12 Abril 2018
O julgamento das 213 pessoas denunciadas por participação no planejamento e assassinato de 56 presos no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), em Manaus, no dia 1º de janeiro de 2017, será conduzido por um colegiado de três juízes chamados de “sem rosto”. Isso porque o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) resolveu adotar a Lei Federal nº 12.694 de 2012.
A reportagem foi publicada por Portal UOL, 10-04-2018.
Para garantir a segurança do juiz, a lei adota um colegiado para assinar todos os atos processuais até o momento da pronúncia, quando se decide se existem indícios de que cada acusado tenha cometido ato doloso contra a vida e encaminha o caso ao Tribunal do Júri.
Ou seja, por medo de violência contra os definidores das penas, três juízes sem identificação individual decidirão sobre entrada e retirada de provas, testemunhas e manutenção ou saída de nomes de acusados.
No Tribunal do Júri, o julgamento é feito por um conselho de sentença, composto por cidadãos comuns, previamente selecionados, que se posicionam sobre a inocência ou culpa dos acusados após os argumentos da defesa e da acusação. O voto dos jurados não é revelado, apenas o placar final.
De acordo com o TJ-AM, neste processo, apenas um dos três juízes coordenará o trabalho. Ao juiz coordenador dos trabalhos caberá a dosimetria da pena, caso os jurados se manifestem, em maioria, pela condenação.
Um ano e três meses após o massacre, não há previsão de data para o julgamento ocorrer.
Chefes da FDN registram uma "selfie" antes de começar o massacre do Compaj (Foto: Reprodução)
No dia marcado, o juiz e os jurados ficarão diante dos réus, das testemunhas e das pessoas que assistirem à sessão sem nenhum sigilo. A balaclava (máscara que esconde o rosto) só será usada para testemunhas e sobreviventes que se sentirem intimidados diante dos réus.
Na semana passada, o colegiado aceitou a denúncia, feita em novembro de 2017, pelo Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM) contra os 213 réus e deu início à instrução processual.
As vítimas da chacina, que ficou conhecida como o “Massacre de Manaus”, sofreram tortura e foram mortas a tiros e facadas ou por asfixia. A maioria delas foi torturada e teve o corpo esquartejado.
A denúncia indica que as mortes foram causadas por uma guerra entre as facções criminosas FDN (Família do Norte) e PCC (Primeiro Comando da Capital) pelo tráfico de drogas e espaços de poder dentro do Compaj.
Envolvendo a terceira maior facção do crime organizado do país, foi o segundo maior massacre da história do sistema prisional brasileiro – só perdendo para a tragédia no Carandiru, em 1992, quando morreram 111 detentos.
Regulamentado há cinco anos, o recurso do juiz “sem rosto” nunca havia sido usado. O juiz da 2ª Vara do Tribunal do Júri, Anésio Pinheiro, solicitou o procedimento. Segundo o TJ-AM, o pedido foi aceito por “admitir a possibilidade de risco à integridade física do juiz ou de seus familiares”.
A preocupação com retaliações não é descabida, já que eles vão analisar supostos crimes envolvendo facções. Casos de membros do Judiciário sendo hostilizados já se tornaram comuns, como aconteceu recentemente com Cármen Lúcia, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), que teve seu prédio pichado, e com Gilmar Mendes, durante um voo comercial.
Com 213 réus, o processo será julgado em três blocos. O primeiro envolve os autores intelectuais do massacre que, segundo o MP, são os integrantes da cúpula da FDN e narcotraficantes que nem estavam no sistema prisional do Amazonas durante o episódio.
Na denúncia, o MP aponta que a “ordem” para a matança partiu do traficante José Roberto. O comunicado teria chegado ao Compaj por meio de uma carta levada pela mulher dele. Ao UOL, em novembro do ano passado, ela negou a acusação.
O segundo bloco envolve os responsáveis pelo planejamento, com a difusão o plano e a organização da execução do massacre. O terceiro bloco é o maior e inclui os acusados pelas mortes em si.
A Defensoria Pública já foi acionada para atuar na defesa de pelo menos 15 dos 213 acusados de participação no massacre, mas a expectativa é que o número aumente.
Os defensores também vão analisar a medida do juiz “sem rosto”, sob o ponto de vista legal e constitucional.
“A figura desse colegiado é polêmica. É possível que a Defensoria debata se ter três juízes num processo, mesmo que a lei garanta esse recurso, passa por um crivo de constitucionalidade”, diz o advogado Maurílio Casas Maia, da 17ª Defensoria.
Já o promotor Ednaldo Medeiros, autor da denúncia, considera correta a utilização do instrumento de juiz “sem rosto”. “O colegiado não implica prejuízo para os réus porque garante a ampla defesa dos mesmos. A segurança dos operadores do direito não pode ser colocada em risco.”
“Não é seguro enfrentar, na figura de uma única pessoa, uma organização criminosa como essa, com um grupo infiltrado em várias áreas e ofensivo letal muito grande”, afirmou o promotor.
O advogado criminalista Diego Gonçalves conta que, quando a lei do juiz “sem rosto” foi aprovada, gerou polêmica porque a Constituição Federal garante que os réus saibam quem são seus julgadores.
Mas, para ele, a medida não “esconde” os magistrados, apenas não deixa nas mãos de apenas um deles as decisões do processo. “Isso evita que o profissional do direito seja estigmatizado e minimiza os riscos à segurança”, afirmou.
Contudo o recurso não permite acesso a possíveis divergências de entendimento, o que em geral é usado pela defesa nos recursos.
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Medo faz Justiça do AM adotar juízes "sem rosto" para julgamento de massacre em Manaus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU