11 Setembro 2018
Macron é hoje a referência de uma suposta União Europeia progressista, ainda aberta a uma imigração regulada, contra os soberanistas adeptos ao fechamento das fronteiras.
O artigo é de Eduardo Febbro, publicado por Página/12, 09-09-2018. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Budapeste, Roma, Varsóvia, Paris; aí se traçou o eixo da restaurada confrontação europeia entre dois modelos de sociedade onde a esquerda está quase ausente: o renascido núcleo xenófobo, fascista, nacionalista e anti-europeu personificado pelo primeiro-ministro húngaro Viktor Orban, porta-bandeira do soberanismo e das retóricas contra a imigração, seu aluno, o ministro italiano do Interior e líder da Liga, Matteo Salvini, o dirigente polonês Jaroslaw Kaczynski, e o polo reformista de centro-direita pró europeu encarnado pelo presidente francês Emmanuel Macron. Entre os quatro, a salva de piadas e insultos alcançou proporções inéditas no Velho Continente. O que está em jogo é mais que uma questão de filosofia ou filiação política: se trata do molde com o qual a União Europeia funcionará nos próximos anos e do lugar que ocupará a atenuada euro-esquerda. “Próximos” quer dizer a partir de maio de 2019, quando se levam a cabo as eleições para renovar o Europarlamento e, desde ali, se precise o poder que deterão ambas correntes para reorientar a Europa.
Orban-Salvini-Macro, o trio, leva meses protagonizando escaramuças verbais de tom vexatório. O último 28 de agosto, na Itália, Orban apontou a Macron como o “chefe do partido pró-imigrantes”. Antes, Matteo Salvini havia sido mais grosseiro quando, em junho desse ano, em um ato político, disse que o presidente francês era “um senhorzinho educado que provavelmente havia se excedido com o champagne”. A escalada retórica levou Macron a assumir o papel que ambos os dirigentes lhe atribuíram. Ao final de agosto, em Copenhague, Emmanuel Macron lhes disse: “Não cederei frente aos nacionalistas e aos que predicam discursos de ódio. Se querem ver em minha pessoa o seu principal oponente, eles têm razão”. Essa guerra permanente é um aberto antagonismo sobre o futuro da Europa, no qual um árbitro influente até agora está debilitado internamente no seu próprio país: a chanceler alemã Angela Merkel. Macron é hoje o porta-bandeira de uma suposta União Europeia progressista, ainda aberto a uma imigração regulada, contra os soberanistas adeptos ao fechamento das fronteiras, tal e como planejam os partidos da extrema-direita. Marine Le Pen, a líder dos ultras franceses, igual ao que Salvini e Orban, advoga por uma Europa com cadeados e apresenta o combate político dos próximos meses sob a fogueira desse conflito. Marine Le Pen disse: “a decisão das eleições europeias de 2019 será entre a União Europeia de Macron, na marcha para o federalismo e a imigração de massa, e a Europa das nações libres, a Europa das identidades e das proteções que nós representamos”.
Segundo esses planejamentos, haveriam dois eixos onde as divisões já não estariam mais atravessadas pela linha esquerda/direita, mas sim por questão das fronteiras e da identidade. Por um lado estariam os pró-Europa (socialdemocratas, liberais e centro-direita), e os eurocéticos e soberanistas (também há soberanistas e eurocéticos no seio da esquerda radical) que pululam na direita dura e na ultra-direita. Os aliados de Macron seriam, nesse contexto, os países do Sul como Portugal, Espanha e Grécia e os do Norte, em especial os escandinavos. Em várias ocasiões, esse grupo de países se opôs ao discurso nacionalista de Roma ou Budapeste. Os partidários da Europa Muro se encontram congregados dentro do mesmo grupo parlamentário, o PPE, Partido Popular Europeu, onde as opções de Salvini e Orban não são majoritárias, mas estão dinamitando desde dentro esse grupo majoritário no Europarlamento. Essa direita também está evoluindo para postulados mais ásperos sob a pressão eleitos e a imparável enredadeira da extrema-direita, o racismo e o soberanismo que vai se estendendo em todo o Velho Continente, inclusive países como a Alemanha que pareciam a salvo dessas tentações. Viktor Orban e a Hungria podem ser nos próximos dias a arma de destruição massiva que acaba com a falsa unidade dentro do PPE. No próximo 12 de setembro, o Parlamento Europeu deveria votar contra a Hungria de Orban a aplicação do artigo 7 do Tratado da União Europeia mediante a qual, se um país chega a violar os direitos fundamentais (nesse caso a Hungria por, entre outras coisas, sua lei de imprensa ou perseguição obsessiva às ONGs) seu voto fica suspenso em tudo o que preocupe os temas comunitários. Se isso ocorresse, a direita europeia explodiria em um momento muito próximo à eleição europeia (8 meses) e com um panorama eleitoral ameaçado pela corrente que representam os Salvini, Marine Le Pen e outros populistas cinzentos. A eurodeputada holandesa (ecologista) Judith Sargentini e principal promotora da medida estima que tudo o que ocorreu com Orban “conduz a uma deterioração extrema da democracia e do Estado de direito”. Olaf Wientzek, especialista de temas europeus na Fundação Konrad Adenauer, explicou ao jornal Le Monde o desafio que Orban e seus adeptos planejam para a euro-direita: “o melhor é conservá-lo (dentro do PPE) antes que vê-lo partir com a extrema-direita”.
Assim, a guerra Orban-Salvini-Macron é apenas uma nuvem visível dos profundos sulcos que as ultradireitas populistas ou os movimentos pós-ideológicos como o italiano 5 Estrelas lograram traças na política do Velho Continente. A “refundação da Europa” proposta por Emmanuel Macron apenas chegou à presidência em 2017 ficou travada com o fortalecimento de uma Europa cada vez mais nacionalista e influente. Um projeto de corte autoritário e violados dos cimentos com os quais se foi construindo a União Europeia depois da Segunda Guerra Mundial se confronta hoje em terreno descoberto. A chefa da diplomacia sueca, Margo Wallstrom (social-democrata), disse a respeito que Matteo Salvini e Viktor Orban estão buscando formar uma “aliança contra os democratas e a esquerda”.
O que fazer frente a eles? Como desarmar a bomba dos soberanistas-populistas-nacionalistas que ganham incondicionalmente até na Suécia ou Finlândia? Alguns, como o belga Guy Verhofstadt (presidente do grupo liberal no Parlamento Europeu) aposta por acentuar a opção pró-europeia como alternativa aos nacionalistas populistas. O problema é que esse pró europeísmo de corte abertamente liberal está, exceto nos setores urbanizados, caindo. Ali entra em jogo a sobrevivência da esquerda europeia, a qual refuta que o futuro seja uma eleição entre o liberalismo de Macron e os nacionalismo populistas de Orban e Salvini. A esquerda não quer que Macron suba no seu barco como fez com as eleições presidenciais francesas, onde ganhou justamente com uma narrativa cujo eixo consistiu em dizer que a alternativa esquerda/direita estava excedida e que, hoje, o tema era outro. Para a esquerda, a fratura não passa entre liberais globalizadores (Macron) e nacionalistas, mas sim pela reformulação de um projeto europeu inclusivo e cidadão. O ping pong Macron-Orban-Salvini tornou, pelo momento, pouco audível a proposta da esquerda europeia. Matteo Salvini prometeu que as euro-eleições em maio de 2019 serão um “giro histórico para a Europa”. Tudo aponta a prever que assim será e que esse rumo reatualizado, hoje centrado na luta entre liberais e nacionalistas, lhe fará pagar um novo tributo à socialdemocracia do Velho Continente. Como nunca antes, a esquerda é uma espectadora da confrontação e não um ator decisivo ou um árbitro.
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Uma guerra constante sobre o futuro europeu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU