13 Novembro 2020
"A cautela da Santa Sé dever ser lida, portanto, como uma tentativa de não exasperar os conflitos em um episcopado que aprova a hostilidade de Trump ao aborto e às uniões homossexuais; desconfia dos democratas; e isso já há alguns anos representa a fronteira avançada de resistência às aberturas de Francisco", escreve Massimo Franco, colunista, em artigo por Corriere della Sera, 12-11-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Boas-vindas cautelosas a Joe Biden. Um reconhecimento cauteloso para a sua vice, Kamala Harris. E a sombra pesada de Donald Trump e dos católicos conservadores ao fundo. Pelo menos até ontem, o Vaticano ainda não havia cumprimentado o presidente eleito dos Estados Unidos: um silêncio compartilhado, entre poucos outros, com a Rússia de Vladimir Putin e a China de Xi Jinping (1) Mas aquele dos dois presidentes, principalmente de Putin, é explicado pela espera do resultado final da contagem de votos e trai preocupação.
O silêncio da Santa Sé, por outro lado, reflete uma cautela que protege uma certa satisfação: pelo menos no círculo papal. "No imaginário, Trump havia se tornado uma espécie de anti-Francisco", explica um expoente do Vaticano. “Biden é uma esperança de distensão. Mas tememos a hipoteca da ala radical dos democratas: expoentes como a congressista de Nova York Alexandria Ocasio-Cortez, ainda mais que da vice-presidente Harris.
Tal perspectiva poderia rasgar um episcopado católico já polarizado entre conservadores e progressistas”. Por isso, o único comentário oficial foi confiado ao presidente dos bispos dos EUA, José Gomez, de Los Angeles. “Congratulações ao Sr. Biden. Reconhecemos que ele se une ao falecido John F. Kennedy como o segundo presidente dos Estados Unidos a professar a fé católica”, declarou Gomez em 7 de novembro. Palavras sóbrias acompanhadas de um apelo significativo à "defesa da vida", que parecem registrar a superação da "questão católica": o contrário do que aconteceu há sessenta anos justamente com Kennedy, apontado na época pela elite protestante como fantoche nas mãos do papado romano "estrangeiro".
Hoje, Biden tem que tomar cuidado com o catolicismo conservador, mais que com outras religiões cristãs. Em outubro, um padre, Robert Morey, recusou a comunhão ao futuro presidente em uma igreja em Florence, Carolina do Sul, por seu apoio ao aborto: tese relançada pelo cardeal conservador Raymond Leo Burke. E o ex-núncio em Washington, Carlo Maria Viganò, crítico obsessivo de Francisco, escreveu a enésima carta de solidariedade a Trump pela "colossal fraude eleitoral"; e estigmatizou uma suposta infame aliança entre "Estado profundo americano" e "Igreja profunda". Evoca uma conspiração globalista e anticristã da qual teria resultado a eleição de Jorge Mario Bergoglio em 2013. E, embora as posições do ex-núncio Viganò estejam desacreditadas na Itália, na direita católica estadunidense continuam a ter algum peso.
O cardeal Timothy Dolan, arcebispo moderado de Nova York, explicou que daria a comunhão a Biden; mas se mostrou compreensivo com a recusa do sacerdote de Florence. A cautela da Santa Sé dever ser lida, portanto, como uma tentativa de não exasperar os conflitos em um episcopado que aprova a hostilidade de Trump ao aborto e às uniões homossexuais; desconfia dos democratas; e isso já há alguns anos representa a fronteira avançada de resistência às aberturas de Francisco. O semanário dos jesuítas dos EUA, America, lembrou que Biden reivindica a educação aos valores católicos como "um dom"; e ele tentou explicar em que consiste a sua fé. É uma forma de dar-lhe crédito junto à "outra América" a favor de Trump.
O embate atravessa o mundo católico. Além dos bispos, teve freiras que tomaram partido contra Biden e freiras que o apoiaram. O próprio arcebispo Gomez, há alguns meses, desmentiu uma indiscrição que o dava como eleitor do novo presidente. Portanto, os juízos são expressos em voz bem baixa. Aprecia-se o impulso pela unidade nacional que o presidente democrata deseja imprimir após quatro anos de trumpismo. Ressalta-se que os cumprimentos de Gomez foram provavelmente concordados com o núncio de Washington, monsenhor Christophe Pierre, homem próximo a Francisco.
E deve-se notar que têm circulado documentos confidenciais da Igreja dos Estados Unidos para dizer aos católicos que não se sintam obrigados a votar em Trump em nome dos chamados "valores não negociáveis". E, no plano internacional, percebe-se um retorno ao multipolarismo que permitirá ao Vaticano exercer melhor as suas mediações. Mas Biden obrigará o papado a rever algumas de suas atitudes. O presidente representa um establishment que é a antítese do populismo de que Trump e Bergoglio, embora em posições opostas, são apontados como figuras espelhadas.
Além disso, a relação com a China continuará sendo um elemento de tensão com o Vaticano de Francisco. Poucos pensam que uma Casa Branca nas mãos dos democratas mudará sua atitude em relação a Pequim, considerada a capital inimiga da nova Guerra Fria. O acordo provisório e secreto que acaba de ser renovado por dois anos entre a Santa Sé e a China é visto como uma concessão arriscada ao regime comunista: as pesadas palavras contra o Vaticano pronunciadas há poucas semanas pelo secretário de Estado em saída, Mike Pompeo, poderão ser repetidas pelo sucessor de modo mais educado, seja homem ou mulher; mas a substância permanecerá. Se é verdade que Biden está pensando em uma aliança das democracias ocidental e asiáticas para conter o expansionismo chinês, será interessante ver como o Vaticano conseguirá responder àquela que muito se parecerá com uma escolha de campo entre liberdade e autoritarismo.
1.- A China reconheceu a vitória de Biden no dia de ontem, 12-11-2020.
2.- O Papa Francisco telefonou no dia de ontem, 12-11-2020, para Biden, cumprimentando-o pela vitória.
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Duas Américas também na Igreja: a cautela sobre o presidente católico. Artigo de Massimo Franco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU