29 Outubro 2020
O mês de outubro de 2020 será lembrado como um dos momentos mais importantes na criação de consciência sobre a segurança alimentar mundial, seja no debate global como na busca de possíveis soluções concretas.
A reportagem é de Mario Lubetkin, publicada por Rebelión, 28-10-2020. A tradução é do Cepat.
No dia 09 de outubro, concedeu-se o Prêmio Nobel da Paz 2020 ao Programa Mundial de Alimentos (PMA), e poucos dias depois, no dia 16 de outubro, durante o Dia Mundial da Alimentação da FAO, algumas destacadas personalidades mundiais, entre elas o Papa Francisco, solicitaram a busca de soluções de fundo e sustentáveis para os problemas da fome.
Enquanto, em paralelo, destacados especialistas divulgaram uma série de estudos que nos apontam caminhos para transitar para a resolução deste tema fundamental para o futuro da humanidade.
O diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), Qu Dongyu, reconheceu que estes pronunciamentos fazem com que “a visão da comunidade internacional se dirija a milhões de pessoas que sofrem insegurança alimentar ou correm o risco de sofrê-la”.
Para Qu, agora, é necessária “uma ação inteligente e sistemática” que forneça “alimentos àqueles que necessitam e melhore para quem já tem”, tomando medidas para “prevenir que os cultivos apodreçam nos campos por falta de abastecimentos eficientes”, potencializando o uso “de ferramentas digitais e a inteligência artificial, com a finalidade de prever os perigos para a produção, ativar automaticamente os seguros de colheita e reduzir o risco climático”.
Além disso, atuando para “salvar a biodiversidade da erosão incessante” para tornar “as cidades as hortas do amanhã” e que os governos executem políticas para que as dietas saudáveis sejam mais acessíveis.
David Beasley, diretor executivo do PMA, refletindo sobre o Prêmio Nobel 2020 conferido à sua organização, destacou que essa decisão “centrou a atenção mundial nos que passam fome e nas consequências dos conflitos”.
Ao mesmo tempo, acrescentou: “o choque climático e as pressões econômicas agravam mais a situação” e, atualmente, “a pandemia global e seu impacto nas economias e comunidades estão empurrando milhões de pessoas à beira da inanição”.
Segundo um relatório recente da FAO, 690 milhões de pessoas (cerca de 8,9% da população mundial) passam fome e os efeitos da covid-19 podem aumentar tal número em 130 milhões de pessoas, antes de fins de 2020.
O Papa Francisco lembrou que “não basta produzir alimentos, mas também é importante garantir que os sistemas alimentares sejam sustentáveis e proporcione dietas saudáveis e acessíveis para todos”, buscando “soluções inovadoras que possam transformar a forma como produzimos os alimentos para o bem-estar de nossas comunidades e de nosso planeta, fortalecendo a capacidade de recuperação e a sustentabilidade, a longo prazo”.
O Pontífice católico qualificou a fome “não apenas como uma tragédia, mas uma vergonha”, convidando para aplicar políticas e ações concretas.
Sugeriu que “uma decisão corajosa seria constituir com o dinheiro que se usa em armas e outros gastos militares um fundo mundial para poder derrotar definitivamente a fome e ajudar o desenvolvimento dos países mais pobres” e, desta maneira, evitar “muitas guerras e a emigração de tantos irmãos nossos e suas famílias que se veem obrigados a abandonar seus lares e países em busca de uma vida mais digna”.
Um grupo de reconhecidas organizações internacionais e centros de estudo, entre eles a própria FAO, fizeram uma convocação aos países doadores, em outubro, a duplicar os investimentos para erradicar a fome até 2030.
Esse é o ano que a comunidade internacional, em 2015, na sede da Organização das Nações Unidas, em Nova York, fixou para eliminar a fome e a pobreza, assim como para conquistar outros grandes Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Segundo o estudo, os doadores devem gastar, em média, 14 bilhões de dólares adicionais ao ano até 2030, o que equivale a duplicar o gasto atual para a segurança alimentar e a nutrição.
De acordo com o economista Máximo Torero, da FAO, “o mundo produz alimentos suficientes para todos, sendo inaceitável que 690 milhões de pessoas estejam subnutridas, 2 bilhões não tenham acesso regular a quantidades suficientes de alimentos inócuos e nutritivos e 3 bilhões não possam se permitir uma dieta saudável”.
Para o especialista, caso sejam duplicadas as contribuições dos países mais ricos, conforme se solicita, “com tecnologia, inovação, educação, proteção social e facilitação do comércio”, é possível vencer a fome nos prazos fixados pela comunidade internacional.
David Laborde, pesquisador do Instituto Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares, defendeu que além da contribuição dos países doadores, os países mais pobres devem aumentar o gasto de seus próprios orçamentos para alcançar os ODS “e duplicar a renda de 545 milhões de agricultores, em pequena escala, e limitar as emissões agrícolas em conformidade com o Acordo de Paris sobre o clima”.
Com o objetivo de avançar nessas reflexões que permitam soluções mais concretas, o secretário geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, propôs a realização de uma Cúpula sobre os sistemas alimentares, cuja reunião preparatória acontecerá em Roma, antes do verão de 2021, e a reunião conclusiva dos Chefes de Estado e de Governo e seus altos representantes ocorrerá em setembro do próximo ano, em Nova York.
Para a Rainha Letizia da Espanha, é necessário repensar “os atuais modelos de produção alimentar a partir da sustentabilidade social, econômica e ambiental”. Também é uma “prioridade da saúde pública relacionada, além disso, à degradação do meio ambiente, em seu sentido mais amplo, à perda de diversidade agrobiológica, ao desperdício alimentar e ao dever de garantir meios de vida dignos aos trabalhadores da cadeia alimentar”, recordando as tendências de crescimento dos números de desnutrição, de carência de micronutrientes, de sobrepeso e obesidade.
Na busca por caminhos para construir sinergias entre os países, a fim de enfrentar os efeitos da covid-19 na segurança alimentar e suas possíveis soluções futuras, o presidente da Itália, Sergio Mattarella, recordou a iniciativa que seu país apresentou à FAO.
Trata-se de uma proposta destinada a criar uma coalizão de nações sobre a alimentação, a qual já se somam cerca de 40 países de todas as regiões, para trocar experiências do que está acontecendo, identificar onde estão as zonas de maior risco, explorar quais seriam os melhores caminhos para enfrentar tais efeitos e preparar a fase pós-covid neste setor.
“Uma alimentação adequada e equilibrada deve estar ao alcance de cada um, junto à antiga conexão com a cultura, a tradição e a terra”, combatendo “a odiosa ação do desperdício de alimentos”, convocando a comunidade internacional para que assuma a proteção “dos bens preciosos que a terra nos oferece”, para salvaguardá-lo “às futuras gerações”.
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Segurança alimentar irrompe na agenda global - Instituto Humanitas Unisinos - IHU