06 Outubro 2020
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) anunciou Clézio Marcos de Nardin como novo diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). A portaria com a nomeação do pesquisador para o cargo foi publicada no Diário Oficial da União nesta sexta-feira (2).
A entrevista é de Cristiane Prizibisczki, publicada por ((o))eco, 02-10-2020.
De Nardin substitui o coronel da Aeronáutica Darcton Policarpo Damião, que ocupava interinamente a direção do órgão após a saída de Ricardo Galvão, em agosto de 2019, motivada por um desentendimento do pesquisador com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação à divulgação de dados sobre desmatamento.
Clézio Nardin é engenheiro eletricista pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM- 1996), mestre (1999) e doutor (2003) em Geofísica Espacial pelo INPE. É pesquisador de carreira do Instituto desde 2004 e, até sua nomeação como novo diretor, ocupava o cargo de coordenador-geral de Ciências Espaciais e Atmosféricas (CGCEA) do órgão.
Segundo texto da plataforma Lattes, Nardin foi gerente geral do Programa Embrace (o centro de Previsão de Clima Espacial do Brasil), entre 2012 e 2018, e vice-diretor do International Space Environment Service (ISES), entre 2016 e 2019. Atualmente, além de coordenador do CGCEA, é também vice-presidente da Latinamerican Association of Space Geophysics (ALAGE), representante brasileiro na Equipe Inter-Programa sobre Informação, Sistemas e Serviços do Clima Espacial (IPT-SWeiSS) da Organização Meteorológica Mundial (OMM) e membro do Grupo de Experts em Clima Espacial do Comitê para o Uso Pacífico do Espaço Exterior da ONU.
Clezio De Nardin, novo diretor do INPE, assume em momento crítico para o Instituto. (Foto: Divulgação/Lattes)
Ocupando o cargo de diretor, quais são seus objetivos à frente do Instituto?
O INPE é uma instituição muito grande e complexa, as pessoas acham que é uma instituição pequena, mas o trabalho que elas fazem abrange várias áreas de interesse nacional, são várias frentes de atuação. O principal [objetivo] é servir o país, como a gente sempre serviu, promovendo acesso ao espaço. Mas, mais importante de tudo: pesquisa, pesquisa, pesquisa! É isso que está no nosso nome, pesquisa na área espacial, pesquisa em observação da terra, pesquisa em meteorologia, servindo o país…e tentar atender a população da melhor forma possível, através dos órgãos de direito.
Em relação à pesquisa, a AEB planeja zerar o orçamento nesta área para 2021, o que motivou, inclusive, uma Moção de Apoio ao diretor interino, na qual o senhor se colocava à disposição para atuar pela recomposição orçamentária do Instituto [Leia box abaixo]. Como diretor, o senhor pretende atuar nesse sentido?
Isso é uma atividade quase que diária de um diretor, todo diretor tem que, junto aos órgãos competentes, da forma adequada, buscar que seu instituto receba o orçamento que considera necessário, mas é óbvio que a gente tem que levar em consideração a situação do país.
O INPE tem passado uma fase bastante difícil, não só na questão orçamentária…
Não posso dizer que estou assumindo o INPE na sua melhor fase, mas estou assumindo o INPE na minha melhor fase. Eu vou dar o meu melhor pra tirar o INPE da situação que se encontra.
Em relação à reestruturação promovida pelo diretor interino, Darcton Damião, o senhor pretende manter essa nova formatação do Instituto que foi feita por ele?
Eu já falei isso na minha proposta, quando fui candidato: sim. É óbvio que fui a favor disso. Claro, se o ministro achar que precisa de pequenos ajustes, sou um funcionário público, não sou dono do INPE, eu trabalho pela organização e pelo país, então, se pequenos ajustes precisarem ser feitos, nós vamos ter que conversar com a comunidade, mas vai ser sempre de forma inclusiva.
A escolha de De Nardin pelo MCTI repercutiu na comunidade científica e nas redes.
Em nota publicada nesta sexta-feira, o Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia (SindCT) disse que “a comunidade espera do novo diretor que ele se paute nos exemplos dos que o antecederam no cargo e que mire como ideal para o INPE, aquele vislumbrado pelo Dr. Fernando Mendonça nos primórdios desta caminhada: construir e fortalecer uma instituição comprometida com a excelência dos resultados nas missões que lhe são destinadas e, acima de tudo, uma instituição civil, de Estado”.
“O Inpe tem novo diretor. Que o Clezio faça um bom trabalho. Principalmente que defenda a ciência e o Instituto com coragem”, escreveu, no Twitter, a pesquisadora Lubia Vinhas, exonerada da coordenação-geral de Observação da Terra do Inpe em julho passado, após alerta de desmatamento recorde na Amazônia.
“Ele é servidor de carreira do Inpe e acho ótimo que a nomeação seja de alguém que faz parte do Inpe. Em geral, a maior parte dos diretores eram de carreira e acho que só temos a ganhar com mais uma escolha como essa”, comentou o pesquisador Gilvan Sampaio, coordenador dos estudos sobre a Amazônia no INPE.
Nardin estava entre os nove candidatos que passaram pelo processo de seleção, para então compor a lista tríplice, que não foi divulgada pelo governo.
Além dele, eram postulantes ao cargo: Nilson Gabas Júnior, René Nardi Rezende, Gilberto Câmara Neto, Cleber Souza Corrêa, Luís Eduardo Antunes Vieira, Augusto José Pereira Filho, Victor Pellegrini Mammana, além do próprio diretor-interino, Darcton Policarpo Damião.
A presença de Damião entre os candidatos era vista com preocupação entre os servidores do INPE. Durante o processo de escolha, o diretor-interino chegou a ser acusado de vantagem indevida, ao criar uma nova estrutura no Instituto, que ficou desconhecida até meados de julho e veio a público 3 meses após a abertura do processo de seleção do novo diretor e apenas 23 dias antes da apresentação pública dos candidatos.
Um abaixo-assinado divulgado por servidores do INPE no início de julho, endereçada a membro do Comitê de Busca, externava a preocupação de que o diretor-interino poderia estar usando sua influência e acesso a documentos e planos trabalho dos diversos setores do INPE para construir sua candidatura, o que conferiria a ele uma vantagem indevida no processo.
Esta também era a preocupação do Conselho Técnico-Científico do INPE (CTC/INPE). Em carta enviada ao Comitê de Busca, também no início de julho, o CTC/INPE dizia que o desconhecimento da comunidade sobre o novo Regimento Interno do Instituto e centralização das informações sobre a reestruturação nas mãos somente do diretor interino e poucos servidores poderia causar “uma quebra na isonomia do processo”.
Segundo nota do MCTI, Damião assumirá cargo de assessor especial do ministro Marcos Pontes.
Além da reestruturação comandada pelo diretor-interino, o Instituto terá que lidar com cortes significativos no orçamento. Em 2020, o orçamento destinado ao Instituto foi de cerca de R$ 118 milhões, o menor valor em 14 anos. Para 2021, estão previstos R$ 79,7 milhões, uma queda de 32,5% diante do orçamento deste ano.
O setor que Nardin coordenava será um dos mais afetados pelo corte no orçamento previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) 2021, na qual consta repasse zero para pesquisa e desenvolvimento científico por parte da Agência Espacial Brasileira (AEB).Tanto que o pesquisador enviou, no dia 14 de agosto passado, um memorando ao diretor-interino colocando-se favorável e em apoio a ações de Damião no sentido de tentar uma recomposição orçamentária para o Instituto.
[…] não podemos trabalhar com ZERO de recursos! Isso, além de uma mensagem macambúzia que prenuncia um velório, é um ato descabido, desproporcional e imprudente, ademais de ser um sinal de desprezo completo e total pela pesquisa científica e tecnológica”, dizia o memorando, ao qual ((o))eco teve acesso.
Soma-se a esse quadro, a campanha difamatória contra o INPE que vem sendo promovida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e por membros de seu governo desde o início do mandato.
Há menos de um mês, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que que havia algum “infiltrado” dentro do instituto fazendo “oposição” ao governo e que essa pessoa teria interesse em priorizar a divulgação de dados negativos – as informações, no entanto, são públicas e podem ser acessadas pela internet.
Mourão também já divulgou a intenção do governo em criar de uma nova agencia nacional que centralizaria os dados de monitoramento via satélite. O entendimento dos pesquisadores é que a intenção seria blindar os dados gerados pelo instituto.
Além disso, o Instituto, que em 2021 completa 60 anos, já foi acusado, sem comprovação, de fornecer dados “mentirosos” e “imprecisos”. Foi ao rebater uma dessas acusações, inclusive, que o então diretor Ricardo Galvão foi exonerado, dando início a todo processo de escolha do novo diretor.
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“Eu vou dar o meu melhor pra tirar o INPE da situação que se encontra”, diz novo diretor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU