Da falsa ideia de empreendedorismo e autonomia à dura realidade da exploração algorítmica do trabalho de entregadores. Entrevista especial com Henrique Amorim

Pesquisador destaca que muitos entregadores, ao mesmo tempo que reproduzem a ideologia do empreendedorismo, se veem forçados à submissão das condições de trabalho das plataformas de aplicativos

Foto: Fotos Públicas/Roberto Parizotti

Por: Ricardo Machado e João Vitor Santos | 29 Julho 2020

Durante muito tempo, existiu a ideia de que o trabalho via empresa de plataforma traria liberdade ao profissional e as próprias organizações apostavam nesse discurso. Não demorou muito para essa falácia ser desconstruída pela dura realidade de exploração desses trabalhadores, a custo de muito suor, longas jornadas e baixíssima remuneração. “Longe de trabalhar como entregador por conta de um desejo de se tornar microempreendedor, o entregador está lá, na imensa maioria das vezes, por falta de alternativa a outras formas mais dignas de trabalho, ou seja, o que caracteriza o engajamento a esse tipo de trabalho não é uma adesão voluntária, mas uma ‘adesão social compulsória’”, destaca o sociólogo Henrique Amorim, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

Segundo o pesquisador, é histórico que “empresas se aproveitem de fragilidades e vulnerabilidades sociais”. Assim, num contexto de desemprego ou subemprego elevados, não é difícil imaginar como as plataformas digitais, embaladas por um discurso que promete a disrupção e a flexibilidade, encontram uma legião de força de trabalho solicitando ser aceita. “As plataformas digitais de entrega se aproveitam de um contexto de desemprego e de informalidade como o brasileiro para criar e ampliar suas taxas de lucro”, reitera.

Assim, no fim das contas, o empreendedorismo se esvai e se reproduz a velha lógica de exploração da força de trabalho. Mas, segundo Amorim, há uma novidade nessa exploração do século XXI: a algoritmização. “Este gerenciamento algorítmico funciona como um controlador de tempos e movimentos, nos moldes tayloristas, do trabalhador individual e coletivo submetidos às plataformas digitais”, explica. “Ao mesmo tempo, o gerenciamento algorítmico controla, por exemplo, quem recebe cada pedido, o tempo gasto na realização das entregas e os valores que serão cobrados, coordenando de maneira minuciosa o conjunto dos trabalhadores conectados à plataforma digital, além de coletar dados e vigiar os entregadores por geolocalização. Desta forma, os ganhos da empresa são potencializados, pois o serviço passa a ser produzido com maior grau de eficiência e eficácia e com controle em tempo real”, completa.

Henrique José Domiciano Amorim (Foto: Arquivo pessoal)

Henrique José Domiciano Amorim é professor associado de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo - Unifesp-Campus Guarulhos. Coordena o Grupo de Pesquisa Trabalho e Classes Sociais - GPCT desde 2011. Realizou pós-Doutorado na Universidade de Campinas (IFCH e CESIT) - Unicamp e na École des Hautes Études en Sciences Sociales - EHESS, em Paris. Graduado em Ciências Sociais, ainda possui mestrado e doutorado, todos realizados na Unicamp. Entre as publicações, destacamos Trabalho imaterial: Marx e o debate contemporâneo (São Paulo: Annablume, 2018).

 

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line – Como a crise de covid-19 nos mostra que somos radicalmente dependentes do trabalho precarizado e da exploração de trabalhadores, especialmente via trabalho por plataforma de aplicativos? De que maneira o trabalho informal é, no fundo, a forma estruturante do trabalho no Brasil?

Henrique Amorim – O mercado de trabalho brasileiro é historicamente estruturado em cima de dois pilares: as altas taxas de informalidade e a baixa remuneração, indicando assim a superexploração da força de trabalho existente em nosso país. A crise da covid-19 serviu para escancarar estas características. De um lado, muitos dos trabalhadores vinculados aos setores chamados essenciais e que continuam trabalhando durante a pandemia têm aspectos de precarização na sua condição de trabalho. São garis, caixas de supermercado, enfermeiras e uma série de categorias que trabalham com baixos salários e poucos direitos.

Por outro lado, a dificuldade em instaurar uma política eficiente de isolamento social também decorre destas características históricas do nosso mercado de trabalho e da política adotada atualmente no país. A nova forma de trabalho mediada por aplicativos entra na lógica de como trabalhar para “ganhar o do dia”. Na ausência de políticas que garantam uma renda mínima para a sobrevivência daqueles trabalhadores afetados direta ou indiretamente pela pandemia da covid-19, muitos trabalhadores desempregados se converteram em entregadores e somados a esses engrossam as fileiras do trabalho informal.

No entanto, temos que ter em mente que a forma específica de trabalho em qualquer sociedade capitalista é a do trabalho assalariado, em sua forma de trabalho abstrato. Sem levarmos isso em conta, no que se refere ao Brasil, falarmos apenas em informalidade ou precarização do trabalho acaba por limitar a análise sobre o trabalho. O que quero dizer é que as empresas capitalistas, que procuram incessantemente aumentar suas taxas de lucro, têm como referência o assalariamento (camuflado ou disfarçado, como no caso dos entregadores) e se valem da informalidade e do desemprego como mecanismo para aumentar estas taxas de lucro.

Assim, tais empresas, na maioria das vezes transnacionais, se aproveitam de fragilidades e vulnerabilidades sociais específicas, no caso brasileiro, as altas taxas de informalidade e a exígua distribuição de renda, o que favorece a oferta de força de trabalho abundantemente barata, para ampliar a extração de mais-trabalho.

IHU On-Line – Por outro lado, como a pandemia revela o poder desses trabalhadores? Como o senhor analisa a mobilização realizada no início de julho, que levou à paralisação de entregas e serviços de transportes?

Henrique Amorim – Muitos protestos vêm sendo realizados em cidades brasileiras e também em outros países, envolvendo os entregadores por aplicativo. Esses protestos são fruto das condições de trabalho degradantes, corroboradas pela ausência de leis trabalhistas que marcam a exploração a qual estão submetidos os entregadores de plataformas digitais. A utilização de novas forças produtivas de natureza informacional abriu ao capital um leque de novas possibilidades de exploração da força de trabalho, sendo o trabalho por aplicativo uma delas.

No entanto, ao mesmo tempo em que se constituíram novas frentes de exploração dos trabalhadores com a utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação - TICs, constituiu-se também uma massa de trabalhadores em condições semelhantes de trabalho, o que de alguma forma favorece, como vimos no dia 01/07, a mobilização dos entregadores. As pautas levantadas dizem respeito às condições mínimas de trabalho no contexto da pandemia: melhor remuneração por entrega, o fim do bloqueio de contas arbitrário por parte das empresas e a disponibilização de equipamentos de proteção individual para evitar a contaminação por covid-19.

Importante salientarmos que tomar a decisão de realizar uma paralisação para estes trabalhadores significa ganhar menos no fim do dia. Trata-se, portanto, de uma difícil decisão. Mesmo assim os entregadores estão se mobilizando e chamam a atenção as suas novas formas de mobilização, com muitas manifestações sendo organizadas por grupos de WhatsApp e apoiadas por associações e/ou sindicatos ligados ou não a esta categoria profissional. Assim, se por um lado, as TICs são instrumentos de controle, vigilância e rotinização do trabalhador, por outro, permitem um novo tipo de mobilização e organização políticas.

Êxito da mobilização

 

Entendo que a paralisação do dia 01/07 foi exitosa em alguns aspectos:

1) Ela teve adesão significativa de um grande número de entregadores, não apenas em São Paulo, mas em muitas metrópoles no Brasil;

2) estas manifestações tiveram apoio de entidades sindicais ligadas ou não aos entregadores e também dos consumidores que evitaram usar os aplicativos durante a paralisação;

3) a reação defensiva das plataformas digitais de entrega, tentando se descolar da responsabilidade sobre as condições de trabalho dos entregadores, demonstra o incômodo dessas plataformas.

Acredito, inclusive, que o menor tamanho dos protestos do dia 25/07 também se explica por alguns dos fatores que listei. Os entregadores fizeram uma boa aposta, porém arriscada, de realizar a segunda paralisação em um sábado, dia de maior demanda de pedidos, visando a pressionar ainda mais as empresas para atenderem suas reivindicações. Entretanto, por esta característica, sábado também é o dia da realização de maiores ganhos para a categoria, dificultando o convencimento para participarem das paralisações. Além disso, a relação entre os trabalhadores e os sindicatos tem sido bastante conflituosa nas mais diversas categorias profissionais e isso também apareceu neste segundo protesto, em especial na manifestação de São Paulo, com sindicato organizando um ato em um dia e outros setores do movimento em outro. Ou seja, houve uma dispersão política marcada por diferenças internas de grupos que organizam o movimento político dos entregadores. De toda maneira, estas manifestações realizadas no mês de julho foram exitosas, pois ampliaram socialmente o debate sobre as condições de trabalho dos entregadores. No entanto, ainda acredito ser precipitado prever como este processo irá se desenrolar. Isso dependerá de como os grupos políticos e sindicatos ligados aos entregadores vão se articular ou não se articular para o enfrentamento dos interesses desses trabalhadores.

 

Adesão a novas formas de trabalho

 

Esse tipo de trabalho, por conta da forte crise econômica que o Brasil tem vivido nos últimos anos, com altas taxas de desemprego, obriga um conjunto de trabalhadores desempregados a “aderir” forçosamente a plataformas digitais de entrega. No contexto da pandemia isso se radicaliza e temos cabeleireiros fazendo entrega, motoristas de van escolar fazendo entrega, pedreiros fazendo entrega, vendedores de lojas fazendo entrega, isto é, um conjunto de trabalhadores que não foram assistidos pelo governo e tiveram que forçosamente aderir a esse tipo de trabalho e as suas particularidades para se proverem alguma remuneração.

Com isso, como destaca a pesquisa [1] (Condições de trabalho de entregadores via plataforma digital durante a Covid-19) que realizamos no âmbito da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista - Remir, a remuneração dos entregadores caiu, mesmo que o número de horas trabalhadas tenha aumentado. Isso quer dizer que a adesão de muitos trabalhadores vindos de vários setores do mercado de trabalho proporcionou algo que já estava em curso no Brasil e que vem se acentuando durante a pandemia. Na ausência de empregos suficientes, se formos pensar o contexto de desemprego anterior à pandemia, a utilização desses trabalhadores desempregados interessa às plataformas digitais de entrega, possibilitando a elas, haja vista que tais trabalhadores podem ser facilmente substituídos – como as práticas tayloristas há mais de um século evidenciam –, explorá-los intensamente, reduzindo tarifas, diminuindo bonificações e, com isso, aumentando sua lucratividade.

IHU On-Line – Esses trabalhos por plataforma constituem uma das faces da chamada ‘economia gig’. O que essa economia revela sobre o capitalismo de nosso tempo?

Henrique Amorim – Se por duas faces se considera a riqueza e a miséria estrutural do capitalismo, sim! Trata-se apenas de mais uma forma de atualização da dinâmica de exploração e dominação do trabalho pelo capital. No entanto, temos que ficar atentos em relação à expressão “economia gig”, por dois aspectos.

O primeiro é que a utilização deste termo carrega a ideia de que os “bicos” são uma novidade no mercado de trabalho, o que não é verdade em nosso país, que tem como característica estruturante altas taxas de rotatividade e informalidade. Além disso, o trabalho por aplicativo não é um bico no Brasil. Aqui os entregadores, em sua maioria, têm no trabalho de entrega por aplicativos a sua principal ou sua única fonte de renda. Assim, não se trata de algo, para a imensa maioria dos entregadores, que represente uma forma de complementação da renda individual ou familiar.

Considerando esta ressalva em relação à expressão “economia gig”, se qualificamos o trabalho por aplicativo como uma forma de disfarce do assalariamento para que as plataformas digitais de entrega não se responsabilizem por salários diretos e indiretos, saúde física e psicológica dos trabalhadores, sobre os meios de trabalho (carro, moto e celular), seguros sobre esses meios de trabalho e da vida do entregador, temos que a produção de serviços de entrega se apresenta como uma das faces do capitalismo contemporâneo. Além disso, estas empresas, como toda e qualquer empresa capitalista, querem reduzir custos para aumentar a dominação e a exploração sobre o trabalho, o que é um movimento estrutural do capital, fazendo com que esta face contemporânea reproduza diversas lógicas de antigas formas de organização do trabalho, como a taylor-fordista e toyotista.

 

Capitalismo contemporâneo

 

O capitalismo contemporâneo tem alguns aspectos que devemos destacar. O primeiro deles, como já mencionei, é que as plataformas digitais de entrega se aproveitam de um contexto de desemprego e de informalidade como o brasileiro para criar e ampliar suas taxas de lucro. O segundo, do ponto de vista da relação capital versus trabalho, se manifesta no aprofundamento das formas de exploração da classe trabalhadora no sentido em que a subsunção real do trabalho ao capital se radicaliza, sobretudo, se levarmos em conta as formas de controle e gerenciamento algorítmico que as TICs possibilitam.

Este gerenciamento algorítmico funciona como um controlador de tempos e movimentos, nos moldes tayloristas, do trabalhador individual e coletivo submetidos às plataformas digitais. Do ponto de vista do trabalhador individual, por exemplo, o sistema de pontuação existente no trabalho dos entregadores e que é controlado por estes cálculos algorítmicos faz com que ele trabalhe cada vez mais e nos dias que as empresas estipulam, devido ao aumento da demanda de pedidos, o que claramente desconstrói qualquer ideia de autonomia presente neste tipo de trabalho. Em alguns aplicativos, quem não trabalha aos sábados e aos domingos não contabiliza pontos e não pode trabalhar durante a semana, o que se apresenta como uma atualização das formas de controle e subordinação do trabalho.

Ao mesmo tempo, o gerenciamento algorítmico controla, por exemplo, quem recebe cada pedido, o tempo gasto na realização das entregas e os valores que serão cobrados, coordenando de maneira minuciosa o conjunto dos trabalhadores conectados à plataforma digital, além de coletar dados e vigiá-los por geolocalização. Desta forma, os ganhos da empresa são potencializados, pois o serviço passa a ser produzido com maior grau de eficiência e eficácia e com controle em tempo real.

IHU On-Line – Durante a pandemia, qual o grande dilema dos trabalhadores por aplicativo?

Henrique Amorim – Creio que respondi parte dessa questão acima, mas enfrentando outro aspecto, acredito que do ponto de vista individual não há dilema algum ao entregador. Longe de trabalhar como entregador por conta de um desejo de se tornar microempreendedor, o entregador está lá, na imensa maioria das vezes, por falta de alternativa a outras formas mais dignas de trabalho (dignas, no sentido de terem melhor remuneração e com melhores condições de vida e de trabalho), ou seja, o que caracteriza o engajamento a esse tipo trabalho não é uma adesão voluntária, mas uma ‘adesão social compulsória’.

Essa ausência de alternativas, como Marx nos lembra no A Assim Chamada Acumulação primitiva de Capital (1998) [3] faz, desse conjunto de trabalhadores, entregadores livres como pássaros. Livres no exato sentido em que essa massa de trabalhadores pode vender sua força de trabalho aos montes e de forma barata às plataformas digitais de entrega. Como os trabalhadores têm a sua remuneração vinculada às horas efetivamente trabalhadas, não trabalhar é, para eles, perda de possíveis rendimentos.

Essa falsa liberdade opera da mesma forma no contexto da pandemia. Um vírus altamente transmissível faz com que os trabalhadores por aplicativo tenham a “liberdade” de cuidar de sua saúde ou ir às ruas em busca de sua remuneração diária. Mais uma vez, como atestou a pesquisa que realizamos junto à Remir, aqueles que vão para as ruas estão tendo sua remuneração diária diminuída, o que de alguma forma nos mostra que não há, como nunca houve, nenhum limite para a voracidade do capital.

 

Desresponsabilização estatal

 

Ademais, o forte processo de desresponsabilização do Estado em relação às formas de regulação do trabalho, com os cortes de direitos do trabalhador que sempre assolaram a classe trabalhadora, mas que se radicalizam com as políticas neoliberais, impõe uma única liberdade a esses trabalhadores: a de se vender no mercado. Como enfatiza Abílio (2020) [2], trata-se de um tipo de trabalhador que está disponível em qualquer momento do dia, sendo que essa disponibilidade não se fundamenta em uma opção, mas em uma falta de opção.

Essa condição com a pandemia é, como também disse acima, cruelmente mobilizada pelas plataformas digitais de entrega, que ao verem a chegada cada vez maior de entregadores livres como pássaros, passam a 1) aumentar as tarifas cobradas e diminuir bonificações; ao mesmo tempo em que 2) forçam os entregadores a trabalhar cada vez mais, estabelecendo uma competição entre eles na busca de metas, em certos casos algoritmicamente inalcançáveis.

Não há limites inerentes aos desejos do capital. Ele irá até onde for necessário, ora abrindo espaço para políticas mais conciliatórias, ora, como na atualidade neoliberal, casando-se perfeitamente com políticas ultraconservadoras que consideram a democracia burguesa um fardo para o crescimento econômico que favorece a acumulação de capitais e a sua, cada vez maior, concentração.

IHU On-Line – Qual a correlação entre remuneração baixa e trabalho formal e remuneração mais alta e trabalho informal? Como o trabalho por aplicativo mistura ambas as características e, num curto prazo, se anuncia como uma opção mais vantajosa para quem busca renda?

Henrique Amorim – Em grande parte dos casos, o trabalho informal representa uma transferência de custos existentes na contratação da força de trabalho dos empregadores para os trabalhadores. Assim, como os empregadores não precisam arcar com os custos envolvendo direito às férias, décimo terceiro salário, vale-transporte e alimentação, por exemplo, além de não ser descontado no salário bruto a contribuição à previdência social, em muitos dos casos é possível que o trabalhador com contrato de forma informal receba mais do que um trabalhador formalizado. Entretanto, esta maior remuneração precisa ser relativizada.

Como os trabalhadores perdem todos os direitos abarcados pela CLT, eles necessitam fazer um planejamento financeiro que garanta a sua aposentadoria no futuro ou para poderem se manter financeiramente em casos de acidente, por exemplo, o que nem sempre é possível. Então, a contradição entre a vantagem imediata e o planejamento de longo prazo precisa ser calculada e, na maioria das vezes, o contrato de trabalho formalizado garante uma melhor estabilidade de longo prazo aos trabalhadores.

No trabalho por aplicativo temos as incertezas existentes do trabalho informal ainda mais exacerbadas. Como os trabalhadores têm a sua remuneração mensal vinculada à produtividade, sem nenhuma forma a mais de bonificação, e necessitam arcar com todos os custos existentes para a prestação do serviço, como automóvel ou a moto, é difícil para eles fazerem qualquer tipo de organização financeira, tendo assim que trabalhar intensamente para prover a sua sobrevivência como indivíduo e a sua reprodução social como entregador de plataformas digitais de entrega.

IHU On-Line – Para o futuro, o que se pode esperar em termos de mudança na macroestrutura do trabalho após a pandemia?

Henrique Amorim – A tendência é que as condições de trabalho dos entregadores só piorem, seja em poucos meses, quando atingirmos um “novo normal” ou mesmo quando chegarmos à superação da pandemia. Provavelmente quem pagará a conta do aprofundamento da recessão econômica vindoura, a qual muitos economistas acreditam que será semelhante à crise de 1929, não serão os banqueiros, as multinacionais ou quem detém grandes fortunas. Essa conta deverá ser socializada na forma de novos impostos, maior redução salarial do setor privado e público, corte de investimentos em saúde e educação, ou seja, de um receituário que nos é familiar aqui no Brasil e, guardando as proporções, no restante dos países capitalistas.

Assim, acredito que a recessão se tornará ainda maior que a de 2008 e o desemprego provavelmente também aumentará, o que pode levar, por exemplo, mais pessoas a trabalharem como entregadores, diminuindo, esta é a tendência, a remuneração semanal ou mensal destes trabalhadores. Do ponto de vista das grandes empresas, como as plataformas digitais de entrega, esse contexto de crise econômica se apresenta como uma “oportunidade de mercado”, sobretudo, como já dissemos acima, por conta da oferta de força de trabalho ainda mais barata.

No entanto, as paralisações realizadas neste mês podem ser o anúncio de uma nova forma de organização política, pois vem exatamente daqueles que não têm mais o que perder. Reivindicar o básico, pauta dessa paralisação, é uma síntese do atual estado de coisas para a classe trabalhadora em todo o mundo. Nossos atuais governantes não irão realizar por si só medidas que melhorem as condições de trabalho. Entretanto, se os protestos dos entregadores influenciarem outras categorias e se intensificarem no próximo período, é possível que este futuro possa ser um pouco mais favorável para a classe trabalhadora.

Referências da Pesquisa

[1] Condições de trabalho de entregadores via plataforma digital durante a Covid-19. Disponível aqui.

[2] Abílio, Ludmila. Disponível aqui.

[3] Marx, Karl. (1998) O Capital. São Paulo: Nova Cultural.

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