08 Junho 2018
"Durante a caminhada de vários quilômetros, muitas denúncias foram feitas. Um grande cruzeiro foi fincado ao lado do Rio Piranga em Ponte Nova. Marcará por muito tempo a realização da 3ª Romaria", escreve Gilvander Luís Moreira, Frei e padre da Ordem dos carmelitas.
Frei Gilvander é mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblica, de Roma; é professor de Teologia Bíblica; assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT -, assessor do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI -, assessor do Serviço de Animação Bíblica - SAB - e da Via Campesina em Minas Gerais.
Pela segunda vez, a cidade de Ponte Nova, na Zona da Mata, em Minas Gerais, foi palco de Romaria das Águas e da Terra. A primeira vez foi em 1999, com o tema “Terra e Águas Livres. Este sonho não pode ser inundado”. Romaria que fortaleceu a luta contra a construção de barragens que ameaçam milhares de famílias. Próximo a Ponte Nova, em Guaraciaba, a Comunidade Casa Nova lutou bravamente por vários anos e impediu a multinacional Fiat de construir uma barragem no Rio Piranga, afluente do Rio Doce. Dezenove anos depois, dia 03 de junho de 2018, Ponte Nova acolheu a 3ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce, que dia 05 de novembro de 2015 foi sacrificado no altar do ídolo capital das mineradoras e do Estado vassalo do mercado endeusado. Pela 2ª vez o Rio Piranga, que irriga e embeleza a cidade de Ponte Nova foi abraçado por milhares de romeiras e romeiros da mãe terra e da irmã água. Participar do abraço ao Rio Piranga, entre duas pontes, foi emocionante e inspirador.
(Foto: Divulgação)
Com o tema “Bacia do Rio Doce, nossa Casa Comum”, e o lema “Cuidando da terra e plantando água, com justiça e soberania popular”, mais de 5 mil pessoas demonstraram profunda indignação e ira profética diante do crime/tragédia anunciado e planejado, que assolou com um tsunami de lama tóxica todo o vilarejo de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, matando 20 pessoas imediatamente e seguiu massacrando toda a fauna do leito do Rio Doce até sua foz no Oceano Atlântico em Linhares, no Espírito Santo.
No início da 3ª Romaria, um café comunitário, gratuito, delicioso foi servido às romeiras e aos romeiros. No final da 3ª Romaria, um almoço coletivo foi oferecido. Até bolo foi distribuído gratuitamente ao longo da caminhada. Na caminhada houve o encontro das imagens de São Francisco de Assis e de Nossa Senhora Aparecida. Militantes populares do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), do Movimento dos Atingidos pela Mineração (MAM) e atingidos diretamente pela lama tóxica das mineradoras VALE/BHP/SAMARCO e do Estado denunciaram com veemência a impunidade do maior crime ambiental da história do Brasil e um dos maiores do mundo. “Mineradoras sem rótulo”, a Fundação Renova não engana ninguém, está nua e não consegue esconder seu cinismo e hipocrisia. Causa nojo a enrolação com que trata os atingidos.
Durante a caminhada de vários quilômetros, muitas denúncias foram feitas. Um grande cruzeiro foi fincado ao lado do Rio Piranga em Ponte Nova. Marcará por muito tempo a realização da 3ª Romaria. Mudas foram plantadas. Músicas das Comunidades Eclesiais de Base, das Pastorais Sociais e dos Movimentos Populares fizeram circular entre a grande multidão uma mística libertadora. “Salve, salve a caminhada! Salve a romaria! Em busca da nova aurora, de um novo dia! ...”. “Romaria da terra faz o povo reunir. Numa luta sem guerra, nós lutaremos por ti...”. “Animados pela fé e bem certos da vitória, vamos fincar nosso pé e fazer a nossa história. E fazer a nossa história. E fazer a nossa história animados pela fé ...”
Na missa de conclusão da 3ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce, como cereja do bolo, fomos agraciados por uma homilia profética de Dom Geraldo Lírio, arcebispo emérito de Mariana. Disse Dom Geraldo: “Somos devedores aos povos indígenas e quilombolas por uma triste história de dominação dos brancos”. Ele denunciou “as políticas econômicas predatórias que destroem a natureza e violenta a dignidade humana”. Encorajou todos/as os/as presentes: “Não podemos silenciar diante de governos e de órgãos públicos que se omitem em fiscalizar os grandes empreendimentos minerários. Mais uma vez denunciamos o desrespeito aos direitos dos atingidos pelo crime que sacrificou o Rio Doce. A tragédia do rompimento da barragem de Fundão mostrou a vulnerabilidade da legislação ambiental”.
Em tempo: Na abertura do IV Encontro Nacional de Agroecologia (IV ENA), em Belo Horizonte, de 31/5 a 03/6, nossos parentes indígenas, destemidos e aguerridos na luta em defesa da mãe terra e de toda a natureza gritaram com intrepidez: “Fora mineradoras!” e alertaram que se as grandes mineradoras não forem barradas, em breve o estado de Minas Gerais será terra completamente arrasada, sem água para garantir a vida. A peça de teatro LAMA, que está sendo apresentada no Cine Galpão, em Belo Horizonte, está ecoando o grito necessário das famílias massacradas pelo crime das mineradoras e do Estado.
Belo Horizonte, MG, 05/6/2018.
Segue, abaixo, a Carta-compromisso lida e distribuída a todos os presentes ao final da 3ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce.
