11 Março 2021
Mulheres indígenas, quilombolas, extrativistas, feministas e ativistas dos movimentos sociais de Manaus (AM) e Belém (PA) celebram o Dia Internacional de Luta das Mulheres protestando contra a violência de gênero, o agravamento da crise da pandemia do novo coronavírus e a falta de políticas públicas na saúde e no auxílio emergencial pelo governo federal. Neste dia 8 de Março, o presidente Jair Bolsonaro fez um novo ataque às brasileiras ao não assinar a declaração do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidos (ONU), um compromisso de realizar ações à saúde feminina no combate a Covid-19 para diminuir as "desigualdades históricas”.
A reportagem é de Werica Lima e Erica Murhy, publicada por Amazônia Real, 10-03-2021.
Em Belém e Manaus, a desassistência e a falta do auxílio emergencial são criticadas em atos no Dia Internacional de Luta das Mulheres
(Foto: Werica Lima/Amazônia Real)
Mais de 60 países assinaram a declaração pelos direitos das mulheres e meninas, em Genebra, entre eles, México, que apresentou o documento, Alemanha, Argentina, Austrália, Canadá, Estados Unidos, França, Israel, Japão e Reino Unido. “A única resposta efetiva à pandemia é aquela que tem uma perspectiva de gênero e que visa uma recuperação baseada nesse pensamento”, diz a declaração, como publicado no site UOL.
A feminista Luiza de Marilac Moreira, do Fórum Permanente das Mulheres de Manaus, criticou o retrocesso do governo Bolsonaro nos direitos humanos, na saúde sexual e reprodutiva, nos direitos das mulheres – agora referendados pela declaração da ONU. “Ao contrário de políticas de segurança para as mulheres, o que vemos no governo Bolsonaro são políticas genocidas, como exemplo, a preocupação do presidente do Brasil com armas e não com as vacinas e não com a renda da população, muito menos com as mulheres especificamente. Nós, mulheres, estamos enfrentando a pandemia e vários demônios”, desabafa Marilac.
Em Belém, Daniela Silva compõe a Coordenação Executiva do Coletivo de Mulheres do Xingu, o Movimento Xingu Vivo Para Sempre, o Coletivo de Juventude por Justiça Social e Ambiental do Médio Xingu e o Conselho Municipal do Direito da Criança e Adolescente, no Pará. Ela, que foi surpreendida pelo adoecimento por Covid-19, avalia os ataques constantes de Bolsonaro às políticas para mulheres. “A pandemia nos mostrou que o governo que está no poder é um governo genocida, que não se importa com a vida das pessoas. Um governo negacionista. A gente entende que há um plano para exterminar a população, sobretudo a população pobre, indígena deste país”.
Com a tragédia da pandemia em países em que os governos não planejam ações de combate à transmissão do vírus, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) alertou, em agosto de 2020, que nas Américas o índice de mortalidade pelo novo coronavírus, entre as mulheres, correspondia a 64% das mortes globais notificadas, mesmo com apenas 13% da população mundial sendo afetada pela Covid-19. “Os serviços de saúde mental e violência doméstica são essenciais e devemos enfatizar a abordagem das lacunas reveladas pela pandemia”, disse a diretora Carissa F. Etienne em comunicado da OPAS.
Em estados como Amazonas e Pará, em que há alto índices de mortes por Covid-19, aumentou a violência doméstica contra a mulher durante a pandemia: quinze amazonenses morreram entre março e dezembro de 2020; e 49 paraenses no mesmo período do ano passado. A informação é do monitoramento Um vírus e duas guerras divulgado hoje pela agência Amazônia Real e mais seis mídias independentes. O estudo também trouxe o registro de feminicídio de uma mulher indígenas em Tocantins.
“Para superar esta pandemia, os países devem reconhecer e responder à dinâmica de gênero deste surto. Isso começa garantindo que mulheres e meninas tenham acesso aos serviços de saúde de que precisam, especialmente durante este tempo de crise. Isso inclui linhas diretas de violência de gênero e serviços de saúde sexual e reprodutiva, que são serviços essenciais”, afirma Carissa F. Etienne.
Foi justamente a questão da inclusão dos serviços de saúde sexual e reprodutiva na declaração da Comissão de Direitos Humanos da ONU pelos direitos das mulheres, o ponto de discordância do governo Bolsonaro para não assinar o documento, que reconheceu a luta das feministas. “Hoje saudamos e respeitamos todos os corajosos movimentos feministas, organizações e defensoras dos direitos humanos feministas em todo o mundo. Nós o vemos e estamos ao seu lado”, diz a declaração da ONU.
“O Itamaraty confirmou que Brasil não aderiu a declaração por não concordar com inclusão de referência aos direitos sexuais e reprodutivos”, disse o colunista Jamil Chade, do UOL.
As mulheres são as mais vulneráveis ao vírus (Foto: Alex Ribeiro/Agência Pará/17/01/2021)
Indígena do povo Xerente, Okitidi Sompré integra a Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (Fepipa) e a União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (Umiab), atuando, neste momento, como mobilizadora em projeto desenvolvido pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Ela é categórica: “Tem feminicídio, sim, por conta de homens invasores não indígenas. Se vê, porém, são dados não apresentados, porque há um descaso do poder público em relação a isso”.
Okitidi argumenta que “não há dados de procura da mulher indígena nestes locais [de denúncia e acolhimento]. Se sabe que tem muita dificuldade de acesso por conta da distância entre o território e a cidade, até por conta da mulher indígena de dentro da comunidade não ter esse acesso à Lei Maria da Penha, que não acolhe a especificidade da mulher indígena”.
“As mulheres foram e continuam sendo as mais afetadas na pandemia, além da situação da doença, tem a chefia familiar e o aumento alarmante do feminicídio”, explica a assistente social do Fórum Permanente das Mulheres de Manaus, Luiza de Marilac Moreira.
Eunice Guedes é uma das organizadoras da Jornada Feminista construída pela Frente Feminista do Pará, uma articulação de mais de 50 entidades iniciada há exatamente 10 anos. Psicóloga, professora da Faculdade de Psicologia da UFPA, integrante do Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense (FMAP) e da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) e conselheira no Conselho Regional de Psicologia do Pará e Amapá (CRP-10), ela ponta as peculiaridades da Amazônia e a virulência do bolsonarismo: “Precisamos garantir que essa diversidade não se extinga, que nossa maior riqueza, que são nossos povos e territórios da Amazônia, permaneça. Estamos vivendo um momento no país de ataque sem precedentes não só à população brasileira como um todo, mas em especial aos povos originários e povos tradicionais, que são a grande maioria dos moradores e moradoras da Amazônia”.
Segundo o monitoramento divulgado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), até às 12h do dia 8 de março de 2021, foram confirmados 50.071 casos de indígenas contaminados na pandemia e 992 mortos, alcançando 163 povos afetados. “Bate, às vezes, até um desespero, porque o luto, no meio do povo indígena, é um luto coletivo, a gente não tem tempo pra chorar, não tem tempo nem pra descansar, porque tem que lutar contra o vírus e, mais do que lutar contra o vírus, é lutar contra esse genocídio. Estamos desprotegidos pelo poder público”, desabafa Okitidi Sompré.
As mulheres quem vacinação para todas (Foto: Raphael Alves/Amazônia Real)
A indígena destaca a importância do apoio que os povos originários têm tido junto a organizações nacionais e internacionais. E fala sobre caminhos que têm adotado em seu cotidiano para prosseguir na luta coletiva. Ela, por exemplo, é a última dos 13 filhos, de mãe Guarani, a estar concluindo curso universitário. Está no último ano de graduação em Medicina, na Universidade Federal do Pará (UFPA), mantendo consigo os ensinamentos da artesã que sempre lhe ensinou sobre a preservação de sua cultura e identidade.
“Os desafios foram muitos grandes, por toda a questão de nossa história de vivência enquanto povos indígenas, da nossa educação escolar indígena, que reflete quando a gente está na universidade. A gente sabe que é uma educação diferenciada, que ainda precisa fortalecer muito nesse preparo do indígena sair da sua comunidade, do seu ambiente familiar indígena para o ambiente familiar não indígena”, relata.
O Amazonas se destaca na pandemia mundial do novo coronavírus como uma das regiões mais críticas pela falta de estratégias dos governos para combater o vírus. É praticamente um espelho da insuficiência no planejamento da rede pública de saúde e flexibilização do isolamento da população ao ponto de surgir uma nova variante da Covid-19, já reconhecida como uma potência na transmissão da doença.
Neste cenário, sem acesso à saúde devido a superlotação nos hospitais, falta de leitos e insumos básicos, como o oxigênio, as mulheres chefes de famílias amazonenses enfrentam inúmeros desafios: o alto índice da Covid-19 entre elas, a falta de alimentos e o desemprego.
Neste Dia Internacional de Luta das Mulheres celebrado nesta segunda-feira, 8 de Março, o Fórum Permanente das Mulheres de Manaus realizou – respeitando o distanciamento e medidas protetivas de enfrentamento à pandemia – um ato simbólico em frente à Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam), pedindo vacina para toda população, a continuidade do auxílio emergencial e a eficácia de políticas públicas no combate à violência contra a mulher.
Mulheres feministas fizeram um ato em frente a Aleam contra o Bolsonaro em Manaus (Foto: Wérica Lima/Amazônia Real)
Dora Brasil, coordenadora estadual dos direitos da mulher, criticou durante a manifestação as ações do Governo Federal, que afirma ser o principal reflexo da atual situação do Brasil e do Amazonas no contexto pandêmico.
“Passamos por um momento de crise política muito grande no nosso país em que os espaços de controle social vêm sendo destruídos. Se estamos passando por uma conjuntura nacional de destruição das políticas públicas, isso é reflexo do Governo Federal. O Governo Federal vem cortando cada vez mais verbas destinadas aos projetos. O grande culpado é ele [Bolsonaro], principalmente pelas suas posturas de desqualificar o que a ciência recomenda, sem ter condições morais e intelectuais para isso”, explica e complementa:
“É importante que esses espaços sejam ocupados por nós [mulheres] para fiscalizar e contribuir com a implementação de políticas públicas”, diz Dora.
Com a chegada da segunda onda da Covid-19 ao Amazonas, juntamente com a nova cepa do novo coronavírus e o recorde no número de mortes, as mulheres enfrentam cada vez mais problemas financeiros enquanto aguardam auxílio emergencial.
Em 2020, o governo federal concedeu o auxílio emergencial inicial de R $600,00 para as famílias brasileiras e de R$ 1.200,00 para mães solos entre os meses de abril a agosto. Na segunda etapa do benefício, o valor foi cortado pela metade, resultando em mais quatro parcelas de R$ 300,00 e R$ 600,00 respectivamente, até dezembro de 2020 por meio da Medida Provisória nº 1000.
Agora, o Governo Federal deverá pagar em nova etapa do auxílio emergencial apenas R$ 375,00 para mães solo nos próximos meses. A proposta de emenda à constituição conhecida como PEC Emergencial foi aprovada pelo Senado Federal, mas ainda aguarda votação na Câmara dos Deputados.
Já o governo do Amazonas iniciou em 1º de fevereiro a distribuição do ‘cartão emergencial’ para pessoas dos municípios do interior que vivem em situação de extrema pobreza. A proposta é de entregar para 100 mil pessoas, usando a base de dados do Cadastro Único (CadÚnico) para programas sociais do Governo Federal, o valor de R$ 600,00 dividido em três parcelas de R$ 200,00, destinados a higiene e alimentação.
Em Manaus, a prefeitura lançou o programa social ‘Auxílio Manauara’ para pagar R $200,00 por seis meses para 40 mil famílias. O pagamento iniciou no último dia 5.
Muitas mulheres enfrentam o vírus e a fome em Manaus (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real)
Para as mães solos e mulheres em situação vulnerável, nem o governo estadual e nem a Prefeitura de Manaus possuem projetos específicos.
Em Belém, a Prefeitura lançou o programa de renda cidadã Bora Belém, para garantir o benefício de até R$ 450,00 às famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, de acordo com três faixas. Na primeira delas, mulheres com um filho receberão R$150; com dois a três filhos, receberão R$ 300,00 e com quatro ou mais filhos terão direito a R$ 450,00. Os primeiros benefícios foram entregues neste dia 8 de março.
Juntos, a Prefeitura de Belém e o Governo do Pará vão investir cerca de R$60 milhões no programa, que inclui ainda um processo de formação profissional para as chefes de família, a fim de favorecer sua autonomia financeira. Inicialmente, o Bora Belém deve atender 9 mil famílias. Mas o objetivo é atingir cerca de 22 mil famílias nas próximas etapas do programa.
“Precisamos de auxílio emergencial imediatamente para as pessoas. As pessoas não estão morrendo apenas pela pandemia, mas estão morrendo pela fome, pela miséria. Este oito de março vai ficar para a história, com uma crise de pandemia que escancara um capitalismo que não cuida da vida das pessoas, que mata as pessoas, as mulheres, os negros e LGBTQIA+”, reinvidicou Laide Barros, coordenadora estadual da União Brasileira de Mulheres (UBM).
Outra problemática apresentada pela indígena do povo Tukano Marinete Almeida, foi a desassistência do poder público com a população e a falta de vacina para indígenas de contexto urbano. “Estamos sofrendo. É uma realidade precária que vai além das vacinas”, conta.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Bolsonaro não adere a declaração da ONU pelo direito das mulheres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU