19 Setembro 2017
Com abundância de fontes renováveis no país, governo brasileiro insiste em investir em energias do passado, ofertando blocos para exploração de petróleo e gás, que financiam a crise climática, fomentam a corrupção e enfraquecem as economias mundo afora.
A reportagem é de Nathália Clark e Silvia Calciolari e publicada por No Fracking Brasil, 18-09-2017.
Fato já constatado até por especialistas do setor, a era do “ouro negro” está definitivamente ficando no passado. O mundo tem experimentado um processo de renovação energética sem precedentes, onde as energias renováveis estão desempenhando um papel crucial e essencial, já que as reservas fósseis estão se esgotando. Ambientalmente sustentáveis, socialmente justas e economicamente viáveis, fontes como solar, eólica e de biomassa têm se tornado cada vez mais baratas e populares. Com o planeta em alerta vermelho por conta de eventos cada vez mais severos causados pelas mudanças climáticas, projetos ligados a combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás se tornaram investimentos de alto risco.
Por serem os principais emissores dos gases que causam o efeito estufa, os combustíveis fósseis estão diretamente relacionados ao financiamento da crise climática global. A fim de evitar essa associação e cumprir com o compromisso assumido em Paris em 2015, países no mundo todo têm investido seriamente na transição de suas matrizes energéticas. Ainda assim, governos como o do Brasil, cuja abundância em recursos naturais encontra poucos paralelos, contraditoriamente insistem em priorizar fontes fósseis em detrimento das renováveis. No próximo dia 27, a Agência Nacional do Petróleo e Gás (ANP) vai contra os apelos globais por um novo modelo de desenvolvimento econômico-energético e intensifica a agenda de leilões de blocos para exploração de petróleo e gás no país.
“A cada dia, as pessoas estão cada vez mais ligando os pontos entre empresas que investem em fósseis e o caos climático e as injustiças socioambientais . Mas não é só isso. Essa indústria também está associada a casos de corrupção junto aos governos nacionais em vários países”, alerta Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora da 350.org Brasil e América Latina e coordenadora nacional da COESUS – Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida.
“No Brasil, a Operação Lava Jato revelou os esquemas de propina mostrando que essas empresas fazem de tudo para controlar o mercado no qual pretendem investir, agindo sem transparência e com truculência. Chega de fertilizar o subsolo brasileiro com corrupção”, enfatiza Nicole.
A 14ª Rodada de Licitações irá ofertar 287 blocos em 11 bacias sedimentares marítimas e terrestres. Das 36 empresas que foram aprovadas para participar do certame, mais 60% são estrangeiras e pelo menos cinco delas estão envolvidas em casos de corrupção. Empresas como a Shell e ExxonMobil, por exemplo, compartilham casos de esquemas ilícitos envolvendo o governo nigeriano. A esta última ainda se soma o histórico agravante de ter omitido conhecimento sobre as mudanças climáticas há mais de meio século.
Já a empresa Petronas, da Malásia, teve um de seus executivos preso por suspeita de superfaturar uma operação de exploração de petróleo. A Rosneft, empresa de petróleo comandada pelo governo russo, está sob investigação em um caso que levou o ministro do desenvolvimento econômico a ser preso. Outras empresas, como a indiana Cairn Energy, são acusadas de espionagem por obter informações privilegiadas do governo sobre negociações com empresas estrangeiras interessadas em investir na Índia.
Casos recentes, como os esquemas de propina da Petrobras e da Queiroz Galvão, no Brasil, demonstram como a corrupção da indústria fóssil está em várias parte do mundo. São empresas dispostas a tudo para conseguir controlar o mercado, em aliança com governos corruptos que agem sem qualquer transparência, consulta e diálogo para com as suas populações, e menos ainda com as comunidades diretamente impactadas por esses empreendimentos.
Para o engenheiro Juliano Bueno de Araújo, coordenador de campanhas climáticas da 350.org e fundador da COESUS, “a ANP age de forma irresponsável, sorrateira e criminosa ao não explicitar no edital da 14ª Rodada a autorização para gás não convencional, colocando em risco a vida, a segurança alimentar e hídrica de milhões de brasileiros. Dessa forma eles estão enganando o povo brasileiro, e isso nós não vamos aceitar.”
Além da falta de transparência, a indústria fóssil também usa e abusa da falsa e ilusória promessa de progresso e desenvolvimento, com geração de renda e empregos, para limpar a sua imagem junto à sociedade. Mas o Rio de Janeiro, sede do leilão e o maior produtor de petróleo e gás do país, é uma prova viva do contrário. Vivenciando uma das mais graves crises econômicas de sua História recente, o estado que mais depende do dinheiro sujo dos fósseis amarga as piores taxas de crescimento econômico do Brasil.
“O Rio de Janeiro é o exemplo cabal de falência de uma indústria que está com os dias contatos em todo o mundo, aliada à corrupção e reprodutora de um modelo ultrapassado de geração de energia. Isso sem falar que a cidade está vulnerável aos impactos das mudanças climáticas, como aumento do nível do mar, deslizamentos, doenças epidêmicas, entre outras ocorrências que atingem toda a população“, atesta Juliano.
Em oposição a essa realidade, um novo horizonte se amplia com o crescimento exponencial das energias limpas. Hoje, o setor de renováveis emprega mais de oito milhões de pessoas, sendo a China a campeã, com 3,5 milhões de empregos, e o Brasil vem em segundo lugar, com quase um milhão de trabalhadores no ramo.
Com grande potencial, o Brasil deve estimular e atrair investimentos para a produção de equipamentos para a geração de energia renováveis – solar, eólica e de biomassa. “Já há estudos que comprovam que a indústria de baixo carbono gera 18 vezes mais empregos que a fóssil e, depois de instalada, proporciona a geração de energia 40% mais barata”, completa o engenheiro.
“Neste momento, o mundo passa por um difícil teste de eventos climáticos catastróficos. As pessoas precisam saber que o presente e o futuro do planeta dependem de uma única decisão: deixar os fósseis no chão de uma vez e olhar para o céu priorizando a energia livre, responsável, com justiça ambiental e climática”, finaliza Juliano.
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O futuro do Brasil está no céu e não no subsolo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU