“Até hoje, não houve nenhuma tentativa significativa por parte da autoridade da Igreja de dar sentido teológico a como nossa vida comunitária online impacta a comunidade eclesial e sua unidade. A Igreja Católica sempre foi rápida em usar os meios de comunicação modernos, mas lenta e cautelosa em avaliá-los”, escreve Massimo Faggioli, historiador italiano e professor da Villanova University, nos EUA, em artigo publicado por La Croix International, 15-04-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Três líderes da Igreja em Roma recentemente apontar a perigosa situação da polarização entre católicos neste momento.
O primeiro foi o cardeal Raniero Cantalamessa. O capuchinho, que é o pregador oficial da Casa Papal, notou em sua homilia da Sexta-Feira da Paixão que a fraternidade e a unidade entre católicos está profundamente ferida.
Ele disse que cabia aos pastores da Igreja “serem os primeiros a fazer um sério exame de consciência” e “se perguntar para onde conduzem o seu rebanho – para a sua posição ou para a de Jesus”.
Três dias depois foi a vez do cardeal Pietro Parolin, o secretário de Estado do Vaticano, em uma entrevista que foi ao ar em 05 de abril, na Rádio COPE, da Igreja espanhola. Ele afirmou que as divisões são reais e danosas.
“Qualquer um que vê a situação da Igreja hoje está preocupado por essas coisas, porque elas estão aí”, afirmou Parolin.
Então, apenas dois dias depois disso, o Papa Francisco falou na audiência geral de quarta-feira, fazendo o que parecia ser uma piada gentil sobre a importância que alguns católicos dão às mídias sociais enquanto ele fala sobre a oração e a comunhão com os santos.
“Aqueles que rezam são ‘expansivos’, eles propagam a si mesmo continuamente, com ou sem posts nas redes sociais: desde hospitais ou momentos festivos, encontrando aqueles que sofrem silenciosamente”, afirmou.
“O sofrimento de cada um é o sofrimento de todos, e a felicidade de um é transmitida para a alma de qualquer outro”, acrescentou o Papa.
É muito interessante seguir o que Francisco diz sobre a internet e as redes sociais. O jornalista italiano, Guido Mocellin, está monitorando a presença online do Papa há bastante tempo para o jornal L’Avennire.
Esse jornal, que é da Conferência dos Bispos da Itália, tornou-se um dos mais corajosos jornais da Itália por causa da atenção que dá a questões internacionais e sociais.
A parte sobre as redes sociais de Francisco é interessante porque a Igreja institucional é marcadamente silenciosa sobre o que nossa vida online significa para nosso senso de comunhão.
Até o momento, não houve nenhuma tentativa significativa por parte da autoridade da Igreja de dar sentido teológico a como nossa vida comunitária online impacta a comunidade eclesial e sua unidade.
A Igreja Católica sempre foi rápida em usar os meios de comunicação modernos, mas lenta e cautelosa em avaliá-los.
(Foto: CNS)
Mais de duas décadas depois que várias indústrias cinematográficas nacionais foram estabelecidas, o Papa Pio XI publicou uma encíclica em 1936 sobre o cinema.
Vigilanti Cura foi direcionada especificamente aos bispos dos Estados Unidos, dois anos depois de terem estabelecido “uma cruzada sagrada contra os abusos do cinema e confiada de maneira especial à 'Legião da Decência'”.
Um dos primeiros documentos aprovados pelo Concílio Vaticano II (1962-65) foi o Inter Mirifica, um decreto sobre as comunicações sociais. Refletiu sobre como usar os meios de comunicação de massa “para a instrução dos cristãos e todos os seus potenciais para o bem-estar das almas”.
O Vaticano então publicou uma instrução pastoral em 1971 para atualizar o decreto conciliar. Foi intitulado Communio et Progressio.
Agora, existem várias formas de mídia social, que existem há mais de vinte anos. Mas a Igreja institucional não tem falado muito sobre esse tipo de meio online de comunicação social.
Apenas algumas igrejas locais se esforçaram, especialmente pelo impacto da cultura digital na catequese e na formação dos ministros e dos sacerdotes, em particular.
Nos Estados Unidos, tanto as Diretrizes para Catequese, de 2020, quanto o documento “Dom da Vocação Sacerdotal”, de 2016, (também chamado de nova Ratio Fundamentalis) referem-se à realidade da cultura digital como algo que necessariamente deve ser levado em consideração, como uma especialista, Daniella Zsupan- Jerome, apontou à America.
Mas não há muito mais sobre a Igreja na internet, especialmente vindo do Vaticano, em termos de reflexão intelectual.
Por exemplo, o Papa Francisco criou um novo Dicastério para a Comunicação em 2015, que ele encarregou de reformar e consolidar as operações diversificadas de mídia do Vaticano.
O que quer que se pense dessa reforma, o novo dicastério é o braço executivo e não – ou pelo menos ainda não – um lugar onde o Vaticano pense sobre a mídia.
Por exemplo, a página web do dicastério tem uma seção que oferece documentos magisteriais da Igreja nas mídias. A mais recente é uma instrução que João Paulo II emitiu em janeiro de 2005. Isso foi há mais de 15 anos!
Muitos católicos agora parecem passar mais tempo online do que assistindo à maioria das outras atividades, incluindo rezar.
Mas, de fato, nossa vida online tem recursos litúrgicos e quase religiosos: solenidades no calendário, seus santos e mártires, uma hierarquia entre os celebrantes-líderes e a assembleia, formas de sanções e ex-comunicação, etc.
Essas características absorventes da vida online desempenham um papel importante na radicalização das identidades religiosas, incluindo a católica, e são um fator no aumento da polarização e divisão na Igreja.
Este fenômeno é algo que a chamada ecclesia discens (os membros da Igreja que deveriam ser ensinados) está aprendendo mais rapidamente do que a suposta ecclesia docens (os membros da Igreja encarregados do ensino).
A ecclesia docens deve assumir isso.
A romancista e ensaísta americana Patricia Lockwood segue as interações de uma protagonista anônima com uma plataforma virtual chamada “o portal” em seu romance de estreia, No One Is Talking About This (“Ninguém está falando sobre isso”, em tradução livre).
Ela descreve como a vida online afeta nossa vida de uma maneira que poderia ensinar muito aos líderes da Igreja.
Por exemplo, ela diz que nossa vida comunitária online é vivida como um cardume que intuitivamente muda de direção em conjunto, deixando isolado e exposto a predadores quem não os segue.
Seu uso de 'fluxo de consciência' é apropriado para uma comunidade vivida na qual frequentemente “vivemos uma mente que não é inteiramente nossa, na qual somos objeto tanto quanto sujeito”.
A dinâmica da linguagem que Lockwood descreve se aplica à linguagem dos fanáticos religiosos nas redes sociais, incluindo aqueles que se identificam como católicos.
“O que começou como a brincadeira verbal mais elástica e fácil de entender logo surgiu no jargão, depois na doutrina e depois no dogma”, observa ela.
Isso me lembra alguns dos ditames de grandes inquisidores católicos do século XXI que se autoproclamam e que têm muitos seguidores no Twitter.
Lockwood claramente sabe uma ou duas coisas sobre a perigosa mistura de internet e fanatismo religioso.
Ela ficou famosa em 2017 por seu livro de memórias Priestdaddy, no qual anatomizou a experiência de ser criada como filha de um padre de direita. Seu pai era um ex-pastor luterano que se converteu ao catolicismo e foi autorizado a manter sua esposa e família por meio de uma autorização especial do Vaticano.
Mas essa vida online dos católicos não é toda de más notícias.
A nova forma de comunhão virtual tornada possível pela internet pode ser um compartilhamento de virtudes.
Um livro muito interessante publicado em 2020 por uma emerge teóloga católica estadunidense, Katherine Schmidt, apontou as consequências teológicas e as oportunidades da internet para a Igreja.
“Na ausência de uma versão do século XX de liminaridade, onde os membros do Corpo de Cristo se envolvem em trocas simbólicas, a internet tornou-se um potencial local para a comunhão”, diz ela.
“Sem ignorar a natureza esmagadoramente vitriólica, divisionista e até violenta da comunicação social online, é possível ver momentos de troca simbólica que refletem o amor gratuito de Deus que aprendemos na Eucaristia”, escreve Schmidt.
A pandemia de covid-19 mudou nossas vidas ainda mais para os espaços virtuais. E então é hora de uma reflexão teológica sobre as redes sociais.
Isso é necessário não apenas por causa do número de católicos que passam uma parte significativa de suas vidas ali, mas porque as redes sociais já mudaram a dinâmica de comunicação dos líderes da Igreja – em alguns casos de forma desastrosa, na maioria dos casos de forma inconsciente.
Para seminaristas e jovens clérigos, a Internet parece ter substituído as fontes institucionais de aprendizagem e treinamento em alguns casos.
Katherine Schmidt argumentou em outro lugar que a alfabetização digital deve ser exigida para todos os ministros e líderes na Igreja, leigos e clericais, mas especialmente nos cursos do seminário.
Diferentes seminários e conferências episcopais têm diretrizes e políticas sobre o tema, mas podemos nos perguntar se ou como estão funcionando.
E seria interessante olhar para as diretrizes e políticas para seminaristas e clérigos nas dioceses cujos bispos apresentam regularmente comportamentos embaraçosos nas redes sociais.
O fato de o Papa Francisco ter um dos perfis mais seguidos no Twitter nada diz sobre a consciência da Igreja e dos efeitos profundos das redes sociais na vida dos católicos e na comunhão eclesial.
A Barca de Pedro deve ser e se comportar de maneira diferente de um cardume.
E, ainda, a percepção do lado de fora e a autopercepção da Igreja são cada vez mais moldadas pelas divisões expostas na vida online de seus membros.