é o diabo, o gozo é a assinatura de Deus no Cosmos”. O prazer dos corpos é a assinatura de Deus. Não revelarei o que Manconi pensa do Paraíso. Por outro lado, gostaria de relatar algo sobre o fracasso do humanismo. Paglia pergunta: queremos entregar nossos filhos ao nada?, ao ateísmo, ao nada da fé - ele quer dizer. Manconi responde: “O humanismo não falhou porque é ateu, falhou porque não realizou seu fundamento constitutivo. Ou seja: o respeito incondicional pelo humano”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Diálogo possível sobre a vida. Artigo de Concita De Gregorio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU