22 Outubro 2020
O presidente da Conferência Episcopal da Polônia, Stanislaw Gadecki, bispo de Poznan, tornou pública a resposta, por ora negativa, da Santa Sé ao pedido de reconhecimento do título a São João Paulo II de “Doutor da Igreja” e co-patrono da Europa. Ele o fez em 9 de outubro em uma conferência em Varsóvia para celebrar o 100º aniversário do nascimento de Karol Wojtyla (18 de maio de 1920).
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada por Settimana News, 21 de outubro de 2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
O simpósio contou com a intervenção de Piotr Glineski, ministro da cultura, em representação do primeiro-ministro, Mateusz Morawiecki, do arcebispo Stanislaw Budzik (os temas do magistério), do cardeal Stanislaw Dziwisz (o seu papel na recepção do concílio), Mons. Grzegors Rys (a nova evangelização) e pe. Mciej Zieba (diálogo ecumênico).
A intervenção do bispo Gadecki foi dedicada a justificar o sentido do pedido do título de doutor da Igreja e de co-patrono da Europa, aprovado pela Conferência Episcopal (outubro de 2019). Para os bispos poloneses, a figura de Wojtyla honra todos os requisitos exigidos para o título de doutor: a doutrina eminente, a santidade de vida, a amplitude da missão evangelizadora. Aqueles já proclamados pela Igreja são 36. O último é o armênio Gregório de Narek e, antes dele, Hildegarda de Bingen.
O segundo pedido dizia respeito à Europa, a nomeação como co-patrono do continente. Existem seis desses reconhecimentos, muito mais recentes. O primeiro foi aquele de Paulo VI a Bento de Núrsia, depois os Santos Cirilo e Metódio, Santa Brígida da Suécia, Santa Catarina de Siena e Santa Edith Stein. A referência aos santos do continente pretende indicar alguns valores espirituais que inspiram o horizonte da civilização. “Hoje vemos tendências perigosas de se afastar dos valores cristãos e construir a integração europeia sobre bases filosóficas estranhas, com um claro privilégio apenas para o progresso econômico e social, em detrimento da sua identidade. A ideia dos patronos sugere uma reflexão mais elevada”, disse Gadecki. Ele relatou as cinco razões sugeridas por George Weigel, escritor e colunista estadunidense:
- João Paulo II deu à Igreja as chaves para interpretar e aceitar os ensinamentos do Vaticano II. Ele o fez por meio de suas encíclicas, exortações e seu ensino como um todo. Em especial com o Sínodo de 1985.
- Ele desenvolveu o ensinamento tradicional da Igreja em termos novos e culturalmente atraentes, relendo os clássicos como Tomás através da lente fenomenológica.
- Ele pressentiu a crise antropológica do século XX ao resolvê-la na proposta renovada da encarnação.
- Ele renovou a doutrina social da Igreja, dando uma base moral ao sistema econômico vigente.
- Com o convite à nova evangelização, foi além da tradição contrarreformista, abrindo-se à dimensão mundial da Igreja.
A estes poderiam se acrescentar muitos outros: “o ensinamento sobre o respeito pela vida de cada ser humano, o papel da mulher, o matrimônio e a família, o anúncio do Evangelho a todo o mundo, a renovação da unidade das Igrejas, diálogo inter-religioso, a ênfase na misericórdia”. “Os vinte e sete anos de pontificado de João Paulo II foram cruciais para a Igreja e para o mundo, tanto no que se refere ao seu ensinamento como ao seu impacto no contexto social”. Desse ponto de vista, o Papa polonês "já se tornou um verdadeiro doutor da Igreja e patrono dos valores europeus". Devemos a ele o reconhecimento dos países da Europa Central como pertencentes à Europa. Acrescente-se a isso ter participado pessoal e diretamente do drama histórico de milhões de pessoas e nações no século XX. Apesar da negativa de Roma, “a semente está lançada, basta um pouco de paciência e tempo para que dê frutos”.
O convite para assinar o apelo ao papa para esses reconhecimentos foi submetido às 150 conferências episcopais mundiais. Apenas 10 responderam. 7 positivamente: em particular os países da Europa central: Eslováquia, Hungria, Tcheca, além da Alemanha, Filipinas, Chile, Ucrânia. 3 de forma interlocutória, não considerando este momento adequado (França, Suíça e Áustria).
Foi assinalado pelo Vaticano que existem inúmeros pedidos de reconhecimentos semelhantes. Entre estes, os do cardeal John Henry Newman.
Na Polônia, o culto aos santos, especialmente no século XX, é um elemento constante e substancial do éthos. “Os santos apoiam o esforço - tipicamente polonês - de sobreviver apesar de toda adversidade, de toda derrota... Os santos são um elemento dinâmico da consciência e da tradição nacional” (Ludmila Grygiel).
A cultura polonesa retomou muitos valores de seus santos, especialmente a soberania e a independência do poder político, elaborando a ideia de nação, mais profunda do que o estado. O pedido dos bispos está ancorado nesse patrimônio religioso e de valores, em conjunto com as celebrações para a beatificação do cardeal Wyszynski, prevista para 7 de julho passado e adiada para uma data a ser definida devido à pandemia. Ao mesmo tempo, foi aberto o processo diocesano para o reconhecimento das virtudes heroicas dos pais de João Paulo II, Karol e Emília. Se Wyszynski representa a chave de interpretação do acontecimento histórico do século XX na Polónia, o reconhecimento do título de Doutor da Igreja e co-patrono da Europa solicitado para o Papa Wojtyla projeta uma vocação singular do país sobre o continente, e sobre toda a Igreja uma proposta teológico-magisterial fortemente marcada pela identidade católica.
O tema da santidade se entrelaça com a consciência inquieta de uma Igreja chamada a definir o seu futuro depois do grande momento do Solidariedade e de João Paulo II. “Até trinta anos atrás, a Igreja era a única força independente na Polônia no plano espiritual, acadêmico, cultural e político com respeito à luta contra o comunismo”, disse Grzegorsz Rys, bispo de Lódź. “O problema é que muitos homens da Igreja pensam que devemos continuar a ocupar todos esses papeis”. Por outro lado, não se aceita ser empurrados para valores e práxis que não pertencem à história do país por uma Europa que "deixou de questionar-se sobre o seu próprio destino, aquele destino que transcende a atualidade dos eventos" (Stanislaw Grygiel). “O que quer a Europa Centro-Oriental - disse o ex-núncio na Rússia e na Polónia, mons. Migliore - é poder sentir-se membro de igual dignidade no clube europeu, sem ter que se adequar a um novo nivelamento cultural”.
Compreende-se o difícil equilíbrio de forças no campo católico, motivado pelo ressurgimento antissemita (o pai-patrão do império da mídia em torno da Rádio Maria polonesa, Tadeuz Rydzyk, foi impedido de falar em público pelo bispo canadense Richard Smith, em sua diocese de Edmont, por suas posições antissemitas), de rigidez homofóbica (o próprio Gadecki impediu a ação Stop LGBT em sua diocese que prevê a coleta de assinaturas para uma lei contra qualquer manifestação pública em defesa dos homossexuais), de posicionamentos públicos demasiadamente alinhados com o atual governo de direita: “Nos últimos anos se propagou um discurso perigoso, tanto pelos responsáveis eclesiásticos como pelo atual poder. Isto é, que um bom católico só pode votar no PiS” (partido atualmente no governo).
“A oposição, por sua vez, é catalogada como aquela que promove a secularização e a luta contra a Igreja. A apropriação da identidade católica por uma opção política é muito grave para a unidade nacional. O discriminante político torna-se o discriminante religioso” (pe. Jacek Prusak).
Soma-se a isso as acusações de encobrir comportamentos pedófilos por parte do clero que chegaram no cardeal Dziwisz, ex-secretário de João Paulo II, e forçaram a renunciar o bispo de Kalisz, Edward Janiak.
Não por acaso que os cinco grupos de trabalho da última assembleia da Conferência Episcopal (5-6 de outubro) se referiram à Igreja e às mudanças culturais, à comunicação dentro e fora das comunidades eclesiais, à presença da Igreja na esfera sociopolítica, além da pastoral paroquial e das práxis eclesiais na pandemia. Reunião que, infelizmente, parece ter favorecido a disseminação do vírus a uma dezena de bispos, entre eles o secretário e o presidente.
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João Paulo II: “Doutor” e “patrono”? Ainda não - Instituto Humanitas Unisinos - IHU