24 Julho 2020
Matthieu Ricard, 74 anos, deixou seu mosteiro no Himalaia no final de maio para ir à França, que ainda se encontra devastada pela crise sanitária. De Dordogne, onde encontrou sua mãe – a pintora e monja budista Yahne Le Toumelin, 97 anos –, o monge nos concedeu uma entrevista.
A entrevista é de Corine Chabaud, publicada por La Vie, 22-07-2020. A tradução é de André Langer.
Doutor em biologia molecular, Matthieu Ricard tornou-se monge budista aos 33 anos e viveu na Índia e no Nepal. Filho do acadêmico Jean-François Revel, publicou com ele o Monge e o Filósofo: o Budismo Hoje (Editora Mandarim, 1998). Em 2000, fundou a Associação Karuna-Shechen para as populações do Himalaia. Fotógrafo apaixonado, publicou, entre outros, Émerveillance (La Martinière, 2019). “Pratico fotografia desde os 13 anos. Provavelmente é o único ofício que realmente conheço”, disse.
O que você pensa sobre o boom que a meditação conheceu desde o início da crise?
No confinamento, as pessoas se viram impotentes porque estavam sozinhas diante de sua própria mente. É curioso, porque para mim essa solidão é fundamental! Em tempos normais, nós ocupamos a mente de manhã à noite – que é seu melhor ou seu pior inimigo. Sem o fluxo atual de atividades, podemos ver com mais clareza que o modo como nossa mente funciona não é o ideal. As pessoas que se confinaram no campo redescobriram a natureza, essa afinidade essencial chamada de “biofilia”. Infelizmente, algumas pessoas na cidade mergulharam na total distração, com a internet ou com os videogames, conhecidos por aumentar a agressividade e a insatisfação, principalmente se forem violentos...
O que é a meditação?
Um treinamento da mente. Não consiste apenas em tentar se acalmar. Ou sentar-se entre duas varinhas de incenso para relaxar – uma ideia que faz os orientais rirem! A meditação ajuda a entender as causas do sofrimento, a encontrar antídotos para essas toxinas mentais da animosidade, do ciúme, do orgulho, do desejo compulsivo, etc. É um processo de compreensão e libertação. Se consegue se libertar dos grilhões de seus pensamentos errantes, isso é ótimo! Pode-se então habitar na simplicidade natural da mente e descansar nesse estado aberto, claro, luminoso, calmo e estável. Esse estado se parece um pouco com o que as pessoas querem no relaxamento, mais clareza e menos sonolência. As notícias relacionadas à pandemia são pesadas.
O que fazer com essa tristeza quando meditamos?
A tristeza não é um obstáculo insuperável para o bem-estar. O que é a felicidade? A definição não é fácil. Se você acha que é uma série de sensações agradáveis e ininterruptas, está com um péssimo começo. Mas se a felicidade autêntica, a eudaimonia dos gregos, está ligada às principais qualidades humanas, como a liberdade, paz interior, bondade, então a tristeza é normal. Diante do sofrimento, de uma injustiça, a tristeza não é incompatível com a fortaleza, a compaixão, a coragem, etc. É tudo uma questão de equilíbrio. E se estivermos mais familiarizados com o modo como nossa mente funciona, sabemos que por trás da tristeza ou da alegria permanece a presença desperta. Nós a reconhecemos meditando. É o ponto de ancoragem para um praticante com pouca experiência. É como o céu azul atrás das nuvens. Nós sabemos que ele está lá. Ele reaparecerá. Nós não estamos preocupados. Isso não é indiferença. Esse conhecimento é adquirido. Eu passei cinco anos da minha vida em retiro solitário. Nosso espaço interior é muito maior para lidar com os altos e baixos da existência. Ele é forjado com o tempo.
Aprender a meditar é difícil, não?
Se uma coisa é muito fácil, não leva a lugar nenhum (risos). É como aprender a tocar piano ou xadrez: só porque você não chega lá imediatamente não significa que você vai parar. Todo aprendizado exige esforço. A mente é como uma criança caprichosa, como um macaco pulando de galho em galho. Isso não se faz em três segundos. Mas esta é provavelmente a mais bela aventura que alguém pode realizar: ela leva à liberdade interior e aos recursos necessários para dominar os problemas. Menos vulnerável, você está menos preocupado com o seu ego. Então, nos abrimos mais para os outros, nos tornamos um ser humano melhor; isso vale a pena, certo? Não devemos ter medo da prática. Um dos meus mestres dizia: “Se você está entediado, não é culpa da meditação!” É porque sua mente é rebelde, caprichosa. Ela fez dobras e leva tempo para se livrar delas. Mas o entusiasmo surge quando você contempla os benefícios: o equilíbrio emocional e o altruísmo. Quantas vezes as pessoas me perguntam o segredo da felicidade em cinco pontos e três semanas? Isso não existe! É um caminho mais longo, não é fácil, mas vale a pena.
Você pode meditar concentrando-se na respiração. Concentrar-se sobre uma imagem é uma alternativa?
Meditar é cultivar a mente – bhâvana em sânscrito. Uma meditação específica é o treinamento da atenção. Impedir a mente de divagar ou vagar. Então tentamos encontrar objetos de concentração. A respiração é boa porque é invisível. Se você parar de prestar atenção, nada o chama à ordem, não é como uma luz vermelha piscando. As imagens também são suportes. Por exemplo, podemos olhar para um desenho ou uma estátua do Buda, visualizar todos os detalhes. Então, com os olhos fechados, representar esta imagem. É uma maneira de focar a mente. Meditar sobre o rosto de Buda, emblema de sabedoria e compaixão, é melhor que o de um ditador! Uma bela paisagem é diferente, é mais uma evocação. Nosso pequeno ego apertado se dissolve em sua imensidão. Abre a mente e pode tranquilizar. Fortalece o sentimento de interdependência e de pertença. O maravilhamento desperta respeito, incentiva o cuidado da natureza e dos seres humanos. Eu, se me encontro em uma situação difícil, imagino-me na varanda do meu eremitério de frente para o Himalaia e digo para mim mesmo: “Isso não é grave, esta situação vai se resolver”. O método psicológico que consiste em representar uma imagem positiva é bastante eficaz no alívio de pacientes com enxaqueca, por exemplo. É o poder da visualização. Mas a imagem não é um suporte clássico de meditação.
O amor altruísta faz ainda mais bem em tempos de crise. Diga-nos por quê.
É simples. Trata-se de nutrir um pensamento cujo objetivo é aliviar o sofrimento de uma pessoa. Não é para receber elogios. Não se trata de fazer o bem. Mas quando você pratica um ato de generosidade, de bondade altruísta, sente-se em harmonia consigo mesmo. Portanto, essa também é uma boa maneira de se satisfazer. Como quando você cultiva um campo de trigo para alimentar sua família: você não fez tudo isso pela palha, mas ela está aí, como um bônus. O amor é a emoção por excelência. Ele abre a mente, é acompanhado por uma coorte de outros afetos positivos. O amor altruísta – ou, mais simplesmente, a benevolência – é a melhor expressão da natureza humana. Durante esta crise, parece ter crescido.
Na Inglaterra, mais de um milhão de pessoas se ofereceram para levar as pessoas a hospitais, levar comida para os idosos etc. Isso é maravilhoso. Durante desastres naturais, a solidariedade é sempre muito grande. Estudos comprovaram que os comportamentos altruístas estão em franco crescimento. Dessa vez, na Europa, houve uma mistura curiosa: tivemos que cultivar o distanciamento físico para evitar infectar sua família e permanecer aberto a outras pessoas. No Oriente, não conhecemos essa desconfiança pessoal.
Estamos caminhando para uma mudança de cultura, menos individualismo?
Eu espero que sim. Essa é a grande questão. Será que o meio ambiente terá destaque, já que sabemos que os desastres ambientais provavelmente serão muito mais graves do que essa crise de saúde? Os governos mostraram que podem tomar medidas draconianas. Eles usarão um décimo dessa determinação para conter problemas de longo prazo, mas mais ameaçadores? Infelizmente, eles já estão falando em retomar o consumo. As pessoas mudam. Elas elogiam a solidariedade, a sobriedade feliz e a proximidade com a natureza. Existe uma forma de redescobrir a tranquilidade e a diminuição da velocidade. Elas apreciaram o suficiente para mudar seus comportamentos? Uma verdadeira mudança não é impossível.
Já se notava uma evolução: buscar mais cooperação, esforçar-se para fazer melhor com menos, buscar uma harmonia duradoura em vez do eterno desenvolvimento quantitativo. Não podemos usar indefinidamente mais recursos naturais! Mas não conseguimos parar essa corrida frenética. Infelizmente, a evolução nos equipou para sermos movidos por perigos imediatos, não distantes. Eu, aos 74 anos, poderia dizer: “Depois de mim o dilúvio”. Não, isso me preocupa. Um ministro disse certa vez: “Meus filhos e meus netos eu vejo, mas o resto é abstrato”. Isso é ridículo e irresponsável! Quando Greta Thunberg, do púlpito das Nações Unidas joga nas nossas caras que estamos traindo as gerações futuras, ela está correta. Nós queremos ser traidores egoístas? Depende de cada um.
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“A felicidade em cinco pontos e três semanas, isso não existe”. Entrevista com Matthieu Ricard - Instituto Humanitas Unisinos - IHU