24 Março 2021
Sete dias após a publicação do responsum com o qual a Congregação para a Doutrina da Fé proibiu as bênçãos para casais do mesmo sexo, a revista dos jesuítas estadunidenses America redimensiona as responsabilidades do papa.
Segundo fontes confiáveis, “mas que não desejam ser identificadas”, nas palavras do último Angelus, o Papa Francisco teria implicitamente tomado distância do documento.
A reportagem é de Marco Grieco, publicada por Domani, 23-03-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Dois dias atrás, o papa teria apontado o dedo contra a rigidez da Congregação ao falar da responsabilidade dos cristãos na fé. Citando a parábola evangélica da semente que dá fruto, o pontífice falou de improviso sobre as "dificuldades, ou perseguições ou pretensões de legalismos ou moralismos clericais" que criam aridez. Para a revista Jesuíta, este é um aviso claro.
Angelus in códice
Segundo a reconstrução, há dois dias o Papa teria apontado o dedo à rigidez da Congregação ao falar da responsabilidade dos cristãos na fé. Citando a parábola evangélica da semente que dá fruto, o pontífice falou de improviso sobre as "dificuldades, ou perseguições ou reivindicações de legalismos ou moralismos clericais" que criam aridez. Para a revista Jesuíta, este é um claro aviso à Congregação liderada pelo nosso confrade Luis Ladaria Ferrer. Hoje, porém, nenhuma versão oficial confirmou esta interpretação ou desmentiu a recusa pontifícia a supostos esquemas doutrinários, até agora por ele mesmo endossados. O responsum foi conferido pelo Papa Francisco: “O Sumo Pontífice Francisco, no curso de uma Audiência concedida ao abaixo assinado Secretário desta Congregação, foi informado e deu seu assentimento à publicação”, diz a fórmula introduzida por Paulo VI para reiterar o aval papal nos documentos.
O papa teria tido todo o tempo para tomar distâncias. Em 2017, de fato, ele não hesitou em corrigir a carta do então prefeito da Congregação para o Culto Divino, o cardeal Robert Sarah, que havia sugerido um entendimento de seu motu proprio sobre a aprovação das traduções latinas dos textos litúrgicos. Até agora, no entanto, o papa só recebeu o prefeito Ladaria em audiência e não fez nenhuma declaração.
Os desapontados
No entanto, é significativo que tenha sido justamente a revista dos jesuítas dos Estados Unidos a desmentir a rigidez do Papa Francisco. Nos Estados Unidos, a ordem de Bergoglio está entre as mais ativas na pastoral LGBT. A figura central é o padre James Martin, colunista da revista America e em boas relações com o papa: ele foi escolhido por ele para realizar o encontro mundial de famílias em Dublin em 2018 e um ano depois o recebeu em audiência privada. “Hoje recebi uma centena de mensagens da comunidade LGBT, muitos se sentiam decepcionados e desanimados com as declarações da Congregação para a Doutrina da Fé”, disse Martin em um vídeo postado há poucos dias no Instagram, sem citar o Papa: “Continua a ser um caminho em que somos peregrinos na Igreja e aprendemos, mudamos e crescemos mesmo no meio do que pode parecer um doloroso vau”, disse, dirigindo-se aos católicos desiludidos.
Depois que o documento do Vaticano foi divulgado, a associação do Projeto Trevor, que luta contra os suicídios com uma linha telefônica exclusiva, denunciou um aumento exponencial nos pedidos de ajuda de católicos LGBT. A notícia foi confirmada por Jason Steidl, professor de teologia do St. Joseph's College de Nova York: "Mesmo que não tenha lido o texto, o papa é diretamente responsável pelo mal que fez à comunidade LGBT e este documento o confirma", disse via Zoom.
A visão dos jesuítas
Os jesuítas, por outro lado, preferem ler nas entrelinhas. Uma abordagem semelhante já havia sido adotada após as declarações do papa sobre a legalidade das uniões civis: "Quando o papa fala de ‘convivência civil’, ele não se refere simplesmente a ‘convivência civil’ como outras fontes católicas estão tentando defender, mas ‘união civil’", comentou o jesuíta Josef Rodriguez no The Jesuit Post.
O blog dos jovens jesuítas reflete a linha mais progressista do catolicismo estadunidense, em oposição à linha conservadora expressa pela Conferência Episcopal EUA. A cisão surgiu mais claramente em fevereiro passado, quando a Câmara de maioria democrata aprovou o Equality Act, que proíbe a discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero. Uma proposta discriminatória de acordo com as hierarquias eclesiásticas estadunidenses, mas não para os jesuítas: “Talvez o Equality act possa ser um reconhecimento pelos líderes eleitos das lutas que travam os jovens homossexuais e trans”, escreveu o jesuíta Nick Russell no The Jesuit Post.
Nos Estados Unidos, a abordagem pastoral da Companhia de Jesus reflete o papel predominante que ainda está presente na formação da intelectualidade: quando em 2004 o Massachusetts era o único estado a ter legalizado o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a Gonzaga University instituía um centro para os estudantes Lgbt, suscitando reações polêmicas. É com essa abordagem pioneira que os jesuítas estadunidenses leem os últimos acontecimentos. Só a história dirá se sua visão coincide com aquela do coirmão Bergoglio.
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Sobre as uniões LGBT, os jesuítas leem nas entrelinhas a posição do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU