30 Janeiro 2020
"Devido a uma surpreendente heterogênese dos fins, um livro que não deu certo, teve seu bom efeito: contribuiu para destacar tudo o que nele está silenciado, escondido ou negado. Seus silêncios tornaram-se palavras urgentes e comuns. Sua obstinação unilateral de olhar apenas para trás destacou o quanto o Concílio Vaticano II nos chamou para ir em frente, há quase 60 anos, recuperando as evidências de uma natureza sacerdotal que diz respeito sobretudo a Cristo e à Igreja."
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua. O artigo foi publicado por Come Se Non, 29-01-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Parece-me que a coisa mais positiva daquele livro é o diálogo que começou". Essa pertinente afirmação de Paola Lazzarini Orrù – a respeito do livro de R. Sarah - Bento XVI, Do fundo do nosso coração [em tradução livre] - me impressionou imediatamente, porque destaca um paradoxo sobre o qual é bom refletir com cuidado.
Como eu disse em várias ocasiões neste blog e em outros lugares, o livro, na tentativa de defender uma teoria fundamentalista do celibato, expõe-se a críticas que destacam não apenas os pressupostos desatualizados e unilaterais da análise realizada pelos autores, mas também a exigência de um esclarecimento preciso das questões levantadas pelo livro. Isso provocou, por reação, uma série de contribuições relativas à relação entre celibato e ministério ordenado, entre ministério ordenado e sacerdócio comum, entre ato de culto e sacerdócio e, por fim, entre identidade eclesial e sacerdócio comum e ministerial. Gostaria de isolar brevemente cada um desses temas, em torno dos quais, por culpa e mérito do livro, testemunhamos o surgimento de um debate tão aceso, como não acontecia há muito tempo. Apresentarei brevemente as questões que acabamos de enumerar, para examinar as grandes potencialidades para o caminho eclesial.
O primeiro nível da discussão observa que, a partir da tese extrema do livro - que afirma identificar um "sacerdócio católico" necessariamente celibatário como uma estrutura invariável da história – temos dificuldade não apenas para reconhecer que o celibato é uma qualificação possível, oportuna, conveniente, mas não necessária, mas também que a suposta incompatibilidade entre casamento e ordenação é de fato desmentida não apenas pela história, mas pela presença de "diáconos permanentes uxorados" que são ordenados após terem se casado. Não é por acaso que a posição mais extrema expressa no livro também olha para esses diáconos com suspeita invencível, considerando-os como um caso de "corrupção" da tradição. Em vez disso, trata-se da possibilidade com a qual, na história, a "liberdade do ministro" é interpretada, que pode ser garantida pela condição de celibato ou, em outros casos, pela condição conjugal. A menos que a liberdade eclesial seja considerada incompatível com os vínculos. A pergunta a ser feita hoje é: como podemos garantir ao ministro ser "homem livre de boas palavras"? Celibato e casamento são incompatíveis. Não o são, ao contrário, ministério ordenado e casamento.
Como é evidente, o viés do livro, em seu centro pulsante, não fala primariamente do celibato, mas do sacerdócio. E alega expor uma "teoria do sacerdócio católico" que prescinde totalmente do sacerdócio comum ou batismal. Isso é realmente surpreendente. Porque tudo o que é dito sobre o sacerdote católico, de seu discipulado, de seu vínculo com Cristo e a Igreja, de sua oblação, de seu "não viver para si mesmo", de seu dar espaço a Deus, é uma característica não do sacramento da ordem, mas do sacramento do batismo. Nesse sentido, todo batizado é um verdadeiro sacerdote. Essa afirmação, completamente central na LG, reconstrói antes de mais nada o "léxico católico" e depois impõe um cânon ao pensamento e à ação que não permitem mais "separar o que está unido". O homem teólogo - mesmo que fosse um cardeal ou um papa emérito - não pode separar o que Deus uniu: sacerdócio comum e sacerdócio ministerial devem ser entendidos em uma relação de reciprocidade.
Mas isso não é suficiente. A leitura do texto se refere continuamente a uma "dimensão de culto do sacerdote", que diz respeito, também neste caso, não apenas ao sacerdote como ministro, mas ao batismo de todo fiel. Participar da ação ritual, ou seja, fazer parte dela, é dom e tarefa de todo membro do corpo de Cristo. Que a ação litúrgica seja "ação comum" é um novo entendimento, que SC inaugura com grande força e que está totalmente ausente no texto sobre o celibato. Aliás, continua-se a raciocinar como se "apenas um" fosse o objeto da ação. Uma leitura inadequada do sacerdócio ministerial, que o separe estruturalmente do sacerdócio comum, não consegue mais entender a "participação ativa" e alcança uma representação caricatural também da Reforma litúrgica. E essas são atitudes que, por assim dizer, não estão ausentes nas bibliografias - si licet parva composere magnis - dos dois autores. Mas essas atitudes dependem de fatores que exigem uma compreensão profunda, que saiba como correlacionar com sabedoria os três temas que acabamos de ilustrar. O debate sobre o livro trouxe, portanto, à luz, mais claramente do que antes, a correlação necessária entre o respeito pela Reforma Litúrgica e a valorização do sacerdócio comum. Se faltar o último, sempre será mal-entendido o primeiro.
Por fim, não se deve esquecer que, dessa correlação estrutural entre uma celebração comum e uma presidência reservada, com toda a ministerialidade intermediária que resulta necessária, surge aquela definição de Igreja que na LG 11 soa como "comunidade sacerdotal". Esse horizonte mail amplo é o grande desafio. A recuperação da iniciação cristã como horizonte de dignidade sacerdotal da Igreja, que depois especifica não apenas os itinerários de cura, mas também aqueles de vocação-serviço, sempre o faz dentro dessa "evidência sacerdotal comum". Caso contrário, o projeto de fazer a Igreja depender apenas do sacerdócio hierárquico, vinculando esse sacerdócio hierárquico ao celibato, seria apenas uma regressão nostálgica a modelos de discipulado e de autoridade que constituiriam, estes sim, uma catástrofe muito perigosa. Contrariando o Concílio Vaticano II, seriam muito piores do que as críticas ao papa tenta implementá-lo.
Assim, devido a uma surpreendente heterogênese dos fins, um livro que não deu certo, teve seu bom efeito: contribuiu para destacar tudo o que nele está silenciado, escondido ou negado. Seus silêncios tornaram-se palavras urgentes e comuns. Sua obstinação unilateral de olhar apenas para trás destacou o quanto o Concílio Vaticano II nos chamou para ir em frente, há quase 60 anos, recuperando as evidências de uma natureza sacerdotal que diz respeito sobretudo a Cristo e à Igreja; propondo uma compreensão do sacerdócio como uma conotação, acima de tudo, do batismo, e somente em um segundo momento da ordem. E fazendo do celibato não a fortaleza do passado que não retorna mais, mas o fruto de uma sabedoria eclesial e humana, que pertence à lógica não da necessidade ontológica, mas da conveniência humana e pastoral. Reaprender esse novo léxico e traduzi-lo em um cânon renovado implica a exigência de desaprender aquele léxico velho para se libertar de um cânone injusto demais. Um léxico e um cânon que permanecem velhos e injustos, mesmo quando parecem brotar do mais profundo do coração.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Do celibato, ao sacerdócio, à Igreja: surpresas empolgantes de um livro triste - Instituto Humanitas Unisinos - IHU