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“Felizes os que têm fome e sede justiça, porque serão saciados” (cf. Mateus 5,6)
Movidos pela fé e pelo compromisso com a luta pela justiça, pelos direitos humanos e socioambientais, realizamos, em Ponte Nova, no dia 3 de junho de 2018, a 3ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce.
Motivados pelo tema “Bacia do Rio Doce, nossa Casa Comum” e pelo lema “Cuidando da terra e plantando água, com justiça e soberania popular”, acolhidos, fraternalmente, por Ponte Nova, somamos milhares de romeiras e romeiros vindos das dioceses mineiras de Mariana, Caratinga, Itabira/Coronel Fabriciano, Governador Valadares e Guanhães e das dioceses capixabas de Vitória, Colatina e São Mateus, trazendo nossas lutas e nossas esperanças.
Solidários com os atingidos/as ao longo de toda a Bacia do Rio Doce, pelo rompimento da barragem de Fundão, no município de Mariana, denunciamos:
1. A excessiva dependência econômica de muitos municípios da Bacia do Rio Doce com relação ao setor minerário, cada vez mais organizado para abastecer o mercado global, e a ganância das empresas mineradoras. Elas, com políticas econômicas predatórias, movem-se pela busca desenfreada do lucro, levam à escassez os bens da natureza e promovem um verdadeiro caos social, com total descaso com a vida e a dignidade do ser humano e desconsideram os interesses das comunidades atingidas pela mineração e pelas barragens.
2. A negligência de governos e de órgãos públicos em sua tarefa de fiscalizar os empreendimentos minerários, agravada pela vulnerabilidade da atual legislação socioambiental, em garantir, verdadeiramente, crescimento econômico e desenvolvimento social com sustentabilidade ambiental.
3. O desrespeito aos direitos dos atingidos/as, vítimas dos crimes socioambientais das empresas Samarco, Vale, BHP Billinton e Anglo American e os graves danos causados ao meio ambiente em toda a extensão da Bacia do Rio Doce.
4. A maneira estrategista das empresas em sonegar informações aos atingidos/as para, por meio da falta de informações, desestimular a sua participação ativa e enfraquecer a sua organização.
5. A morosidade das ações de reparação e recuperação social e ambiental da Bacia do Rio Doce, de total responsabilidade das empresas causadoras do rompimento da Barragem de rejeitos do Fundão, em Bento Rodrigues, no município de Mariana.
6. A atuação da Fundação Renova, constituída, sobretudo, por representantes da Vale, BHP Billinton e Samarco. Ela vem dificultando as negociações em favor dos atingidos, não cumprindo os prazos estabelecidos, como em relação ao reassentamento das famílias dos atingidos/as e transformando a prestação de contas de suas atividades em publicidade enganosa.
Reafirmamos nosso compromisso de:
1. Permanecer ao lado dos atingidos/as e exigir o pleno ressarcimento das perdas que sofreram, bem como a responsabilização dos culpados e o devido reparo aos danos causados ao meio ambiente.
2. Fortalecer a organização dos atingidos/as e as expressões de luta socioambiental na Bacia do Rio Doce.
3. Cuidar da terra e plantar água, com justiça e soberania popular, apoiando e participando, localmente, de iniciativas em defesa da ecologia integral, promovidas pelas comunidades eclesiais, pelos movimentos populares e sociais, por comitês e associações em defesa do meio ambiente, como das Comissões de Meio Ambiente da Província Eclesiástica de Mariana e de cada uma das dioceses que a compõem, bem como do Fórum Permanente da Bacia do Rio Doce.
4. Lutar por justiça socioambiental, como bem nos alerta o Papa Francisco: “E quantas pessoas sofrem por causa das injustiças, quantos ficam assistindo, impotentes, a como outros se revezam para repartir o bolo da vida. Alguns desistem de lutar pela verdadeira justiça e optam por subir para o carro do vencedor. Isso não tem nada a ver com a fome e sede de justiça que Jesus louva” (Gaudete et Exultate, 78).
5. Exigir que o marco regulatório para a mineração promova a garantia dos direitos dos atingidos e propicie o controle das atividades de mineração em vista da sustentabilidade ambiental e social, onde o primado seja conferido à vida, em todas as suas expressões e dimensões, e não ao lucro ou ao capital financeiro especulativo.
6. Somar forças na luta pela aprovação da PEABE – Política Estadual dos Atingidos por Barragens.
7. Conscientizar e mobilizar nossas populações para eleger, para o Executivo e o Legislativo, lideranças comprometidas com políticas públicas e decisões coletivas a favor da vida do povo e em defesa do meio ambiente.
Renovamos, nessa 3ª Romaria, em face da missão que Deus nos confia de sermos cuidadores dos bens da natureza, nosso empenho pela regeneração da Bacia do Rio Doce, diante de tudo o que ela significa para as populações de Minas Gerais e do Espírito Santo, com um clamor esperançoso e profético em defesa dos direitos na promoção da vida digna para todos e por uma relação radicalmente nova com a natureza, onde a vida e o bem viver estejam acima de interesses comerciais, e haja justiça, solidariedade e paz.
A Nossa Senhora da Assunção e São José, padroeiros da Arquidiocese de Mariana que acolhe esta 3ª Romaria, confiamos proteção às iniciativas em vista de um futuro promissor para a Bacia do Rio Doce, nossa Casa Comum, para que todos, a começar dos atingidos, tenham vida e vida em abundância (cf. João 10,10).
Ponte Nova, MG, 3 de junho de 2018.
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3ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce: que beleza profética! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU