12 Junho 2019
Presidente disse que o “afrodescendente mais leve lá pesava 7 arrobas” e que eles “não fazem nada”.
A reportagem é de Igor Carvalho, publicada por Brasil de Fato, 11-06-2019.
“Ele cometeu um crime e deveria pagar”, afirma Ditão, do Quilombo Ivaporonduva. (Foto: Reprodução/Youtube)
Na última quinta-feira (7), a segunda instância da Justiça Federal arquivou o processo em que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) respondia por racismo contra comunidades quilombolas da cidade de Eldorado (SP). Lideranças locais, escutadas pelo Brasil de Fato, criticaram a decisão judicial.
“Eu fico muito triste de receber essa notícia, eu nem acredito, ele ser inocentado depois de cometer racismo. Eu garanto a todos que, se fosse um de nós, trabalhadores, quilombolas e humilde, estaríamos até na cadeia por essa acusação de racismo. Porém, como é um grande, o Bolsonaro, ele está aí solto para fazer outras vítimas”, afirmou Jacira Santos, do Quilombo Galvão.
Para Benedito Alves da Silva, conhecido como Ditão, principal liderança do Quilombo Ivaporonduva, o maior da região de Eldorado, Bolsonaro “cometeu um crime e deveria pagar. Sem dúvida, a decisão é injusta. Ele falou que cada um de nós pesava 7 arrobas, nos tratou como animais, isso aí é descriminação racial sim”, protestou.
A denúncia foi apresentada, em abril de 2018, pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que acusou Bolsonaro de usar discurso discriminatório contra mulheres, negros e LGBTs no texto da peça.
“A conduta do denunciado atingiu bem jurídico constitucionalmente protegido e que transcende a violação dos direitos constitucionais específicos dos grupos diretamente atingidos com a suas manifestações de incitação ao ódio e à discriminação para revelar violação a interesse difuso de toda sociedade, constitucionalmente protegido”, afirmou.
Ditão disse que a comunidade quilombola não pretende acionar juridicamente o presidente. “Nós não vamos fazer nada. Esse pessoal dele a gente já conhece e não é fácil de mexer com eles”, afirmou a liderança do Quilombo Ivaporonduva.
Em abril de 2017, quando ainda era deputado federal, Jair Bolsonaro participou de um evento no Clube Hebraica do Rio de Janeiro. Diante de representantes da comunidade judaica, o presidente afirmou que visitou comunidade quilombola em Eldorado (SP).
“O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriar eles servem mais”, disse na ocasião.
No mesmo evento, Bolsonaro afirmou que teve “quatro filhos homens, a quinta eu dei uma fraquejada, veio um mulher, ela tem seis anos e foi feita sem aditivos, acredite se quiser. Se algum idiota vier falar comigo sobre misoginia, homofobia, racismo, ‘baitolismo’, eu não vou responder sobre isso.”
A relação do presidente com os quilombolas não começou em 2017. Eles já habitavam Eldorado, no Vale do Ribeira, na década de 1960, quando Percy Geraldo Bolsonaro e Olinda Bonturi Bolsonaro se mudaram com os seis filhos para a região. Foi no município que Jair Bolsonaro passou a infância e parte da adolescência. A mãe e os irmãos ainda vivem na região.
Em 1970, o guerrilheiro Carlos Lamarca passou pela cidade e organizou um grupo de resistência à ditadura. Jair Bolsonaro e outros jovens cooperaram com o exército para encontrar trilhas no meio da mata. Em 1973, o presidente saiu do município após passar no concurso para a Escola Preparatória do Exército.
A região do Vale do Ribeira é reconhecida pela produção de bananas. É possível encontrar a fruta em algumas das 19 comunidades quilombolas da região, que cultivam outras 200 variedades agrícolas, todas orgânicas.
As comunidades quilombolas se uniram e criaram o Sistema Agrícola Tradicional (SAT), que em setembro de 2018 foi reconhecida como Patrimônio Cultural Brasileiro pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
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Quilombolas que foram alvo de Bolsonaro criticam arquivamento de processo de racismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU