Por: André | 21 Março 2014
Reinando Francisco, Bento XVI exalta João Paulo II e, sobretudo, a sua Encíclica Veritatis Splendor sobre os fundamentos da moral. Era um Papa, disse, que não tinha medo de “como seriam acolhidas as suas decisões”.
Fonte: http://bit.ly/1eraP6o |
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa, 17-03-2014. A tradução é de André Langer.
Em sua última entrevista, a que concedeu ao Corriere della Sera, o Papa Francisco revelou que combinou com Joseph Ratzinger um novo papel para o “Papa emérito”, sem precedentes na história da Igreja.
“O Papa emérito não é uma estátua de museu. É uma instituição, a que não estávamos acostumados. Há sessenta ou setenta anos, a figura do bispo emérito não existia. Isso veio depois do Concílio Vaticano II, e atualmente é uma instituição. O mesmo tem que acontecer com o Papa emérito. Bento é o primeiro e talvez haja outros. Não sabemos. Ele é discreto, humilde, não quer perturbar. Falamos a respeito e decidimos juntos que seria melhor que ele visse pessoas, saísse e participasse da vida da Igreja. (...) Alguns gostariam que ele se retirasse para uma abadia beneditina longe do Vaticano. Eu pensei nos avós que, com a sua sabedoria, os seus conselhos, dão força à família e não merecem acabar em uma casa de repouso”.
Dito e feito. Poucos dias depois, saiu publicado um livro com um texto inédito de Bento XVI. E não se trata de um texto qualquer, mas de um juízo que o penúltimo dos Papas – reinando seu sucessor – pronuncia sobre seu predecessor, João Paulo II. Um verdadeiro e próprio juízo público, não apenas sobre sua pessoa, mas sobre as linhas fundamentais desse memorável pontificado, no qual realça aspectos que não podem não ser comparados com a situação atual da Igreja.
Alguns meios de comunicação, ao dar a notícia deste texto do “Papa emérito”, ressaltaram a passagem na qual relata como, na primeira fase do pontificado de Karol Wojtyla, enfrentou-se a questão da Teologia da Libertação.
Mas há outras passagens significativas. E, em especial, duas.
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A primeira é aquela onde Bento XVI diz quais foram, na sua opinião, as encíclicas mais importantes de João Paulo II.
De 14 encíclicas, ele indica as seguintes:
– a Redemptor Hominis, de 1979, na qual o Papa “oferece sua síntese pessoal da fé cristã”, que hoje “pode ser de grande ajuda para todos aqueles que a estão buscando”.
– a Redemptoris Missio, de 1987, que “ressalta a importância permanente da tarefa missionária da Igreja”.
– a Evangelium Vitae, de 1995, que “desenvolve um dos temas fundamentais de todo o pontificado de João Paulo II: a dignidade intangível da vida humana, desde a concepção”.
– a Fides et Ratio, de 1998, que “oferece uma nova visão da relação entre fé cristã e razão filosófica”.
Mas a estas quatro encíclicas, a cada uma das quais dedica poucas linhas, Bento XVI acrescenta, por surpresa, outra, a que dedica uma página inteira, reproduzida mais abaixo.
Trata-se da Veritatis Splendor, de 1993, sobre os fundamentos da moral. É, talvez, a encíclica mais esquecida e a menos aplicada de todas as que João Paulo II escreveu, mas que segundo Ratzinger é obrigatório estudar e assimilar hoje.
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A segunda passagem significativa é aquela em que Bento XVI fala da declaração Dominus Iesus, de 2000.
A Dominus Iesus – escreve Ratzinger – “resume os fundamentos irrenunciáveis da fé cristã”. Entretanto, foi o documento mais contestado desse pontificado, tanto dentro como fora da Igreja católica.
Para minimizar sua autoridade, os opositores costumavam atribuir a paternidade da Dominus Iesus exclusivamente ao prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, sem uma real aprovação por parte do Papa.
Pois bem, é precisamente a plena concordância entre ele e João Paulo II ao publicar a Dominus Iesus que o “Papa emérito reivindica atualmente, revelando os fatos inéditos que houve por trás e que podem ser vistos mais abaixo.
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Bento XVI admirava no Papa Wojtyla “a coragem com que cumpriu a sua tarefa em um tempo realmente difícil”.
E acrescenta: “João Paulo II não pedia aplausos, nem nunca olhou em volta preocupado sobre como as suas decisões seriam aceitas. Ele agiu a partir da sua fé e das suas convicções, e estava pronto até mesmo para sofrer ataques. A coragem da verdade, a meu ver, é um critério de primeira ordem da santidade”.
Um juízo, este, muito similar àquele que o próprio Ratzinger expressou a respeito de Paulo VI, na homilia fúnebre que ele pronunciou no dia 10 de agosto de 1978 como arcebispo de Munique:
“Um Papa que hoje não sofresse críticas faltaria com seu dever em relação a esse tempo. Paulo VI resistiu à telecracia e à opinião pública, os dois poderes ditatoriais do presente. Pôde fazê-lo porque não tomava como parâmetro o sucesso e a aprovação, mas a consciência, que se mede segundo a verdade, segundo a fé. É por isto que em muitas ocasiões buscou o compromisso: a fé deixa muitas coisas em aberto, ela oferece um amplo espectro de decisões, impõe como parâmetro o amor, que se sente em obrigação para com o todo e, portanto, impõe muito respeito. Por isso, pôde ser inflexível e decidido quando o que se colocava em jogo era a tradição essencial da Igreja. Nele, esta dureza não se derivava da insensibilidade daqueles cujos caminho é ditado pelo prazer do poder e do desprezo das pessoas, mas da profundidade da fé, que o tornou capaz de suportar as oposições”.
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Seguem as duas passagens do texto de Bento XVI acima mencionados.
Sobre a Veritas Splendor
A encíclica sobre os problemas morais, a Veritas Splendor, precisou de muitos anos de amadurecimento e sua atualidade segue sendo imutável.
A Constituição do Vaticano II sobre a Igreja no mundo contemporâneo, diante da orientação predominantemente jusnaturalista da teologia moral da época, queria que a doutrina moral católica sobre a figura de Jesus e sua mensagem tivesse um fundamento bíblico.
Isso foi tentado através de alusões apenas por um breve período. Depois foi se afirmando a opinião de que a Bíblia não tinha nenhuma moral própria para anunciar, mas que remetia a modelos morais válidos de vez em quando. A moral é uma questão de razão, dizia-se, não de fé.
Desapareceu assim, em consequência disso, de um lado, a moral entendida em sentido jusnaturalista, mas, em seu lugar, não foi afirmada nenhuma concepção cristã. E, como não se podia reconhecer nem um fundamento metafísico, nem cristológico da moral, recorreu-se a soluções pragmáticas: a uma moral fundada no princípio do equilíbrio de bens, na qual não existe mais o que é verdadeiramente mal e o que é verdadeiramente bom, mas somente aquilo que, do ponto de vista da eficácia, é melhor ou pior.
A grande tarefa que João Paulo II fez nessa Encíclica foi a de encontrar novamente um fundamento metafísico na antropologia, assim como uma concretização cristã na nova imagem de homem da Sagrada Escritura.
Estudar e assimilar essa encíclica continua sendo um grande e importante dever.
Sobre a Dominus Iesus
Entre os documentos sobre os diferentes aspectos do ecumenismo, aquele que suscitou as maiores reações foi a declaração Dominus Iesus, de 2000, que resume os elementos irrenunciáveis da fé católica. [...]
Diante do turbilhão que se criou em torno da Dominus Iesus, João Paulo II me disse que no Angelus tinha a intenção de defender de maneira inequívoca o documento.
Ele me convidou para escrever um texto para o Angelus que fosse hermeticamente fechado e não permitisse nenhuma interpretação diferente. Era preciso vir à tona de modo totalmente inequívoco que ele aprovava o documento incondicionalmente.
Preparei, então, um breve discurso; não pretendia, porém, ser brusco demais e, assim, tentei me expressar com clareza, mas sem dureza. Depois de lê-lo, o Papa me perguntou mais uma vez: 'Está realmente claro o suficiente?'. Eu respondi que sim.
Quem conhece os teólogos não se assustará com o fato de que, apesar de tudo, houve pessoas que seguidamente sustentaram que o Papa havia tomado prudentemente distância desse texto.
Livro: Accanto a Giovanni Paolo II. Gli amici & i collaboratori raccontano [Ao lado de João Paulo II. Os amigos e os colaboradores contam], com uma contribuição exclusiva do Papa emérito Bento XVI, editado por Wlodzimierz Redzioch, Ediciones Ares, Milão, 2014, 236 páginas.
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O Papa emérito reza, mas também aconselha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU