20 Abril 2020
Ele permanece confinado em sua casa em La-Seyne-sur-Mer, no sul da França. A vista descortina o Mediterrâneo. "Hoje está soprando uma brisa agradável do leste. Não posso reclamar", admite Boris Cyrulnik, 82 anos, neuropsiquiatra, especialista em resiliência. Mas quando criança ele experimentou outros tipos de confinamento. “Eu morava em Bordeaux durante a Segunda Guerra Mundial. Meu pai já havia sido enviado para Auschwitz, eu fiquei com minha mãe. Depois ela também foi deportada e eu fui escondida por uma família de professores. Eu tinha seis anos, não sabia ler nem escrever: ficava sozinho em casa o dia todo”. A Gestapo o encontrou de repente. Os judeus os reuniam em uma sinagoga. Mas Boris conseguiu escapar. Outros "justos" o esconderam: e ele se viu confinado novamente.
A entrevista é de Leonardo Martinelli, publicada por La Stampa, 18-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
A situação atual não lhe traz de volta aquelas lembranças ruins?
Não, não sofro de estresse pós-traumático, porque fiz um processo de resiliência sobre aquele episódio. Levou muitos anos: meus estudos, meu trabalho, meu engajamento social me ajudaram. Agora, sabe-se que a resiliência também depende da segurança de um bebê nos primeiros anos de vida. E entendi que minha mãe havia me protegido naquela época.
Após o confinamento devido ao Covid-19, que processo de resiliência espera por todos nós?
Depende de como chegamos ali. Há quem tenha tido uma infância suficientemente feliz, não sofreu trauma, estudou e pode realizar trabalhos interessantes, tem uma rede de familiares e amigos a quem, também pelo seu nível educacional, consegue expressar seus sentimentos. Essas são as pessoas que, em grande parte, agora se encontram morando em uma casa com um jardim ou em um apartamento confortável.
O que significa para eles ficarem confinados?
Pode ser triste, um incômodo. Mas não é uma verdadeira agressão.
E os outros?
Há quem teve uma infância difícil, talvez quando criança foi maltratada, tem um emprego desinteressante e mal remunerado. Existem famílias como essas que vivem em Paris com dois filhos em vinte metros quadrados. São indivíduos que chegam ao confinamento com vários fatores de vulnerabilidade. Pois bem, uma vez arquivada essa experiência, encontrar um novo desenvolvimento pessoal será mais difícil.
Essas pessoas estão numa situação irremediável?
Não, eles precisam se esforçar para dar sentido a esse confinamento. Penso em Georges Charpak, que ganhou o Prêmio Nobel de Física em 1992. Quando criança, ele morou com sua família em cerca de dez metros quadrados em Paris. Mas eles estavam felizes por terem escapado dos pogroms da Ucrânia e ele poder frequentar a escola.
Seu último trabalho, publicado na França pela Odile Jacob, é intitulado A noite, escreverei sobre aqueles que estão sós.
Exatamente, relato como as maiores obras artísticas foram feitas em meio ao sofrimento. É no escuro que se espera a luz. Escrever, por exemplo, ajuda a criar um sol na própria alma. Muitos escritores de sucesso são órfãos como eu.
De maneira mais geral, quando o atual confinamento terminar, nossas sociedades precisam começar a funcionar novamente como antes?
Historicamente, quando aconteceu, nunca funcionou. Penso naqueles que, nas encostas do Etna, reconstroem sua casa onde foi lavada pela lava. Na próxima erupção, acabarão revivendo o mesmo trauma.
Então o que fazer?
É preciso uma nova abordagem econômica, social e cultural. Precisamos recolocar em funcionamento a economia, é claro. Mas em novas bases. Precisamos rever o hiperconsumismo e o hiperativismo, que são em parte responsáveis pela situação atual. Antes dessa epidemia, era normal participar de uma reunião em Berlim um dia, voltar a Paris para jantar à noite e se deslocar para Londres para trabalhar na manhã seguinte. Eu também já fiz isso. Pois bem, tudo isso aumenta a produção de gases de efeito estufa e promove a disseminação de vírus. E, inclusive, é preciso avançar mais, mudar certos valores individuais.
Em que sentido?
Temos que desacelerar a nossa sociedade após um período de aceleração desenfreada. Realizei estudos no Japão, onde as crianças são cobradas de maneira exagerada na escola. É possível obter performances incríveis, mas obrigando-as a pagar um preço humano exorbitante.
Durante esse período, estamos recorrendo ao teletrabalho e ao ensino a distância. O que você acha disso?
As telas são ferramentas mágicas, mas também são muito tóxicas. Quando você vê fisicamente uma pessoa falando, o sentido de suas palavras muda, através dos gestos e das expressões faciais. A ausência de empatia desenvolve a perversidade. É especialmente perigoso para os mais jovens.
Mas são ferramentas eficazes...
Nem tanto. Com minha equipe, realizamos estudos sobre isso. Com o ensino a distância, o aprendizado é de qualidade inferior, porque a emoção que provém de uma relação direta estimula a memória.
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“Não vamos desperdiçar a lição de Covid. Nossa sociedade deve desacelerar”. Boris Cyrulnik - Instituto Humanitas Unisinos - IHU