05 Dezembro 2025
Como crentes, aprendemos que toda situação trágica pode fazer com que uma imagem de Deus e do Homem "morra", mas não Deus e o Homem em si?
O artigo é de Sara Giorgini, professora de Teologia Moral Fundamental, publicado por Vino Nuevo, 04-12-2025.
Eis o artigo.
Todo crente, em algum momento da vida, se depara com dúvidas, indignação, fracasso e um sentimento de injustiça: uma sensação dilacerante, uma raiva incontrolável que não pode ser sufocada, que não encontra explicação racional para a dor imerecida, a hipocrisia alheia e o mal que a frustração de outra pessoa é capaz de causar.
Quanta maldade existe hoje ao nosso redor e dentro de nós.
Ao nosso lado: genocídios, guerras que se arrastam há anos, cujos líderes querem que os poderosos do mundo se indignem com suas mortes, sua dor e suas perdas, e se importam pouco com as mortes injustas que infligem a outros civis — frequentemente mulheres e crianças — por sua dor e perdas. A escalada da pressão sobre aqueles que mais sofrem sobrecarrega os engajados com a fúria, que, blindados pela armadura do justicialismo, tornam-se perpetradores de tantos abusos quanto os engajados. Também: feminicídios e assassinatos, sistemas culturais que pretendem defender certos sistemas de valores, mas confundem seu significado com sua aparência histórica, abusos e violência de vários tipos, relativismo ético, uma cultura de vazio interior e aparência que conduz gerações inteiras ao abismo da falta de sentido, de estados vorazes de ansiedade e depressão.
Dentro de nós: egocentrismo, narcisismo, hedonismo, individualismo, superficialidade e indignação passiva, o culto à gratificação instantânea, inveja, ganância, sede de poder e falta de noção de limites.
Se a morte de Deus teorizada por F. Nietzsche fosse seguida pela morte da humanidade teorizada por L. Zoja, eliminando o transcendente e o imanente, nos encontraríamos imersos na morte do sentido. Contudo, nem Deus nem a humanidade, nem com eles o sentido, estão mortos. Somente tomando consciência do mal dentro de nós poderemos garantir que o mal externo seja atenuado, e então seremos capazes de compreender que o eu não é autotélico, mas se refere ao seu Criador: recuperar uma ética da responsabilidade nos libertará do buraco negro das narrativas niilistas.
Guccini cantava com lúcida esperança que a nova era cultural de 1968 reacenderia a fé na humanidade, enxergando nesse compromisso a ressurreição de Cristo. Hoje, após a decepção histórica cíclica desses ideais, os novos desafios globais e os novos reequilíbrios políticos, as questões já não são prementes e urgentes, a ponto de muitos nem sequer as formularem, convencidos de um plano meramente horizontal, mas ansiando por uma ressurreição terrena cada vez mais premente.
Após Nietzsche, com o fim das grandes narrativas, o homem sem um Deus a quem pedir perdão cairia no abismo do desespero, destruído pelo seu próprio ego contaminado. Para Guccini, na desorientação geracional, emergiu o desejo de banir o mal presente no mundo, como se fosse algo externo à humanidade. Então, que novo humanismo poderá nascer se, ao negar Deus, o homem perdeu a sua identidade? Que a posteridade julgue...
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