17 Janeiro 2019
Cristina Villa, 45 anos de idade, policial. Se Cesare Battisti está em uma cadeia italiana, uma boa parte do mérito cabe a ela e seu departamento de Anti-terrorismo em Milão: cruzou uma montanha de "metadados", aqueles que identificam telefonemas e chats, dirigindo as investigações do Brasil para a Bolívia, e, em seguida, apertando o cerco em dois bairros no terceiro anel de Santa Cruz.
A entrevista é de de Paolo G. Brera, publicado por La Repubblica, 16-01-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Vamos começar pelo fim, Dra. Villa. Battisti, está atirado na poltrona na delegacia de Santa Cruz: na frente dele estão seus colegas, Giuseppe Codispoti e Emilio Russo. A senhora está em Milão. O que está acontecendo?
É noite, é uma e quinze da madrugada. Entra em contato comigo o diretor, o chefe da divisão: tinha acabado de ser avisado por colegas no local. Assim que eu vejo o número dele, entendo. Cristina, ele me disse, nós o pegamos.
E a senhora?
Desatei a rir. ‘É isso, Eugenio’.
Felicidade, a verdadeira.
Aquelas que não se esquecem. Por semanas tive dificuldades para dormir, acredite. E eu não dormi mais naquela noite. Tirei todos da cama, meu diretor, até o procurador Antonio Lamanna. Depois liguei para o pessoal do meu escritório. Duas horas antes, às 23h, eu tinha recebido no celular a última sequência de dados elaborado pelo computador. Estávamos em seu rastro, sabíamos que estávamos próximos, mas estou acostumada a decepções, a nunca comemorar até ver o gato no saco. Não é a primeira vez que quando parece tudo resolvido, as coisas desandam. Eu tinha dado uma olhada naqueles dados: excelente, amanhã temos outra pista a seguir. Não foi mais necessário.
A senhora se encontrou com Battisti?
Sim. Eu esperei por ele em Ciampino, eu o notifiquei sobre a prisão.
O que ele lhe disse?
Ele me pediu explicações. Sua condenação prevê o isolamento diurno, queria saber o que isso significava.
E depois?
Eu expliquei-lhe que iria apreender várias coisas, incluindo todas as notas que ele tinha com ele. A investigação não acabou para mim. Perguntei-lhe se ele precisava de alguma coisa, se ele estava com fome ou sede. Ele só me pediu para poder ficar com a foto de seu filho, uma foto em preto e branco que ele tinha em sua carteira. Parece ter cinco anos, a criança. Claro, eu lhe respondi, naturalmente verificamos que não tivesse escritas no verso, então eu a devolvi para ele.
Que homem estava à sua frente?
Um derrotado. Ele não tinha aquele ‘escárnio’ pretensioso. Também me pediu para manter o seu cartão de crédito, ele explicou que ele sustentava seu filho, mas isso não pode ser feito. Me desculpe, eu disse a ele, eu sou obrigada a tirá-lo. Contudo, poderá fazer um pedido para reavê-lo.
Por que a chamam de "o anjo dos celulares"?
Porque eu cuidei de investigações técnicas, de várias intercepções (a esposa, a ex-companheira, os amigos... A última relação que teve não, não era importante) e as pistas vencedoras vieram de lá. Mas a verdade é que eu não gosto disso.
Por que?
Eu não sou um anjo, eu sou mais Mafalda: ‘Hoje eu mordo’.
Fale mais sobre essas pistas vencedoras. Um pouco de detalhes...
Não se fala sobre isso. São segredos, e os foragidos são grandes leitores deste tipo de informação.
Vamos ficar no genérico, então.
Tínhamos seus antigos números de telefone, estávamos monitorando as comunicações com a Itália. A local, daqui é mais difícil de interceptar. De repente desaparece, e a comunicação se interrompe. Opa, o que está havendo? Eu fui para o Brasil com os outros investigadores italianos, e comecei a trabalhar de uma forma muito mais agressiva: desta vez me concentrei nas mídias sociais, e no final encontrei algumas pistas.
Ele deixou cair algumas migalhas de pão?
Fazemos uma série de controles em várias partes do Brasil, mas não havia vestígios dele. Um dia, porém...
A luz vermelha se acendeu, como nos filmes?
Vamos dizer que sim. Recebi um e-mail do escritório: ‘Doutora, olhe aqui, isso parece interessante’. Analisando os dados com os quais o monitorávamos, o computador na Itália encontrou um sinal localizado perto da fronteira com a Bolívia, na área de San Matias. O arquivo nos dava a data, a hora, o usuário ativado e a área. Eu me virei para os meus colegas, Codispoti e Russo: ‘Pessoal, isso é realmente bom’. Era o sinal de que ele estava fugindo para a Bolívia. Vocês sabem o restante, não é? Um depois do outro localizamos todos os cinco cartões Sim que ele tinha ativado.
Uma investigação no estilo do FBI.
Eu fiz um mestrado lá. Mas nós somos melhores.
Vocês comemoraram?
Ainda não. Mas iremos comemorar, mas fique claro que celebramos o sucesso profissional, não a sua perda de liberdade. Prendê-lo era o meu trabalho, e eu fiz. Mas eu nunca brindarei à tristeza alheia.
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"Após a rendição, Battisti me pediu apenas que lhe deixasse a foto do filho" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU