02 Dezembro 2011
Nos últimos cinco meses 12 nomeações correspondem a este modelo. Ei-las aqui uma a uma: para Milão, Filadélfia, Manila, Friburgo... O cardeal que seleciona os candidatos explica o porquê desta escolha.
A reportagem é de Sandro Magister e está publicada no sítio Chiesa, 01-12-2011. A tradução é do Cepat.
Passado seu primeiro ano como prefeito da Congregação para os Bispos, o cardeal Marc Ouellet fez um balanço de sua atuação em uma entrevista a Gianni Cardinale publicada no Avvenire, o jornal da Conferência dos Bispos da Itália.
Na entrevista, revelou, entre outras coisas, que acontece com frequência, "mais do que podia esperar", que o candidato escolhido para ser nomeado bispo não aceita esta nomeação.
Indicou como razões para esta não aceitação a crescente dificuldade de exercer esta função em uma sociedade onde os bispos são objeto de ataques públicos "especialmente em consequência dos escândalos e das denúncias concernentes aos abusos sexuais".
Quanto às ambições de carreira – advertiu o cardeal –, se um sacerdote ou um bispo quiser e manobrar para ser promovido a uma diocese mais importante, "é conveniente que permaneça onde está".
E concluiu a entrevista traçando o perfil do bispo que hoje, mais do que nunca, a Igreja necessita. Um bispo que seja ao mesmo tempo teólogo e apologeta, defensor público da fé:
"Hoje, sobretudo em nossas sociedades secularizadas, necessitamos de bispos que sejam os primeiros evangelizadores, e não simples administradores das dioceses. Ou seja, que sejam capazes de proclamar o Evangelho; que sejam, não apenas teologicamente fiéis ao magistério e ao Papa, mas que sejam também capazes de expor, e em caso de necessidade, defender a fé publicamente".
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O próprio cardeal Ouellet pertence plenamente a este perfil de bispo teólogo e "defensor fidei". Canadense de Quebec, 67 anos, pertencente à Companhia dos Sacerdotes de São Sulpício, Ouellet fez parte da equipe da revista internacional de teologia Communio, fundada entre outros por Joseph Ratzinger e Hans Urs von Balthasar, em cuja escola se formou.
Durante muitos anos dividiu seu tempo entre o Canadá e a Colômbia, como professor de seminário e educador. Depois se mudou para Roma para lecionar teologia sistemática na Pontifícia Universidade Lateranense, época em que era reitor o futuro cardeal Angelo Scola, também ele pertencente à equipe da Communio.
Em 2001, foi nomeado secretário do Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos. No ano seguinte, arcebispo de Quebec e primaz do Canadá. Desde 2003 é cardeal.
Em sua Quebec natal, o cardeal Ouellet foi testemunha direta de uma das diminuições mais repentinas do catolicismo no último século. Esta região, que até a metade do século XIX tinha uma fortíssima marca católica, é atualmente uma das mais secularizadas do mundo.
Como arcebispo, Ouellet se empenhou energicamente para voltar a dar voz e corpo ao cristianismo em sua terra, sendo tão apreciado por Bento XVI que este o chamou para Roma, primeiro como relator do Sínodo dos Bispos de 2008 e depois, desde 2010 de forma estável, como prefeito da Congregação para os Bispos.
Entre os cardeais da cúria romana, Ouellet é seguramente o mais próximo ao Papa Joseph Ratzinger, com quem se reúne de forma regular uma vez por semana. É também talvez o único ao qual o Papa se confia sem reservas.
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É um fato que, desde que Ouellet preside a Congregação vaticana que seleciona e propõe ao Papa os novos bispos, as preferências concedidas a teólogos e defensores da fé são cada vez mais evidentes.
Só nos últimos cinco meses se pode contar pelo menos 12 nomeações com estas características.
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A primeira, de 28 de junho, é a do cardeal Angelo Scola como arcebispo de Milão. Como teólogo, seu mestre foi sobretudo Von Balthasar; mas também Ratzinger influenciou, e não pouco, em sua formação. Com Scola como reitor entre 1995 e 2002 a Pontifícia Universidade Lateranense ressurgiu para vida nova. Em Veneza, onde foi patriarca durante nove anos, fundou um Studium Generale dedicado a São Marcos, articulado em todos os graus do saber desde a infância à universidade, com cursos em diversas disciplinas e com a teologia que abarca a todas.
Seu talento foi e é fazer-se ouvir, sobretudo na praça pública mais que nas salas de aula. Depois de Carlo Maria Martini, Scola é o cardeal ao qual os meios de comunicação laicos prestam mais atenção; com a diferença, em relação ao seu antecessor, de que ele fala e escreve em plena consonância com o magistério de Bento XVI.
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A segunda nomeação desta série, de 19 de julho, é a do Charles J. Chaput como arcebispo da Filadélfia.
Chaput nunca foi teólogo no sentido estrito da palavra. Mas seguramente é um grande apologeta, capaz de pregar o Evangelho sobre os telhados, sem timidez e sem reducionismos, em uma sociedade como a norte-americana, na qual a competição é particularmente dura, inclusive dentro e contra o campo religioso.
Foi este seu perfil de defensor "afirmativo" da fé e da Igreja que o fez inclinar a balança ao seu favor, no procedimento que levou à sua nomeação para Filadélfia. O candidato número um da terna apresentada às autoridades vaticanas pelo núncio do Vaticano nos Estados Unidos era o atual bispo de Louisville, Joseph E. Kurtz. Chaput estava na segunda posição. Mas quando, após o exame dos candidatos realizado pela Congregação, Ouellet foi recebido em audiência por Bento XVI, Chaput passou a ocupar o primeiro lugar na terna, sendo nomeado rapidamente pelo Papa.
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A terceira nomeação, de 27 de julho, é a de Ivo Muser como bispo de Bolzano e Bressanone, diocese do sul do Tirol no qual viveram a avó e a bisavó do Papa Ratzinger.
O novo bispo estudou teologia em Innsbruck e em Roma, na Pontifícia Universidade Gregoriana. Ensinou no Estúdio Acadêmico Teológico de Bressanone. Também foi, durante alguns anos, secretário do bispo Wilhelm Egger, seu predecessor, teólogo e conhecido biblista.
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A quarta nomeação, de 26 de setembro, é a de Stanislaw Budzik como arcebispo de Lublin.
Budzik, que desde 2007 era secretário geral da Conferência dos Bispos da Polônia, também estudou teologia em Innsbruck e conseguiu o título de professor na Pontifícia Academia de Teologia de Cracóvia.
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Quinta nomeação, de 10 de outubro: a de Nuno Brás da Silva Martins, como bispo auxiliar de Lisboa.
O novo bispo conseguiu o doutorado em teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana e ensinou teologia fundamental na Universidade Católica Portuguesa e na Gregoriana, em Roma, onde também foi reitor do Pontifício Colégio Português.
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Sexta nomeação, de 13 de outubro: a de Luis Antonio Tagle como arcebispo de Manila.
Tagle conseguiu o doutorado em teologia nos Estados Unidos, na Catholic University of America, com uma tese sobre a colegialidade episcopal, sob a orientação do professor Joseph Komonchak. Com este colaborou na redação da história do Concílio Vaticano II mais lida no mundo, produzida pela Escola de Bolonha, fundada por dom Giuseppe Dossetti: uma história de tese, que vê no Vaticano II uma virada que marca uma ruptura e um novo início em relação às vicissitudes anteriores da Igreja.
Nesta história, Tagle escreveu, entre outros, o capítulo dedicada à chamada "semana negra" de novembro de 1964: "negra" para os progressistas, hostis sobretudo à "Nota Explicativa Prévia" que Paulo VI introduziu, nesta circunstância, antes da Constituição Dogmática Lumen Gentium, para dissipar qualquer equívoco.
Quando o volume com este ensaio foi publicado, em 1999, Tagle fazia parte há dois da Comissão Teológica Internacional que apóia a Congregação para a Doutrina da Fé, nessa época presidida por Ratzinger.
Em 2001, Tagle se converteu em bispo de Imus, onde se distinguiu por sua proximidade com os pobres e pelo estilo de vida simples e caritativa.
Na Conferência dos Bispos das Filipinas é presidente da Comissão para a Doutrina da Fé.
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Como já informamos em outro artigo, na biografia de Tagle entregue aos cardeais e bispos da Congregação do Vaticano que deviam avaliar sua candidatura para arcebispo de Manila, sua colaboração com a Escola de Bolonha foi totalmente silenciada, com a consequente decepção de alguns, que tomaram conhecimento deste fato apenas após sua nomeação.
A sede de Manila é cardinalícia. Há quem, inclusive, já incluiu Tagle na lista dos "papáveis".
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Sétima da série: a nomeação, em 03 de novembro, de Charles Morerod como bispo de Lausanne, Genebra e Friburgo.
Morerod, dominicano, 50 anos, é um teólogo de fama mundial. Iniciou seus estudos na Universidade de Friburgo, a mesma na qual foi criada a revista Communio. Ali ensinou antes de assumir a cátedra, em Roma, na Pontifícia Universidade de Santo Tomás de Aquino, chamada brevemente de Angelicum. Dirigiu a revista teológica Nova et Vetera e em 2009 se converteu no secretário geral da Comissão Teológica Internacional, consultor da Congregação para a Doutrina da Fé e, por último, reitor do Angelicum.
Entre suas muitas publicações se destaca Tradition et unité des chrétiens. Le dogme comme condition de possibilité de l’oecuménisme. Paris: Parole et Silence, 2005 [Tradição e unidade dos cristãos. O dogma como condição de possibilidade do ecumenismo]. Nela Morerod critica o ecumenismo liberal de teólogos como Rahner, Fries, Tillard, insistindo sobre a irrenunciabilidade a uma sólida doutrina católica, ao mesmo tempo teológica e filosófica.
Sobre as relações entre as religiões, submeteu a duras críticas as teses relativistas do católico Paul Knitter e do anglicano John Hick.
Morerod é um dos três teólogos por parte romana nos colóquios em curso entre a Igreja de Roma e os tradicionalistas cismáticos lefebvrianos da Fraternidade São Pio X.
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Oitava nomeação, de 14 de novembro: Francesco Cavina como bispo de Carpi. Doutor em direito canônico, Cavina era, desde 1996, membro da Secretaria de Estado do Vaticano, na seção para as relações com os Estados. Ao mesmo tempo lecionava teologia sacramental na Pontifícia Universidade de Santa Cruz.
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Nona nomeação, de 21 de novembro: Filippo Santoro como arcebispo de Taranto, na Itália.
Quando era um jovem sacerdote Cavina começou como diretor do Instituto Superior de Teologia de Bari, depois do que partiu como missionário para o Brasil na qualidade de responsável pela Comunhão e Libertação para este país, e para todo o continente latino-americano. Em 1992, participou, como teólogo, da IV Conferência do Episcopado da América Latina e Caribe em Santo Domingo, República Dominicana.
Ordenado bispo em 1996, foi, primeiro, auxiliar do Rio de Janeiro com o cardeal Eugênio de Araújo Sales e depois, desde 2004, bispo da diocese de Petrópolis e grão-chanceler da Universidade Católica desta cidade.
Na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) foi membro da Comissão para a Doutrina da Fé.
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Décima nomeação, de 24 de novembro: Franco Giulio Brambilla como bispo de Novara.
Brambilla, desde 2007 bispo auxiliar da Arquidiocese de Milão e vigário para a cultura, é um dos mais reputados teólogos italianos.
Ensinou cristologia e antropologia teológica na Faculdade Teológica da Itália Setentrional, da qual foi nomeado diretor em 2007. Foi o teólogo de referência da Conferência dos Bispos da Itália no grande encontro eclesial de Verona de 2006, que contou com a participação de Bento XVI. Foi um dos possíveis candidatos para suceder o atual arcebispo de Florença, Giuseppe Betori, como secretário da Conferência Episcopal.
Estudioso e biógrafo do teólogo holandês Edward Schillebeeckx, em 1983 foi um dos italianos que assinaram um documento que reivindicava a liberdade de pesquisa subscrito pelos mais conhecidos teólogos progressistas da Europa.
Naquela ocasião, outro teólogo companheiro seu na mesma faculdade milanesa, Dionigi Tettamanzi, escreveu no Avvenire uma dura crítica sobre os teólogos rebeldes, o que lhe abriu as portas para uma brilhante carreira, que culminou com sua nomeação como cardeal de Milão, ao passo que a de Brambilla foi bloqueada por muito tempo por causa dessa assinatura.
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Décima primeira nomeação: Johannes Wilhelmus Maria Liesen como bispo de Breda, na Holanda, no dia 26 de novembro.
Liesen é, desde 2004, membro da Comissão Teológica Internacional. Foi professor de teologia bíblica nos seminários de Roermond, Haarlem-Amasterdã e s’Hertogenbosch.
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No mesmo dia, 26 de novembro, foi anunciada a nomeação – a décima segunda desta série – de Charles John Brown como arcebispo titular de Aquileia.
Mas o neo-eleito não irá para Aquileia que, como diocese, mora apenas nas recordações históricas. Seu verdadeiro destino é ser núncio apostólico na Irlanda. Brown nunca fez parte do corpo diplomático do Vaticano e é um americano de Nova York, mas Bento XVI quis que fosse justamente ele o seu embaixador em um país sacudido pelos escândalos como a Irlanda, que tem atualmente sete dioceses vacantes, à espera de um novo planejamento e um novo ponto de partida com homens novos.
A razão da escolha de Brown está também nas suas credenciais como "defensor fidei" e "defensor ecclesiae". O Papa Ratzinger o conhece bem desde 1994, desde quando Brown é membro da Congregação para a Doutrina da Fé; é, além disso, já há alguns anos secretário adjunto da Comissão Teológica Internacional.
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Teólogos e apologetas. Os novos bispos têm que ter essas qualidades - Instituto Humanitas Unisinos - IHU