29 Outubro 2020
"Na esteira da Laudato si', muitos novos cursos de água viva se abriram; da mesma forma, esperamos que, no solo fértil das ideias de Fratelli Tutti, nossas pequenas sementes se tornem ramos frondosos e frutíferos na grande árvore da fraternidade", escreve Enrico Grill, engenheiro eco-sustentável e membro da Comunidade de Famílias "La Collina del Barbagianni" de Roma, em artigo publicado por Settimana News, 28-10-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Considerando que tudo está intimamente relacionado e que os problemas atuais exigem um olhar que leve em conta todos os aspectos da crise mundial, proponho que nos detemos agora para refletir sobre os diferentes elementos de uma ecologia integral, que compreende claramente as dimensões humana e social (Laudato si', 137).
A situação epidêmica generalizada em nível mundial deixou evidente que ninguém se salva sozinho e que é hora de "unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral" (Papa Francisco), especialmente na constatação de que os sofrimentos relacionados ao Covid-19 tiveram um impacto maior sobre as pessoas mais frágeis e vulneráveis. É necessário, portanto, reconhecer a interconexão da vida do ser humano com o meio ambiente e reformar profundamente os princípios da economia e da sociedade que saibam valorizar o descarte numa circularidade geradora.
A esses temas a Caritas italiana dedica o seu 56º Dossier com Dados e Testemunhos (DDT), intitulado Desenvolvimento humano integral em tempo do Coronavírus. Hipótese de futuro a partir da Laudato si'.
O Dossier aborda muitas temáticas: a globalização da epidemia e as reações adotadas a nível nacional; a necessidade de sustentar as atividades de trabalho e a dívida pública que restringe as instâncias dos estados; os méritos e limitações da tecnologia que sustenta o trabalho ágil, mas penaliza aqueles que só podem trabalhar presencialmente; a necessidade de reconhecer uma dimensão de responsabilidade global e de encontrar pessoalmente o caminho para ações incisivas. E relata algumas histórias que narram o que está acontecendo em alguns países, aos quais inúmeras outras poderiam ser acrescidas diante das quais "o necessário reinício das atividades [...] deverá se dar numa dimensão de sustentabilidade real, através de uma reorientação do nosso modelo de desenvolvimento" (cit. Dossier).
O risco de que a situação atual se mantenha e de que epidemias generalizadas possam reaparecer nos próximos anos não pode deixar de nos confrontar com as profundas questões que marcam a vida nesta terra, nesta época caracterizada de forma invasiva pela ação do homem e por isso chamada de Antropoceno.
Devemos ter consciência de que tudo está interligado, não podemos mais ignorar as consequências de agir sem respeito ou adiar as ações necessárias.
E todos nós somos chamados, homens e mulheres, leigos e religiosos, a assumir a responsabilidade pela própria mochila e marcar os passos de um caminho de relação, de ações quotidianas e concretas, de atenção a quem caminha ao nosso lado e a quantos encontramos ao longo do caminho.
O Papa Francisco está convencido disso e, no final de uma audiência em setembro passado, referiu-se ao caminho a ser percorrido para sair da pandemia: “Não há outro: ou continuamos pelo caminho da solidariedade ou a situação ficará pior”. “De uma crise não se sai como antes”, reiterou: “De uma crise se sai melhores ou piores, temos que escolher. E a solidariedade é o melhor caminho para sairmos da crise melhores”.
Então, o que fazer concretamente, em que direção mover os passos?
Encontramos a resposta no Evangelho, em todas as passagens do convite ao amor nas suas manifestações multiformes, para rever as necessidades pessoais que muitas vezes consideramos imprescindíveis, a favor de uma maior sobriedade, respeito e acolhimento. As duas últimas encíclicas do Papa Francisco vão nesta direção: a profecia da Laudato si' de 2015 de uma sustentabilidade que saiba caracterizar de modo integral os aspectos ambientais, sociais e econômicos, e agora a encíclica Fratelli tutti, um convite à fraternidade e à amizade social.
O Papa Francisco convida cada um a ser tornar próximo, a sonhar com outra humanidade, a tornar realidade o amor evangélico, a recordar como é necessário "regenerar a sociedade e não voltar à chamada ‘normalidade’, que é uma normalidade doente, aliás, já doente antes da pandemia.
Os caminhos possíveis a seguir são muitos, cada um pode e deve vivê-los no seu contexto de vida, sem repassá-los aos outros, ou a um amanhã não definido. Para todos é preciso saber se colocar no lugar do outro, olhar com um novo olhar, sair da própria “zona de conforto”, deixar-se questionar por ações necessárias que, por preguiça, cansaço, hábito, costuma-se deixar escapar.
Em todos os contextos em que vivemos – famílias, comunidades, congregações, paróquias, ambientes de trabalho - não podemos nos eximir de colocar em prática ações de relação.
O primeiro passo é a conscientização; não é por acaso que muitas instituições estão trabalhando na elaboração de seus próprios balanços sociais. Também são necessárias ações virtuosas, que primeiro possam aprender a ousar e depois torná-las cotidianas, para garantir que tenham uma real influência e sejam uma oportunidade geradora, abrindo círculos de ondas que multiplicam as forças pelo encontro com aquelas dos outros.
Ações que podem ser implementadas em rede com outras pessoas, ou que podemos realizar com o apoio mútuo daqueles que estão ao nosso lado, mas que, para representar uma verdadeira transição ecológica, devem partir do coração de cada um.
A esse respeito, o Dossier destaca que “nenhuma mudança tem perspectiva se não for assumida pelos indivíduos; nenhuma sensibilidade pode se espalhar se a possibilidade de uma alternativa não for reconhecida nas ações promovidas por um grupo, uma comunidade; cada mudança estrutural deve ser assumida pelos decisores políticos” e é rico em sugestões e outras podem ser tomadas em referência segundo os próprios carismas.
A primeira é a atividade da Caritas, que representou um recurso fundamental em todo o planeta ao serviço das comunidades de todas as latitudes, em um apelo à solidariedade para com os membros mais vulneráveis da nossa sociedade, mais afetados por esta emergência global. Na seção do site da Caritas aparecem notícias e testemunhos sobre o empenho das Caritas diocesanas, da Caritas italiana e de outras Caritas nacionais na emergência de Covid-19.
A pandemia nos lembra que, seja qual for o futuro, só podemos enfrentá-lo juntos e acompanhando os mais vulneráveis. Todas as organizações da confederação da Caritas Internationalis estão tentando manter o maior número possível de serviços de apoio para as pessoas, apesar das dificuldades e dos lockdown (Caritas global response to COVID-19 crisis).
É claro que a perspectiva do futuro só pode ser levada adiante em convergência com a comunidade global que adotou a Agenda 2030 (Sustainable Development Goals): na Itália, a Aliança Italiana para o Desenvolvimento Sustentável relata periodicamente o progresso da sociedade italiana no que diz respeito aos 17 objetivos da ONU.
Um âmbito em que também é importante levar a própria contribuição é aquele dos consumos, para orientar as empresas para escolhas éticas, a favor do ambiente, dos trabalhadores e da saúde das pessoas. Nessa linha está orientada a campanha Vota com il portafoglio di NeXt - Nuova Economia per Tutti, criada para promover e implementar uma nova economia civil, participativa e sustentável.
No Dossier também é apresentada a lista de boas práticas do Guia para comunidades e paróquias ecológicas, que acaba de chegar à sua segunda edição.
O Guia é o resultado da tradução e adaptação pelo FOCSIV do Eco-Parish Guide produzido pelo Global Catholic Climate Movement (GCCM). A primeira edição focada em iniciativas internacionais foi enriquecida com experiências de dioceses e paróquias italianas, ações concretas ao alcance de todos, diferentes entre si, mas com inspiração comum, convergindo em uma visão de ecologia integral.
Ainda na esteira generativa do magistério do Papa Francisco, nasceram as Comunidades Laudato si’ e os Círculos Laudato si'.
As primeiras nascem de um encontro entre Domenico Pompili, bispo de Rieti, e Carlo Petrini, presidente do Slow Food, em 2017, poucos meses após o terremoto que atingiu o centro da Itália. As Comunidades Laudato si' são um movimento de pensamento e ação que promove a consciência sobre as questões ambientais e da justiça social, lembra que meio ambiente e economia podem caminhar juntos e favorece novos estilos de vida.
Os segundos, nascidos no contexto da ação do GCCM, são pequenos grupos de pessoas, assentados em três pilares de oração, reflexão e ação, que se reúnem para aprofundar a sua relação com Deus Criador e todos os membros da criação, à luz do da encíclica Laudato si' e na necessidade de abordar urgentemente as alterações climáticas e a crise ecológica.
Cada um deve encontrar o seu caminho para limitar a sua pegada ecológica e aprender a se tornar próximo de quem encontra no próprio caminho, a partir da interiorização de uma reflexão pessoal.
Uma oportunidade para um curso de aprofundamento do qual usufrui a riqueza e os estímulos em 2019-20 é o Diploma Conjunto em Ecologia Integral, promovido por sete universidades pontifícias de Roma, percurso de estudos, anual e aberto a todos, que pretende promover o mensagem da encíclica Laudato si' para gerar consciência, incentivando e apoiando os seus participantes no lançamento de iniciativas pessoais e comunitárias para o cuidado da Casa Comum.
Pessoalmente, posso acrescentar o testemunho do caminho generativo que escolhi viver, fruto de escolhas pessoais que foram se consolidando ao longo do tempo, mas possibilitadas pela mútua ajuda, apoio e incentivo de muitos.
Há dez anos com minha família e quatro outras pessoas, vivo em uma comunidade de famílias (La Collina del Barbagianni em Roma) que faz parte da rede de Mondo Comunità e Famiglia, Associação de Promoção Social, nascida a partir da experiência da comunidade de Villapizzone em Milão, iniciada em 1978 pelo casal Volpi, Nicolai e um grupo de padres jesuítas.
A essência dessa associação é a convicção de que as pessoas e as famílias, ao escolherem confiar umas nas outras e valorizar a diversidade recíprocas, poderão caminhar para a realização da sua vocação ao chegarem a um outro modo de vida que tornará felizes a elas e a quem estiver perto delas.
Esse caminho se torna possível pela prática cotidiana de confiança, acolhimento, abertura, partilha, sobriedade, solidariedade, responsabilidade e acompanhamento mútuo.
A nossa experiência foi pautada pelo desejo de tentar viver plenamente a vida no caminho com os outros, não adiando o que é possível hoje para um amanhã ideal. Junto com a Congregação que nos hospeda, a Província italiana das Maestre Pie Venerini, como pessoas, famílias, comunidades religiosas e experiências de trabalho, vivemos uma vizinhança solidária, possibilitado acolhimentos e redes territoriais de solidariedade, aspecto particularmente importante nesta época de crise.
A partir deste ano decidimos entrar para um Círculo Laudato si', tornando-nos disponíveis para um percurso ecológico e para hospedar mensalmente as missas Laudato si' (cf. artigo de Francesca Giani).
O tema urgente é tentar se tornar uma ilha disponível para desembarques de navegantes à mercê do mar revolto. A segunda onda do Covid-19 aumenta a situação de crise atual, que parece não parar. Um crescimento exponencial, segundo a OMS, que atinge duramente os mais frágeis, já sacrificados por uma globalização da indiferença e do descarte.
O tempo atual é, portanto, um convite a se focalizar no essencial, mas sabemos bem que o percurso para uma ecologia profunda, embora fascinante, não é dado como certo, mas é muito necessário. São muitos os caminhos possíveis, cada um é chamado a encontrar o seu, a partilhar o pão, a repensar a forma de estar perto, de estar próximos, multiplicando a esperança numa perspectiva generativa, estando capacitados a iniciar processos cujos frutos possam ser colhidos por outros, pelas gerações futuras.
Na esteira da Laudato si', muitos novos cursos de água viva se abriram; da mesma forma, esperamos que, no solo fértil das ideias de Fratelli Tutti, nossas pequenas sementes se tornem ramos frondosos e frutíferos na grande árvore da fraternidade.
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A profecia em tempos de Covid-19 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU