14 Outubro 2019
A reforma do Instituto João Paulo II, de Roma, não deve ser rotulada como uma ‘guerra entre papas’, diz o seu presidente.
A reconfiguração do Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências do Matrimônio e da Família, iniciada pelo papa Francisco, tem provocado fortes reações. Em entrevista ao La Croix, o seu presidente, o teólogo Mons. Pierangelo Sequeri, explica o que está em jogo com estas novas mudanças.
A entrevista é de Nicolas Senèze e Céline Hoyeau publicada por La Croix International, 09-10-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O senhor completou recentemente a reforma do instituto. Como tem respondido às críticas recebidas?
Quero contestar a ideia de que este novo instituto se baseou na vontade de destruir o que foi feito anteriormente e numa teologia que iria se adaptar ao mundo e pôr em perigo a integridade da doutrina católica. Muitas fantasias circundam essa sua reconfiguração.
Eu aconselho a todos que vejam os nossos programas e a identidade dos nossos professores; todos foram validados pela Congregação para a Doutrina da Fé. A grande maioria dos profissionais, hoje, são frutos de renovação de contrato; o curso sobre teologia do corpo, de João Paulo II, foi mantido, assim como a Cátedra Wojtyla e, portanto, a ligação com a tradição do instituto. Realmente não podemos dizer que a doutrina católica está em perigo, muito embora os nossos hábitos mentais possam receber um “aggiornamento” (atualização).
Sim, mas este aggiornamento vem causando medo. Alguns opõem João Paulo II, quem insistia no matrimônio e na sexualidade como dons de Deus, e Francisco, quem começaria a partir dos problemas das pessoas e daria espaço, nisso, ao relativismo predominante...
Por que a renovação dos estudos do instituto deveria ser entendida como uma guerra entre dois papas? É simplesmente a continuidade do magistério.
A grande contribuição de Wojtyla, após o Concílio Vaticano II, foi pôr um fim a certa ambiguidade gnóstica em torno da sexualidade na doutrina clássica. Basicamente, era necessário mantê-la a uma distância. Ele desenvolve a ideia cristã de que o corpo é criado por Deus e contém uma teologia em si.
Mas o tema da relação entre homem e mulher, do matrimônio, não é somente a teologia da sexualidade; é também uma moralidade do amor. No entanto, se, meio século atrás, o concílio pôde aceitar um consenso sobre o amor nos países o Ocidente, isso não é mais autoevidente. Estamos falando do amor para realidades muito diferentes e, queiramos ou não, a nossa teologia é um pouco fraca.
Os homens e as mulheres católicos são engenhosos demais: ainda pensam que se fizermos tudo certo com a sexualidade, todo o resto ficará bem.
Mas a sexualidade possui uma dimensão dramática. Uma dimensão que não pode ser reduzida ao pecado, mas que é também o efeito das contradições da vida, dos erros, das pressões que pesam sobre as famílias e as desintegram.
Evidentemente, não é uma questão de eliminar o pecado, mas tudo isso deve ser considerado. Esta desintegração diz respeito a instituições singulares da família, a saber, a paternidade, a maternidade e a fraternidade.
Estas coisas não são mais autoevidentes em nossa sociedade e nós mesmo não temos dado a elas a devida atenção no campo teológico.
É por isso que acrescentei ao nosso instituto uma cadeira de Eclesiologia e Família, e uma outra sobre Espiritualidade da Família e Transmissão da Fé. O nosso desafio é honrar o legado de João Paulo II e trabalhar, como nos pede o papa Francisco, nos componentes da crise sobre os quais a nossa teologia é bastante pobre.
Francisco recentemente manifestou a preocupação de haver um cisma quando a ideologia adentra a doutrina. Isso não é uma ideologização da teologia de João Paulo II?
Sim, e isso não tem nada a ver com João Paulo II. João Paulo II foi não apenas um homem inteligente como também um homem corajoso.
Quando, como papa, João Paulo propôs à Igreja, em sua primeira encíclica Redemptor Hominis, que lançou as bases de sua antropologia, para viajar pelos caminhos da fenomenologia e do personalismo, os representantes da doutrina clássica olharam para ele com suspeita.
Na época, criticou-se, como é hoje, por introduzir uma adaptação à modernidade dentro da doutrina clássica. Ele explicou como as duas poderiam ser harmonizadas.
Ideologizá-lo seria ou usá-lo para dizer que a antiga doutrina não tem mais nada a dizer, ou dizer que a batalha que ele travou para considerar a fenomenologia foi perdida.
Para mim, e posso dizer isto porque sou um teólogo antigo, esta última tentação é uma preguiça intelectual. Quando encontramos uma solução que parece interessante e é aceita, fica fácil descansarmos sobre ela e a defender como se fosse um marco além do qual não existiria nada mais a falar.
Obviamente, essa ideologização é empobrecedora porque, quando uma reflexão mais aprofundada se torna necessária, as pessoas acabam acostumadas com uma certa linguagem e dizem: “Você me trai porque eu estou com o papa”.
Mas, em teologia, não é assim que as coisas acontecem. Noto um retorno minoritário, porém preocupante, a um certo princípio protestante, em que um teólogo se levanta e diz ao papa: “O senhor está errado! Está se afastando da tradição autêntica!”
Na interpretação, o trabalho do teólogo é, pelo contrário, dizer com respeito: “Em minha opinião, esta coisa não está inteiramente coerente com a tradição”. Mas, dito isso, devemos acrescentar: “Sou apenas um teólogo” porque, caso contrário, tentamos ligar a comunidade a esta interpretação.
Mas mesmo com as melhores intenções, alegar ser uma autoridade e julgar o magistério e o papa é como colocar a si próprio como um magistério: não é mais a teologia católica.
A crise de abuso sexual que a Igreja atravessa não mostra que o seu ensino moral nestes temas vem sendo insuficiente?
A reflexão sobre esse assunto tem apenas 50 anos e está sendo feita aos poucos.
No passado, quando um padre falava da sexualidade, tudo era pecado. A Igreja nunca chegou a formular essa mensagem desse jeito, mas é assim que ela era popularmente expressa.
Hoje, a consciência cristã se tornou um pouco mais responsável, felizmente. Não basta proibir, tem a ver com aprender a governar a nossa sexualidade.
Exige escolhas, moralidade, uma ética da sexualidade que deva ser preenchida com um conteúdo positivo, não só limites e proibições. É nossa responsabilidade ajudar a criar uma linguagem própria que possa falar a verdade cristã de uma maneira inteligível.
Remover a proibição?
Não é uma questão de removê-la como se nunca tivesse sido necessário aplicá-la. A proibição é o limiar de uma atitude moral.
A criança aprende desse modo. Mas é uma questão de ir além deste nível e aprender a encarar o drama da escolha, da liberdade, mais responsabilidade. Tomar decisões é um nível mais profundo.
Para o papa, este limiar é uma verdade necessária, mas que não basta para o exercício certo da sexualidade marital e das relações de família. O que está em jogo é a justiça, como diz Jesus, que é maior do que aquela dos fariseus, quem se preocupava com a letra da lei, não com o espírito.
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A visão do Vaticano sobre a teologia da sexualidade e da moralidade do amor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU