20 Abril 2020
Ele fazia parte do grupo de monitoramento e vigilância do território, palco constante de ameaças e invasões de grileiros, madeireiros e garimpeiros; em nota, Apib associa violência à política do governo Bolsonaro.
A reportagem é de Maria Fernanda Ribeiro, publicada por De Olho nos Ruralistas, 18-04-2020.
O indígena Ari Uru-eu-wau-wau, 32 anos, foi encontrado morto na manhã deste sábado na estrada de terra que liga a cidade de Jaru, em Rondônia, até a terra indígena que leva o nome da etnia, no distrito de Tarilândia. Ari teria sido assassinado com golpes na cabeça. Ele fazia parte do grupo de monitoramento e vigilância do território, palco constante de ameaças e invasões de grileiros, madeireiros e garimpeiros.

Imagem de Ari, na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau. Foto: Gabriel Uchida/Kanindé.
Na semana passada, a reportagem do De Olho Nos Ruralistas teve acesso a um áudio que denunciava a presença de invasores na área e avisava que um indígena tinha visto um caminhão de tora — veículo que carrega madeira — e um trator na entrada da aldeia do Alto Jaru. Também havia vestígios de sacos plásticos e outros materiais deixados pelos invasores. São recorrentes as ameaças de morte sofridas pelos indígenas, com relatos de tocaias e emboscadas.
Este é o segundo assassinato de lideranças indígenas em menos de vinte dias. Zezico Guajajara, professor e líder que lutava pela proteção do território Guajajara foi brutalmente assassinado, no Maranhão, no dia 31 de março. A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, demarcada em 1991, possui as nascentes dos principais rios de Rondônia, entre eles os Rios Cautário, Pacaás Novos, sendo o berço de doze sub-bacias hidrográficas importantes para a economia, equilíbrio climático e preservação da biodiversidade.
O relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre conflitos no campo em 2019 menciona exatamente o povo Uru-eu-wau-wau como uma das etnias mais atingidas: “A cada três famílias vítimas de conflitos no campo, em 2019, uma era indígena“.
'Não estamos expostos apenas aos coronavírus'
Segundo nota divulgada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Ari integrava o grupo de vigilantes e protetores do território de seu povo e estava ameaçado pelos criminosos responsáveis pelas invasões e devastações na região. Confira a nota:
— No momento em que buscamos intensificar ações de proteção aos nossos territórios, devido às ameaças da pandemia da Covid-19, recebemos com tristeza e indignação a notícia do assassinato de Ari Uru-eu-wau-wau. A violência contra os povos indígenas só aumenta e este crescimento tem relação direta com a política genocida do governo Bolsonaro. Nós, da Apib, reforçamos a necessidade de medidas urgentes de proteção dos nossos territórios e das nossas vidas. Não estamos expostos apenas ao coronavírus, os crimes cometidos por madeireiros, garimpeiros e grileiros seguem intensos, violando nossos direitos e destruindo nossa natureza.
As invasões dentro do território indígena dos Uru-eu-Wau-Wau têm sido denunciadas há muitos anos. Em uma delas, uma nota pública redigida pela associação do povo indígena, em conjunto com a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, em 2018, alerta para as violações de direitos dentro da TI , para as constantes invasões e para a política de destruição da Fundação Nacional do Índio (Funai).
“Os indígenas e a Kanindé vêm denunciando há muito tempo as invasões e pedindo providências”, dizia a nota. “No entanto, poucas ações têm sido realizadas para conter os invasores. A Funai, órgão responsável pela proteção do território e dos indígenas, encontra-se sucateada e sem recursos humanos e equipamentos para atuar na defesa da integridade física e territorial do povo indígena, precisando urgente que o governo federal dê condições para a Coordenação Regional da Funai em Ji-Paraná atuar na defesa da vida e do território indígena.
A presença de invasores em áreas indígenas se tornou um motivo maior de preocupação devido à pandemia do coronavírus entre os povos originários, pois eleva ainda mais o risco de transmissão do vírus. Indígenas são considerados especialmente vulneráveis à pandemia por conta da menor imunidade (especialmente entre os povos isolados) de costumes que tendem a facilitar a disseminação de doenças respiratórias e da ausência de hospitais em seus territórios.
O grupo de vigilância e monitoramento da Terra Indígena Uru-eu-wau-wau existe há dois anos. Ari era casado e deixa dois filhos.
Leia mais
- Contaminação e Guerra de Extermínio contra os Povos Indígenas - pestes, armas biológicas e o COVID-19
- Sob governo Bolsonaro, conflitos no campo aumentam e assassinatos de indígenas batem recorde
- Ore Ywy – A necessidade de construir uma outra relação com a nossa terra. Revista IHU On-Line, Nº. 527
- O genocídio dos povos indígenas. A luta contra a invisibilidade, a indiferença e o aniquilamento. Revista IHU On-Line, Nº. 478
- Indígenas do Vale do Javari evitam missionários e ‘Nós’, a Peste Global
- Covid-19 ameaça povos indígenas da Amazônia
- Sesai confirma primeiro caso de coronavírus em indígena brasileiro
- Os Povos indígenas da Amazônia exigem “proteção para as comunidades” contra a Covid-19
- Lideranças católicas exortam governos a proteger indígenas durante pandemia
- Em meio à pandemia da covid-19, governo anuncia remoção de quilombolas no Maranhão
- Coronavírus: MPF-AM pede providências urgentes para o Alto Rio Negro
- Cidade mais indígena do Brasil, São Gabriel da Cachoeira se isola contra o Covid-19
- Dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho, alerta para indiferença do governo diante dos povos indígenas
- Coronavírus pode dizimar povos indigenas, diz pesquisadora
- Povos de Altamira organizam campanha para se proteger contra a Covid-19
- Comunicado do Cimi acerca da pandemia do coronavírus (Covid-19)
- Dois povos indígenas decidem se refugiar na mata para se proteger do coronavírus no Maranhão
- Brasil: rumo à extinção dos povos indígenas?
- Médico sanitarista diz que doenças respiratórias, como coronavírus, são vilões do genocídio indígena
- Na Amazônia, Saúde de Atalaia do Norte investiga suspeita de coronavírus em indígenas Marubo
- Povos do Parque Nacional do Xingu decidem ficar em quarentena como prevenção ao coronavírus
- Baixa imunidade de povos indígenas do Pará ao novo coronavírus preocupa autoridades
- Indígenas adiam maior encontro brasileiro por causa do novo coronavírus
- A REPAM elabora o mapa do coronavírus na Pan-Amazônia
- O Estado não existe na terra indígena mais letal para os guardiões da floresta
- 'O Governo Bolsonaro tem sangue indígena em suas mãos', afirma APIB sobre o assassinato do guardião da floresta Paulo Paulino Guajajara
- Nota do Cimi sobre assassinatos de indígenas Guajajara, no Maranhão, e Tuiuca, no Amazonas
- Dois indígenas Guajajara são assassinados no Maranhão em escalada de violência na zona
- Araribóia sofre com violência, invasões e desmatamento
- Responsabilizamos o Estado e o governo federal pelo assassinato de Paulo Paulino Guajajara. Nota do Cimi
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Aos 32 anos, indígena Uru-eu-wau-wau é assassinado em Rondônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU