19 Dezembro 2025
“Um estudo publicado em 2020 identificou mais de 350.000 produtos químicos e misturas de substâncias químicas diferentes em 22 inventários governamentais de 19 países da América do Norte e da Europa”. A informação é de Ian Angus, em artigo publicado por A l’encontre, 05-12-2025. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
“O mais alarmante de todos os ataques do ser humano ao meio ambiente é a contaminação do ar, do solo, dos rios e dos mares com materiais perigosos e até mesmo letais. Essa poluição é, na maior parte, irrecuperável; a cadeia de males que ela desencadeia, não apenas no mundo que deve sustentar a vida, mas nos tecidos vivos, é, na maior parte, irreversível.” — Rachel Carson [1]
Uma das características fundamentais do capitalismo é sua vontade de inovar, de encontrar novas maneiras de produzir lucros e acumular capital o mais rápido possível. Os defensores do sistema geralmente apresentam isso como um benefício absoluto, mas um produto diferente não é necessariamente um [produto] melhor. Muitas vezes, esses novos produtos rentáveis têm efeitos colaterais letais que só são descobertos (ou divulgados) após seu uso generalizado.
[Em relação a “diferente” e “melhor”, Stéphane Foucart, em sua coluna no Le Monde, escreveu em 20-11-2025: “O DDT, um famoso inseticida proibido para uso agrícola na década de 1970 em quase todo o mundo, levou à quase extinção de várias espécies de aves, especialmente nos Estados Unidos. No entanto, sua letalidade para os insetos é consideravelmente menor do que a do imidaclopride, que só foi proibido em 2018 na França e em 2019 na Suíça. A toxicidade aguda deste último para as abelhas é mais de 8.000 vezes maior do que a do antigo organoclorado”. (Nota de A l’encontre)]
Como escreveu o filósofo marxista István Mészáros, o capitalismo “só é capaz de adotar medidas corretivas depois que o dano já foi produzido; e mesmo essas medidas corretivas só podem ser introduzidas de forma muito limitada.” [2]
Esse problema se agravou durante os séculos XX e XXI, à medida que as indústrias químicas desenvolveram um número crescente de produtos e componentes químicos que não têm equivalente natural. Na maioria dos casos, não temos ideia dos danos que eles podem causar a curto ou longo prazo, ou em combinação com outras substâncias, porque nunca foram testados adequadamente, ou não foram testados de forma alguma.
Quantos existem? Não sabemos. Não existe um banco de dados internacional que liste todos os produtos químicos atualmente comercializados e seus efeitos, e os diferentes bancos de dados nacionais têm requisitos diferentes para registros e informações.
Um estudo publicado em 2020 identificou mais de 350.000 produtos químicos e misturas de substâncias químicas diferentes em 22 inventários governamentais de 19 países da América do Norte e da Europa.
Dessas substâncias, a identidade química de mais de 50.000 das registradas é considerada segredo comercial e, em outros 70.000 casos, as informações fornecidas foram insuficientes. [3] Portanto, não sabemos nada sobre os possíveis efeitos de mais de um terço dos produtos químicos registrados para uso comercial!
Esses dados não incluem a Ásia, onde a produção total de produtos químicos é 2,5 vezes maior que a da Europa e da América do Norte. [4] Mesmo levando em conta a sobreposição significativa entre as regiões, pode haver mais de meio milhão de produtos químicos diferentes sendo produzidos. E há pouca ou nenhuma informação disponível publicamente sobre a maioria deles.
Qual é a probabilidade de que esses dados incluam produtos químicos perigosos à vida? A chance é bastante grande. [No Le Monde, em 3-12-2025, Stéphane Foucart escreve: “Um estudo de 2000 que concluiu que o conhecido herbicida (glifosato) era seguro, e que tem sido amplamente citado desde então, acaba de ser oficialmente desautorizado pela revista Regulatory Toxicology and Pharmacology, que o publicou”. Suspeita-se que os cientistas signatários endossaram um texto preparado por executivos da Monsanto. (Nota de A l’encontre)]
Em primeiro lugar, os produtos químicos registrados incluem milhares de pesticidas que, por definição, matam organismos vivos. Somente nos Estados Unidos, aproximadamente 390 toneladas de pesticidas são usados anualmente em fazendas, hortas e outros locais. [5] Você não precisa usá-los para estar em risco: em 2023, o Departamento de Agricultura dos EUA encontrou resíduos de pesticidas em mais de 60% das amostras de alimentos que testou. [6] A ONU estima que 200.000 pessoas morrem a cada ano devido ao envenenamento agudo por pesticidas, quase todas em países pobres onde as regulamentações são fracas ou inexistentes. [7]
Os pesticidas não são os únicos produtos químicos registrados que são letais. Nos Estados Unidos, a Lei de Controle de Substâncias Tóxicas exige que as indústrias registrem todas as substâncias que fabricam, distribuem, usam ou descartam e que “possam representar um risco inaceitável para a saúde ou o meio ambiente”. Em 2025, o registro incluía 86.862 dessas substâncias, metade das quais (42.578 substâncias) são atualmente usadas por empresas estadunidenses. [8]
São muitas substâncias para monitorar todas, mas pelo menos elas foram registradas. Ainda mais preocupante é uma categoria não oficial que pode ser muito maior: substâncias que representam um risco desconhecido ou deliberadamente ocultado para a saúde humana ou o meio ambiente.
Notas
1. Rachel Carson, Primavera silenciosa (Gaia, 2010), p. 22.
2. István Mészáros, The Challenge and Burden of Historical Time (Monthly Review Press, 2008), 383.
3. Zhanyun Wang et al., “Toward a Global Understanding of Chemical Pollution: A First Comprehensive Analysis of National and Regional Chemical Inventories,” Environmental Science and Technology, janeiro 2020.
4. UNEP, Global Chemicals Outlook II: From Legacies to Innovative Solutions, United Nations Environment Program, 2019.
5. Pesticides, US Geological Survey.
6. USDA, Pesticide Data Program Annual Summary Calendar Year 2023, U.S. Department of Agriculture Agricultural Marketing Service, 2024, 19.
7. Report of the Special Rapporteur on the right to food, UN Human Rights Council, 2017.
8. U.S. Environmental Protection Agency, “Now Available: Latest Update to the TSCA Inventory”, press release, 14-08-2025.
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