27 Abril 2020
"Para destacar onde estão os problemas, alio-me à provocação de Agamben, que evidencia como as limitações impedem um homem ou uma mulher de encontrar a pessoa amada. Uma coisa é limitar as aglomerações e as grandes manifestações; outra coisa é impedir um deslocamento fixo em um relacionamento estável entre duas pessoas, quando todas as outras interações foram canceladas e, portanto, os riscos de multiplicar a infecção são extremamente reduzidos. Devemos estar cientes de que foi dado mais um passo: ao controle se seguiu a limitação da liberdade", escreve Davide Baraldi, teólogo italiano, professor da Escola de Formação Teológica de Bolonha, em artigo publicado por Settimana News, 24-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
No início da epidemia, conversando com dois amigos dos quais tenho maior estima, falamos de suas perplexidades sobre algumas intervenções do filósofo Agamben a tal respeito.
Então, fiquei surpreso quando eu descobri que sítios católicos haviam corajosamente publicado a sua intervenção,"Uma pergunta", para dar espaço para o debate que, inevitavelmente, já havia despertado. Seu texto, de fato, circula amplamente também em outros sites e nas redes sociais, com o confronto agudo e muitas vezes polêmico que provoca.
A "pergunta" de Agamben polarizou o debate. No entanto, nesse caso, considero uma tentação aquela de argumentar se ele esteja certo ou errado. Além de alguns limites que também encontro no texto, acho bastante estimulante aprofundar as duas principais provocações.
Parece-me que negligenciar aquelas para permanecer na polêmica, seria como olhar para o dedo que aponta para a lua.
Considero que não é generoso o juízo de Agamben sobre o "país inteiro", uma vez que o país-nação é composto de muitas partes e, se "entrou em colapso" em alguns aspectos institucionais e morais, há provas muito luminosas em muitos outros.
Eu não gostaria de chamar em causa o Papa, que ele - se pudesse "abraçar os leprosos" - o teria feito de bom grado; e é incorreto - como sinalizou lucidamente a redação de SettimanaNews – a identificação in toto entre Igreja institucional e fé cristã.
Apesar disso, parece-me que Agamben nos peça uma reflexão muito séria sobre essas duas questões que, fora das críticas, não podem ser contornadas:
1. a marginalização do aspecto espiritual religioso da antropologia, que o filósofo indica como "a raiz do fenômeno";
2. a redução da liberdade pessoal.
É realmente muito grave que a dimensão espiritual tenha sido completamente expulsa da interpretação antropológica, ainda mais se considerarmos a retórica do "essencial" e do "indispensável". Em outras palavras, definir o que é considerado essencial e indispensável é um espelho do que se acredita que seja o ser humano em sua humanidade. Pois bem, o essencial foi definido: as dimensões sanitárias; procurar alimento; levar os bichos de estimação para passear; ir à tabacaria e à banca de revistas (e toda a cadeia de suprimentos mais ou menos extensa relacionada a essas exigências).
Não foi considerado essencial, por exemplo, manter a dignidade da despedida fúnebre e dos enterros (cf. Precisamos de histórias de salvação; Funeral, último ponto da vida). Onde justamente se correm riscos para o corpo vivo, não foi considerado necessário correr aqueles mesmos riscos para o corpo morto. Agamben observa com razão e com consternação, que tal coisa não acontecia desde Antígona (acrescento desde o Livro de Tobias) em diante.
Não se elevou nenhuma voz institucional autorizada em defesa do fato de que as dimensões religiosas mais profundas poderiam ser consideradas essenciais e indispensáveis para a vida das pessoas, mesmo em condições de emergência sanitária, e não apenas para a estabilidade psicofísica.
Se você precisasse ir ao psicólogo - sendo um ramo do âmbito da saúde - poderia conseguir a licença e isso era válido. Se você precisasse ir à igreja sozinho, ou se confessar, a licença não era válida.
A prova desse golpe contra o aspecto religioso (oculto e talvez involuntário, mas efetivo) está no texto da resposta das autoridades ao pedido de esclarecimento da CEI: você pode ir à igreja somente se já estiver na rua por outras razões e se passar em frente. A Nota do Ministério do Interior, protocolo 27-03-2020, afirma, de fato, que "é necessário que o acesso à igreja ocorra apenas por ocasião de deslocamentos determinados por ‘comprovadas exigências de trabalho’ ou seja por ‘situações de necessidade’ e que a igreja esteja situada no caminho".
Essa nota foi integrada em 15-04-2020 no site da Presidência do Conselho dos Ministros por um pequeno adendo que demonstra quanto fosse problemática a primeira versão: "É possível chegar ao local de culto mais próximo de casa, entendendo tal deslocamento o mais dentro do possível das proximidades da própria moradia".
Não tenho nenhum espírito de discórdia: só estou interessado em chamar a atenção para o ponto crucial.
Poder-se-ia objetar que, para cada um, as coisas essenciais e indispensáveis são diferentes, para alguns - por exemplo – o esporte, e que, portanto, o componente espiritual de nossa humanidade faz parte dos aspectos subjetivos e acessórios. É uma prova dessa redução do ser humano ao corpo biológico, que é o verdadeiro cerne da questão.
Outra objeção é que o aspecto espiritual também pode ser vivido em quarentena, e é verdade. Eu mesmo me referi várias vezes às palavras de Jesus: "vá para seu quarto e ore a seu Pai, que está em secreto" (Mt 6,6), mas a definição da humanidade também é feita de símbolos e de divisores de águas concretos, que refletem a compreensão básica que se tem da antropologia.
A limitação quase total da liberdade pessoal, dentro dos limites das regras constitucionais e certamente não na ortodoxia dos procedimentos democráticos, foi decidida como uma providência indispensável.
Para destacar onde estão os problemas, alio-me à provocação de Agamben, que evidencia como as limitações impedem um homem ou uma mulher de encontrar a pessoa amada.
Uma coisa é limitar as aglomerações e as grandes manifestações; outra coisa é impedir um deslocamento fixo em um relacionamento estável entre duas pessoas, quando todas as outras interações foram canceladas e, portanto, os riscos de multiplicar a infecção são extremamente reduzidos.
Sim, foi dito que, como muitos bancavam os espertos, era uma medida necessária para o controle.
O controle, justamente. Temos a oportunidade de refletir sobre o tema do controle total (basta pensar aqui nos estudos de M. Foucault sobre o assunto). Na realidade, é apenas a manifestação de uma tendência que em muitos aspectos já foi aceita nas nossas sociedades; portanto, poder-se-ia objetar que não é coerente nem construtivo se preocupar com isso em um momento de evidente emergência.
Devemos estar cientes de que foi dado mais um passo: ao controle se seguiu a limitação da liberdade.
Diante da invasividade com que somos seguidos e rastreados, muitos ficaram tranquilos, teorizando o ditado: "Quem não deve não teme"; ou se sentiram livres da pressão da publicidade e do "Grande Irmão". Agora, para garantir uma margem segura, aceitou-se o risco de limitar (e ser limitados) demais.
Na conclusão, Agamben apresenta um princípio da ética sobre o qual seus interlocutores se confrontaram a golpes de sabre. Ele o expõe em termos filosóficos, muitos o trouxeram de volta ao nível prático. A questão, provavelmente, é de medida, com o risco de escapar ao controle.
Se voluntariamente e negligentemente, só podemos estabelecê-lo nos próximos meses. Certamente, a vigilância do pensamento e da reflexão é muito útil e nos exige muita responsabilidade.
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Agamben, uma resposta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU