12 Julho 2016
“O que adiantaria todos os veículos de passeio no país serem elétricos, se o sistema de mobilidade continuasse travado como está, com todos parados nos congestionamentos e a um alto custo?”, questiona o engenheiro químico.
Foto: musculacaoecia.com.br |
Segundo ele, hoje o uso de combustíveis como fonte de energia para o transporte é “o fator que mais contribui para a poluição das cidades brasileiras” e já está atingindo “patamares comparáveis” aos do desmatamento no nível de emissões de gases de efeito estufa.
Tsai explica que existem várias maneiras de atacar esses problemas e um deles é buscar alternativas para a substituição do combustível. “No Brasil, em específico, o maior emissor de gás carbônico pela queima de combustíveis é a atividade de transporte, sendo que metade diz respeito ao transporte de carga e a outra metade a transporte de passageiros. No transporte de passageiro, por exemplo, é possível, além de trocar os combustíveis, melhorar os sistemas de mobilidade, o que pressupõe, por exemplo, a redução de uso do automóvel em favor do uso do transporte público que, por passageiro transportado, tem um nível de emissão muito menor”, esclarece.
De acordo com Tsai, “trocar o combustível no transporte público, por exemplo, seria algo bastante interessante a ser feito, porque ao racionalizar o sistema de mobilidade, maximizar o transporte de passageiros para o transporte público e minimizar o uso de transporte individual, haveria um ganho na redução das emissões, e ao trocar essa fonte energética do transporte público, que em grande escala é tocado a diesel, diminuiriam ainda mais as emissões”. Com o possível crescimento econômico do país, estima, o uso do transporte público também deve aumentar no futuro, “mas para atender essa demanda num custo razoável, é preciso olhar não só a questão do combustível, mas da equidade do uso do espaço público brasileiro e do custo do material rodante”, adverte.
David Tsai é engenheiro químico graduado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - USP. Atualmente é coordenador da área de emissões do Instituto de Energia e Meio Ambiente – IEMA.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quais são as implicações ambientais do Projeto de Lei – PL 1.013/2011, que propõe a liberação da fabricação e a venda de carros de passeio a diesel no Brasil?
Foto: energiaeambiente.org.br
David Tsai – Se aprovado, esse Projeto de Lei pode levar a um agravamento da poluição do ar nas cidades brasileiras. Esse já é um problema que existe nas grandes cidades, porque os padrões da qualidade do ar já são sistematicamente ultrapassados nos grandes centros urbanos, ou seja, existe um nível de concentração de poluentes que já afeta a saúde das pessoas. Outra potencial implicação ambiental seria o aumento dos gases de efeito estufa devido à competição que existiria entre o diesel nos carros de passeio e a venda de etanol hidratado e a venda de gasolina C, que no Brasil tem um teor de álcool anidro incorporado. Na realidade teríamos que fazer uma conta para saber o que seria menos impactante em relação à emissão de gases de efeito estufa. Portanto, trata-se de um PL que vem na contramão das iniciativas brasileiras de redução de emissão de gases de efeito estufa.
IHU On-Line - É possível comparar as implicações ambientais do diesel em relação a outros combustíveis como a gasolina e o etanol?
David Tsai – Sim, é possível, e um jeito que talvez seja adequado para fazer essa discussão é analisar os fatores de emissão dos veículos comerciais leves no Brasil, registrados pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – Cetesb, que é o órgão técnico responsável pela aprovação de projetos de veículos. De modo geral, os veículos a diesel emitem bastante material particulado, que é um poluente importante nas cidades brasileiras em termos de gravidade, e emitem mais óxido de nitrogênio, que também é um importante poluente, porque é um precursor da formação de ozônio em nível troposférico, o qual também é um dos grandes poluentes das cidades brasileiras atualmente. Mas, de maneira geral, o diesel emite menos hidrocarbonetos e menos monóxido de carbono. O monóxido de carbono é um poluente cuja situação atual está relativamente tranquila, porque ele está controlado, apesar de no passado ter sido bastante problemático.
Em relação a gases de efeito estufa, o diesel geralmente é mais vantajoso do que a gasolina pura e menos vantajoso do que o etanol hidratado. Em relação à gasolina C, é possível estimar a quantidade de carbono do diesel e da gasolina C, mas não tenho conhecimento da diferença.
"Se aprovado, esse Projeto de Lei pode levar a um agravamento da poluição do ar nas cidades brasileiras" |
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IHU On-Line – Em relação a outras fontes de energia, como classifica o uso de combustíveis na emissão de gases de efeito estufa?
David Tsai – Em relação à poluição do ar, que é majoritariamente afetada pela atividade de transporte, esses combustíveis são responsáveis pela situação. Outros combustíveis têm importância significativa quando são oriundos de atividades industriais, como usina termoelétrica tocada a gás, a óleo combustível ou a carvão mineral, ou outras atividades industriais como siderurgia. Mas o fator que mais contribui para a poluição nas cidades brasileiras é o uso de combustíveis como a gasolina e o diesel, e esses são os que mais contribuem para as emissões de gases de efeito estufa.
Entretanto, o desmatamento hoje no Brasil ainda é considerado o maior emissor de gases de efeito estufa, apesar das taxas decrescentes de desmatamento nos últimos dez anos. Esses dados podem ser observados no site do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa – SEEG, que fornece análises das emissões históricas de gases de efeito estufa, sendo possível fazer essa comparação entre as atividades de transporte e as atividades de mudanças de uso da terra, cujas emissões são representadas pelo desmatamento. Quanto a emissões de gases de efeito estufa, posso dizer que hoje as emissões de desmatamento são as maiores, mas os níveis estão em patamares comparáveis às emissões de agropecuária e energia, o que significa produção e uso de combustíveis. Dentro das emissões relativas ao setor de energia, o petróleo e os seus derivados ainda têm maior peso relativo entre as fontes energéticas, com destaque para a gasolina e o diesel.
Apesar disso, nesse quesito de efeito estufa, o Brasil é um país que se destaca tanto por causa da biomassa, que consome bastante, como etanol, bagaço de cana-de-açúcar, biodiesel, quanto por causa da matriz elétrica brasileira, que tem como fonte energética original, principalmente, a energia hidráulica, enquanto outros países dependem muito do carvão mineral.
IHU On-Line - A viabilização de um combustível renovável em substituição ao diesel já é uma pauta em discussão no Brasil?
David Tsai – Sim, discute-se bastante essa pauta. Hoje o diesel vendido no Brasil tem que ter, obrigatoriamente, um teor de 7% de biodiesel, e existe uma previsão de aumento para os próximos anos de até 10% de biodiesel. O etanol já tem um histórico de políticas de incentivo, e a gasolina brasileira é uma das que mais contém etanol no mundo, num nível de 27,5%, além do etanol hidratado, que pode ser consumido pelos automóveis flex.
IHU On-Line – Como avalia o uso do etanol no país? Tem se dado incentivo para que ele seja substituído pela gasolina, por exemplo?
David Tsai – Se o objetivo for aumentar o consumo de etanol, o que tem que ser resolvido é a oferta de etanol, porque há aí uma relação com o mercado de açúcar também. Mas hoje o Brasil tem produzido etanol como nunca produziu antes e tem batido recordes históricos de produção, mas ainda existe um mercado potencial para se consumir mais etanol no país. De acordo com os documentos do Planejamento Energético do Governo Brasileiro, existirá um aumento da oferta no futuro.
IHU On-Line - Quais são as questões mais urgentes e importantes de serem levadas em conta, num país como o Brasil, quando se trata de pensar alternativas de combustíveis menos poluentes, por exemplo, e a redução das emissões de gases de efeito estufa?
David Tsai – Quando falamos das emissões de gás carbônico pela queima de combustíveis, existem várias maneiras de atacar esse problema e um deles é a substituição do combustível, mas existem outras soluções que podem caminhar em consonância com outras políticas para o país. No Brasil, em específico, o maior emissor de gás carbônico pela queima de combustíveis é a atividade de transporte, sendo que metade diz respeito ao transporte de carga e a outra metade a transporte de passageiros. No transporte de passageiro, por exemplo, é possível, além de trocar os combustíveis, melhorar os sistemas de mobilidade, o que pressupõe, por exemplo, a redução de uso do automóvel em favor do uso do transporte público que, por passageiro transportado, tem um nível de emissão muito menor.
Trocar o combustível no transporte público, por exemplo, seria algo bastante interessante a ser feito, porque ao racionalizar o sistema de mobilidade, maximizar o transporte de passageiros para o transporte público e minimizar o uso de transporte individual, haveria um ganho na redução das emissões, e ao trocar essa fonte energética do transporte público, que em grande escala é tocado a diesel, diminuiriam ainda mais as emissões. Pode ser interessante também o uso de veículos elétricos no sistema de transporte público, dado que a matriz elétrica brasileira é bastante limpa. Aparentemente, seria uma ideia interessante trocar os ônibus a diesel por ônibus elétricos.
Entre as soluções intermediárias, estaria o uso de veículos híbridos em que se usa o diesel, mas combinado com uma tecnologia de motor elétrico, em que se consumiria menos combustível. Teriam outras opções que devem ser estudadas numa aplicação caso a caso porque não é só uma questão de voluntarismo para trocar uma fonte de energia por outra, ao contrário, isso envolve questões como o custo do transporte. Países em que há uma pressão e uma resistência bastante pujante a qualquer aumento de custo no valor do transporte - porque isso se reflete na tarifa, como vimos nas manifestações de 2013 – devem considerar uma série de variáveis no estudo da implantação de outro modelo de transporte.
"Não adianta resolver o problema das emissões do transporte e não resolver o problema de mobilidade" |
IHU On-Line – É possível vislumbrar em que momento o Brasil irá fazer essa transição? Há sinais disso ou essa discussão ainda é majoritariamente teórica?
David Tsai – Já estamos passando do campo da teoria para a prática. Existem experiências com tecnologias alternativas no Brasil, com ônibus a gás, ônibus a hidrogênio, elétrico, e existem planos de montadoras para estabelecer fábricas de ônibus elétricos no Brasil. Então, essa pauta já está, sim, passando do nível teórico para o prático. O que existe ainda são desafios à aplicação em larga escala dessas tecnologias no país.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
David Tsai - É importante tratar essa questão dos combustíveis associada a outros problemas ambientais do Brasil e de ordem econômica também, porque não adianta resolver o problema das emissões do transporte e não resolver o problema de mobilidade. Por exemplo, o que adiantaria todos os veículos de passeio no país serem veículos elétricos, se o sistema de mobilidade continuasse travado como está, com todos parados nos congestionamentos e a um alto custo? No estágio atual o veículo elétrico é mais caro do que um veículo convencional, à combustão. O Brasil tem uma demanda reprimida por automóvel e transporte público, se comparado com Europa e EUA, e é possível ver que o acesso a transporte de modo geral ainda é muito baixo no país. Entretanto, com o crescimento do Brasil, vai aumentar a demanda por transporte, mas para atender essa demanda num custo razoável, é preciso olhar não só a questão do combustível, mas de equidade do uso do espaço público brasileiro e do custo do material rodante.
Por Patricia Fachin
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Uso de combustíveis fósseis X mobilidade urbana: desafios para o Brasil. Entrevista especial com David Tsai - Instituto Humanitas Unisinos - IHU