21 Setembro 2020
Na quarta-feira passada, 16 de setembro, o Vaticano anunciou que o cardeal italiano Lorenzo Baldisseri, que completou 79 anos no fim deste mês, deixou o cargo de secretário-geral do Sínodo dos Bispos e será substituído pelo bispo Mario Grech, de Malta.
O comentário é de John L. Allen Jr., publicado por Crux, 19-09-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como Grech foi nomeado pró-secretário geral há um ano, a sua posse era amplamente esperada.
Pode-se dizer muitas coisas sobre essa transição. Ela ressalta a importância dos sínodos para este papa, especialmente porque a próxima reunião do Sínodo dos Bispos se focará precisamente na sinodalidade. Da mesma forma, poderíamos falar sobre a paixão de Francisco por Malta, já que ele agora chamou 66% dos bispos da ilha para cargos importantes no Vaticano.
(O arcebispo Charles Scicluna é o encarregado do papa para os escândalos de abuso sexual infantil, e há apenas três bispos no país. As reuniões da Conferência Episcopal podem ocorrer em um táxi atravessando a cidade de Valetta).
No entanto, parece certo parar por um momento e refletir sobre o legado de Baldisseri, já que, quando a história do papado de Francisco for escrita, ele será lembrado como um protagonista central em vários de seus capítulos mais controversos.
Baldisseri nasceu em 1940 em Barga, Itália, na Toscana, a cerca de quatro horas de carro ao norte de Roma. Ele foi ordenado em 1963, o que significa que os primeiros anos do seu sacerdócio tiveram como pano de fundo o período imediatamente após o Vaticano II. Ele obteve um doutorado com uma tese sobre a antiga embaixada papal (conhecida como “nunciatura”) na Toscana e, depois, ingressou na prestigiosa Pontifícia Academia Eclesiástica de Roma para se preparar para uma carreira no corpo diplomático do Vaticano.
Seguiu-se uma série de cargos ao redor do mundo, culminando em 1992, quando São João Paulo II nomeou Baldisseri como seu embaixador no Haiti, um cargo que, por tradição, vem com o posto de arcebispo. Ele ocuparia o mesmo cargo no Paraguai, na Índia, no Nepal e no Brasil (Baldisseri foi o enviado vaticano ao Brasil quando os bispos latino-americanos liderados pelo cardeal Jorge Mario Bergoglio, da Argentina, produziram seu famoso “Documento de Aparecida”, que foi, em muitos aspectos, uma antecipação do papado de Bergoglio.)
Em 2012, Baldisseri foi nomeado secretário da Congregação para os Bispos, tradicionalmente um sinal seguro de que ele estava destinado a receber um barrete cardinalício. Ele também foi secretário do conclave de 2013 que elegeu Francisco, ao fim do qual o ex-cardeal Jorge Mario Bergoglio, da Argentina, deu a Baldisseri o seu próprio solidéu, o que significa que ele não teria que esperar muito para entrar no clube mais exclusivo da Igreja. Ele foi criado cardeal em fevereiro de 2014.
Em setembro de 2013, Francisco escolheu Baldisseri para dirigir o Sínodo dos Bispos, e, neste papado, isso é o que de mais importante o Vaticano tem a oferecer. Francisco atribui grande importância aos sínodos e os tem usado para testar muitas das ideias características do seu papado. Colocar Baldisseri no comando o colocou no centro da ação.
De certa forma, Baldisseri se mostrou quase tão inovador e controverso quanto o papa a quem ele serviu.
Foi Baldisseri, em 2013, quem pediu que as Conferências Episcopais de todo o mundo realizassem pesquisas sobre as atitudes em relação ao controle de natalidade, ao casamento gay e ao divórcio, levando a temores em alguns círculos conservadores de que o ensino da Igreja seria agora decidido por pesquisas de opinião.
Foi Baldisseri quem presidiu aqueles dois sínodos surpreendentes sobre a família em 2014 e 2015, que deixaram algumas forças conservadoras tão furiosas a ponto de o jornalista Edward Pentin ter produzido um livro intitulado “The Rigging of a Synod” [O aparelhamento de um sínodo]. As acusações incluíam que Baldisseri manipulou o jogo em favor de resultados pré-determinados em termos de como o processo foi conduzido internamente, incluindo quem foi nomeado para os cargos importantes, assim como o modo como os resultados foram comunicados ao mundo exterior.
Em nível pessoal, Baldisseri é acessível, engraçado e um homem de uma profunda cultura. Ele é um pianista talentoso que já tocou para o Papa Emérito Bento XVI e que tinha o hábito de dar cópias de seus CDs a quem visitava o seu escritório.
Ele também pode ser irascível e teimoso, uma qualidade relatada por um bispo que participou de um dos sínodos. Em certo momento, Baldisseri convocou uma reunião com os relatores dos pequenos grupos de trabalho, conhecidos como circoli minori, a fim de explicar o que eles deveriam fazer. Falando um italiano rápido, Baldisseri avançou em sua apresentação, até que um prelado levantou a mão para interrompê-lo.
“Eminência, desculpe, mas eu não falo italiano e não consigo entendê-lo”, disse ele, segundo a pessoa que me contou essa história. “Por favor, podemos pedir para alguém traduzir?”
Conforme o relato, Baldisseri suspirou, deu de ombros bem à la italiana e prontamente continuou o que estava dizendo.
Ao passar muito tempo em sites católicos conservadores e tradicionalistas, você encontrará especulações sobre a agenda e a integridade de Baldisseri suficientes para afundar um navio de guerra. Às vezes, quase parecia que Baldisseri se tornou um repositório de coisas que as pessoas não podiam ou não queriam dizer sobre o próprio papa.
Isso não significa que Francisco sempre teve um bom conceito de Baldisseri. O papa recentemente objetou que a discussão sobre os padres casados no recente Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia tinha muito a ver com um “parlamento”, e não tanto com um “sínodo”, o que significa que as pessoas chegaram com posições já definidas e tomaram partido em vez de realmente escutar umas às outras. Se de fato foi assim, pelo menos uma parte da culpa provavelmente pertence a quem comandou o espetáculo.
Mesmo assim, provavelmente não é justo culpar Baldisseri por tentar o melhor que pôde para entregar ao papa aquilo que ele queria. Se o processo tem sido difícil, e a tomada de decisões às vezes é um tanto pesada, talvez se deva apenas à inevitável turbulência que ocorre quando se tenta virar o navio.
Em todo o caso, Baldisseri está entre as personalidades pitorescas que mantêm o Vaticano interessante, independentemente do que você pensa sobre a substância das suas posições. O tempo dirá se o próximo sínodo, embora produtivo, será um pouco mais enfadonho pelo fato de ele não estar mais por perto.
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Sínodos poderão ser um pouco mais enfadonhos sem Baldisseri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU