Os submersos de Gaza. Artigo de Majd Al-Assar

Foto: Abed Rahim Khatib/Anadolu Ajansi

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19 Dezembro 2025

"Entre aqueles que ainda vivem em barracas de lona e plástico, a mensagem que se espalha pelas redes sociais de Gaza é trágica: se esse é apenas o começo do inverno, o que a próxima tempestade nos reservará?", escreve Majd Al-Assar, habitante de Gaza, em artigo publicado por La Stampa, 18-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Nos últimos dias, fortes chuvas, ventos intensos e quedas bruscas nas temperaturas noturnas demonstraram a fragilidade da vida de centenas de milhares de famílias deslocadas que vivem em tendas ou abrigos improvisados. Fontes da Defesa Civil e da área da saúde relatam muitas mortes diretamente ligadas às condições meteorológicas, entre as quais recém-nascidos que não conseguem sobreviver a uma noite em colchões molhados, em tendas abertas, castigadas por chuvas torrenciais e ventos fortes.

Uma dessas mortes tornou-se um símbolo doloroso de uma crise mais ampla: Rahaf Abu Jazar, uma bebê de oito meses. Perdeu a vida quando as águas da enchente e a chuva submergiram o abrigo de sua família na área de Khan Younis. Sua mãe, Hejar Abu Hazar, contou à Reuters, com a voz embargada pelo choro, que a bebê havia sido colocada para dormir após mamar e, pouco depois, a família a encontrou molhada e enregelada. "Quando acordamos, vimos que estava chovendo sobre ela, estava com frio e, de repente, parou de respirar."

A morte de Rahaf não é uma tragédia isolada. Durante a mesma frente de tempestade, fontes médicas na Cidade de Gaza confirmaram também as mortes de Taim al-Khawaja, de alguns meses de idade, no campo de refugiados de Al-Shati, e de Hadeed al-Masri, de nove meses, em um abrigo a oeste da Cidade de Gaza.

Para pediatras e voluntários, os mecanismos por trás dessas mortes são cruéis, mas previsíveis. Os recém-nascidos perdem calor corporal mais rapidamente do que adultos, não tremem e sua sobrevivência depende inteiramente de calor constante, roupas secas e assistência contínuos.

Nos campos de deslocados de Gaza, essas necessidades básicas são inexistentes. Para um adulto, uma tenda é simplesmente "desconfortável", mas para um recém-nascido, torna-se uma ameaça à vida quando o chão se cobre de lama, os lençóis estão encharcados e, à noite, o vento sopra por entre as costuras do tecido como se as paredes fossem de papel.

Em toda a Faixa de Gaza, as famílias descrevem a mesma situação: chuva e água entram por cima e por baixo, o vento levanta as lonas plásticas e adultos improvisam barreiras com sacos de areia e pedaços de madeira. A Reuters relata cenas de homens tentando expulsar a água e estancar o fluxo entre as barracas enquanto a tempestade está desabando sobre eles.

As barracas são apenas um dos perigos agora que Gaza se aproxima do auge da estação fria e chuvosa. O outro é o concreto. Com a maioria dos edifícios no enclave danificados por meses de bombardeios, quando as tempestades chegam, as casas semidestruídas podem se tornar armadilhas mortais. Em meados de dezembro, a Reuters noticiou que os edifícios danificados pela guerra correm maior risco de desabar sob o peso das intempéries e das fortes chuvas, o que complica o trabalho dos socorristas. Famílias que tentam sair de tendas alagadas e se mudar para estruturas danificadas e sem teto podem sair da frigideira para cair no fogo.

A combinação de condições inseguras e desabamentos gerou um sentimento comum, tanto in loco quanto nos posts online: não existe um lugar seguro para onde ir.

Nas redes sociais, moradores de Gaza — incluindo pais deslocados e socorristas — postaram vídeos angustiantes gravados com celulares, mostrando pessoas esvaziando tendas com baldes e tentando desviar a água de onde seus filhos dormem, enquanto todos clamam urgentemente por alternativas. Muitos expoentes da comunidade também pediram publicamente por trailers. Em uma conferência na Cidade de Gaza, Abu Salman al-Mughanni, chefe de uma associação que representa várias tribos e famílias, pediu a substituição das "tendas desgastadas" por trailers. "As tendas que vocês veem não podem proteger aqueles que vivem dentro delas", disse ele, argumentando que a reconstrução exigirá muito tempo e que as famílias não conseguirão sobreviver em abrigos improvisados de lona.

Entre aqueles que amplificam a indignação online está o comediante palestino Mahmoud Zuaiter, uma figura de destaque nas redes sociais. Em um comentário amplamente divulgado, também noticiado pelas mídias locais, ele condena o que chama de indiferença global ao sofrimento em Gaza, escrevendo que aqueles que não reagiram quando as crianças "se afogavam no sangue" naturalmente não reagirão quando "se afogam na água".

As mortes desta semana levantam uma questão ainda mais profunda: não só o frio está matando, mas por que, no início do inverno, Gaza parece tão despreparada para o que ainda está por vir?

Fontes das associações humanitárias têm alertado repetidamente sobre as consequências para a saúde do frio, da água e das condições ligadas à superlotação: os riscos de contrair infecções respiratórias, pneumonia e hipotermia aumentam drasticamente se as famílias não puderem vestir roupas secas, dormir em condições secas ou contar com aquecimento. As consequências da tempestade — acampamentos cobertos de lama, tendas danificadas, crianças ao relento — ressaltam a rapidez com que as condições climáticas podem se tornar letais sem um abrigo estável.

Com a chegada do inverno em Gaza, o medo nos acampamentos deixou de ser algo abstrato. Adultos e pais falam da noite como algo que precisa ser enfrentado hora a hora: monitorando a respiração de um recém-nascido, verificando se os lençóis estão secos, ficando atentos às rajadas de vento que podem rasgar as lonas plásticas e transformar a chuva em uma ducha congelante.

Para a mãe de Rahaf Abu Jazar, não houve sinais, nem avisos e nem mesmo uma segunda chance. Houve apenas uma manhã que começou com uma tempestade e terminou com um corpinho congelado apertado nos braços.

Entre aqueles que ainda vivem em barracas de lona e plástico, a mensagem que se espalha pelas redes sociais de Gaza é trágica: se esse é apenas o começo do inverno, o que a próxima tempestade nos reservará?

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