26 Julho 2018
"O caso McCarrick não indica apenas um único indivíduo, mas denuncia a estrutura total da Igreja Católica que permitiu que esse ultraje continuasse por tanto tempo" afirma o editorial do National Catholic Reporter, 25-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Segundo o editorial, "para demonstrar a gravidade de suas ofensas, McCarrick deveria ser removido do Colégio dos Cardeais. Sua idade avançada e status já aposentado significaria que sua remoção do colégio seria simbólica, mas muito poderosa".
"A Igreja dos Estados Unidos precisa de um processo semelhante ao da Comissão Real da Austrália para as Respostas Institucionais ao Abuso Sexual Infantil ou o exame pelo qual o Chile passou sob o mandato do arcebispo Charles Scicluna, delegado papal", postula o editorial. E continua: "A única maneira de ver isso acontecer é submetendo a Igreja dos EUA a um exame minucioso, através de uma visita apostólica designada pelo Vaticano".
Um detalhe chocante surge em um relato de um homem de 60 anos, sobre como ele foi abusado quando era menino, pelo cardeal Theodore McCarrick.
Como descrito em uma reportagem de 19 de julho no The New York Times: "A conexão entre a família do padre McCarrick e a de James era profunda". O tio de James era o melhor amigo de McCarrick no ensino médio. O jovem padre cresceu compartilhando refeições e tempo livre com a família. Essa intimidade foi reforçada sacramentalmente. "James", registra o Times, "foi batizado pelo padre McCarrick em 15 de junho de 1958, duas semanas depois de ter sido ordenado”.
"Nos foi explicado como Jimmy era especial para McCarrick, por conta daquela do seu batismo", disse a irmã do homem ao Times. James havia dito a Karen e seus outros irmãos do abuso apenas alguns dias antes, tendo ficado em silêncio por cerca de 40 anos.
Para entender completamente o sentimento de traição que os católicos comuns sentem em relação a sua hierarquia, você deve compreender totalmente o horror que é esse detalhe: James foi abusado pelo homem que o batizou. O homem que ficou na pia batismal, na mesa de jantar da família, ao redor da piscina do quintal. O homem que abusou de um filho de Deus.
O fato de que ele chegaria aos mais altos escalões da Igreja Católica só aumenta o sentimento de traição. É a angústia sentida com o conhecimento dessa traição, que levou o cardeal Joseph Ratzinger, prestes a se tornar o Papa Bento XVI, a clamar contra a "sujeira" na Igreja.
“Pense no quanto Cristo sofreu em sua própria Igreja. Quantas vezes o santo sacramento da sua presença é abusado. Quantas vezes ele deve entrar nos corações vazios e maus. Quantas vezes a sua palavra é distorcida e mal utilizada. Que pouca fé está presente por trás de tantas teorias e palavras vazias. Quanta imundície existe na Igreja - mesmo entre aqueles que, no sacerdócio, devem pertencer inteiramente a ele. Quanto orgulho, quanta auto-complacência! As vestes sujas e o rosto da sua Igreja nos deixam confusos. No entanto, somos nós mesmos que sujamos. Somos nós que o traímos de novo e de novo, depois de todas as nossas palavras e gestos grandiosos”, rezou Ratzinger na sexta-feira Santa de 2005, no Coliseu da Estação da Cruz.
O NCR relatou e comentou em editoriais recentes sobre o progresso que a Igreja Católica fez ao abordar o escândalo de décadas de abuso sexual de menores pelo clero. O caso McCarrick mostra em detalhes onde a Igreja continua a falhar e o que deve fazer para se livrar dessa contaminação.
O caso McCarrick não indica apenas um único indivíduo, mas denuncia a estrutura total da Igreja Católica que permitiu que esse ultraje continuasse por tanto tempo.
Para demonstrar a gravidade de suas ofensas, McCarrick deveria ser removido do Colégio dos Cardeais. Sua idade avançada e status já aposentado significaria que sua remoção do colégio seria simbólica, mas muito poderosa.
McCarrick, como arcebispo e cardeal, não está sujeito às mesmas normas que regem o abuso perpetuado por outros padres. Um padre ou diácono, com uma alegação fundamentada contra ele, seria removido do estado clerical. McCarrick deve enfrentar o mesmo destino. Permitir que ele leve uma vida privada de oração e penitência não é justiça. Repetimos novamente nosso apelo para que o Papa Francisco estabeleça e assente o tribunal que ele autorizou há três anos, que responsabilizaria os bispos pelo "abuso de ofício".
Removendo McCarrick de seu escritório como cardeal e do estado clerical, adequadamente abordaria o indivíduo no centro deste caso, mas não as questões mais profundas.
Católicos entendem problemas comportamentais, doenças mentais, pecado sexual - nós entendemos que a humanidade falha. Até o momento, a Igreja se concentrou na doença real dos agressores. A resposta foi modelada e invoca a lei civil para punir o infrator com pena de prisão e expulsão da comunidade. Acordos e ‘multas’ em dinheiro serão pagos. Apoiamos todas essas ações conforme for apropriado e necessário.
O crime secundário, que não pode ser tratado em um tribunal civil, é a traição da comunidade por seus líderes. Isso levará mais que cartas revisadas e leis canônicas.
O caso de McCarrick mostra como essa traição acontece no nível sacramental: bispos que esconderam crimes contra crianças - por intenção ou negligência -, permitiram que os crimes permanecessem escondidos, distorceram a compreensão da comunidade de Deus e da presença de Deus na comunidade em que acreditamos. De acordo à nossa teologia sacramental, isso infunde tudo e todos.
Nós precisamos saber, e eles precisam nos dizer o que eles sabiam, o que eles toleravam e sobre o que eles ficaram calados. A verdade total é necessária para que a cura possa acontecer.
A Igreja dos Estados Unidos precisa de um processo semelhante ao da Comissão Real da Austrália para as Respostas Institucionais ao Abuso Sexual Infantil ou o exame pelo qual o Chile passou sob o mandato do arcebispo Charles Scicluna, delegado papal.
A única maneira de ver isso acontecer é submetendo a Igreja dos EUA a um exame minucioso, através de uma visita apostólica designada pelo Vaticano. A equipe teria autoridade para revisar toda a documentação em todos os níveis da Igreja, para prestar depoimento em paróquias e chancelarias em todo o país e visitar todos os seminários, casa de estudos e programa de formação no país. As autoridades da Igreja teriam que libertar as vítimas vinculadas em troca de acordos, para falar livremente com a equipe de visitação.
A participação teria que ser obrigatória para todos - ao contrário das auditorias auto-relatadas da Carta de Dallas. O trabalho da visitação teria que ser transparente e os resultados tornados públicos no final de sua investigação. Seria de esperar - como no Chile - que as demissões continuassem, e mais do que isso, esperaríamos ver um serviço público de penitência.
Ratzinger terminou sua meditação na Estação da Cruz, suplicando a Cristo: "Salve e santifique sua Igreja. Salve e santifique a todos nós".
Quando nossa liderança da Igreja reconhecer publicamente - nos tons angustiados que Ratzinger modelou - sua complacência coletiva no abuso de seus filhos, então vamos poder seguir em frente salvos e santificados.
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É necessário uma visita apostólica à igreja dos Estados Unidos para falar sobre abusos do clero e traição à comunidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU