03 Dezembro 2025
“Não ameacem nossa soberania, pois vocês despertarão a onça-pintada”, escreveu Gustavo Petro, presidente da Colômbia, na tarde de terça-feira, em resposta às declarações do presidente dos EUA, Donald Trump. Minutos antes, o presidente americano havia mencionado especificamente a Colômbia entre os países que poderia atacar para conter o narcotráfico. “Ouvi dizer que a Colômbia produz cocaína. Eles têm fábricas de cocaína e depois nos vendem [...]. Qualquer um que faça isso e venda em nosso país está sujeito a ataques”, declarou o republicano na terça-feira, em conversa com a imprensa, após concluir sua última reunião de gabinete de 2025. “Atacar nossa soberania é declarar guerra; não prejudiquem dois séculos de relações diplomáticas”, respondeu o presidente colombiano no Twitter, em uma troca de mensagens que marca um novo ponto de alta tensão em uma relação bilateral cada vez mais deteriorada.
A informação é de Juan Esteban Lewin, publicado por El País, 03-12-2025.
A ofensiva de Trump no Mar do Caribe e no Oceano Pacífico, onde o maior produtor mundial de cocaína possui litoral, já resultou em cerca de 80 mortes. Embora a Operação Lança do Sul tenha cessado seus ataques militares contra embarcações acusadas de transportar drogas ilegais, o governo Trump afirmou que isso se deve ao sucesso da operação e indicou que esse tipo de guerra intensificada contra as drogas entrará agora em uma nova fase. "Começaremos com ataques terrestres. Acabaremos com esses filhos da puta", disse ele, em uma ameaça que se estendeu ao país governado por Petro e que demonstra o nível de intervencionismo que, pelo menos em sua retórica e especificamente em relação à América Latina, um presidente que em seu primeiro mandato se caracterizou pelo isolacionismo começou a empregar.
E ele faz isso não apenas contra um regime ditatorial como o da Venezuela, mas também contra uma democracia como a da Colômbia. Isso é algo que Petro, orgulhoso de ser o que ele chama de primeiro presidente de esquerda eleito por seus compatriotas, vê como uma grande afronta, que ofusca a série de confrontos anteriores entre a superpotência continental e o líder do país que, por décadas, foi seu maior aliado na América do Sul.
O contexto é significativo. O conflito inicial sobre a recusa de Petro em receber um avião com migrantes acorrentados deportados por Trump, que escalou para uma declaração de guerra comercial resolvida em poucas horas graças a concessões colombianas, foi apenas um prelúdio. Após alguns meses de relativa calma — se é que se pode chamar assim um período de consultas liderado pelos EUA — durante os quais o republicano se concentrou em sua política tarifária ou na busca pela paz em Gaza ou na Ucrânia, a questão das drogas reacendeu as tensões em setembro, quando o governo dos EUA negou à Colômbia a certificação na luta contra as drogas pela primeira vez em três décadas.
A decisão não foi apenas um sinal de descontentamento, mas uma crítica direta ao presidente colombiano: “O fracasso da Colômbia em cumprir suas obrigações de controle de drogas no último ano se deve exclusivamente à sua liderança política”, diz o memorando da Casa Branca. “Eu não previ que o poder político nos EUA cairia nas mãos de amigos de políticos aliados a paramilitares”, respondeu Petro mais tarde, em uma observação dura que, embora retórica, teve pouco efeito prático.
Os confrontos, no entanto, passaram para questões mais práticas. Em mais uma demonstração de retórica, apenas 11 dias após a revogação do visto, Petro aproveitou sua visita a Nova York para a Assembleia Geral da ONU para participar de um protesto de rua contra a guerra em Gaza. Ele discursou e pediu aos soldados americanos que desobedecessem a Trump qualquer ordem para atacar os palestinos, o que lhe rendeu uma ação decisiva: o governo dos Estados Unidos revogou seu visto. Petro disse que não precisava do documento, mas a situação não terminou aí.
Em meados de outubro, Trump o rotulou de “chefão do narcotráfico que promove a produção em massa de drogas”, e seu governo anunciou o fim dos pagamentos e da ajuda à Colômbia, levantando o espectro de novas tarifas. Petro não se intimidou. “Não vou ceder, vou exigir. A Colômbia já cedeu tudo; não precisa ceder mais nada”, disse ele em entrevista ao jornalista Daniel Coronell. “Temos palavras, multidões e um povo pronto para lutar”, afirmou, em mais uma de suas respostas retóricas às medidas de Trump.
Em seguida, surgiu uma foto de uma reunião na Casa Branca mostrando um relatório com a imagem do presidente Gustavo Petro em uniforme de presidiário, o que levou a um breve confronto diplomático, rapidamente resolvido, e à crítica de Petro à proclamação de Trump de fechar o espaço aéreo venezuelano. O conflito, à medida que os Estados Unidos intensificavam sua guerra psicológica contra o regime de Nicolás Maduro, só piorou. A ameaça de Trump de ataques na Colômbia e a resposta de Petro escalaram o conflito verbal a ponto de chegar à retórica beligerante.
Nada sugere que essa seja uma consideração genuína. As forças armadas e as polícias dos dois países têm décadas de colaboração, principalmente em níveis técnicos e operacionais, e não políticos; os Estados Unidos se beneficiam da luta da Colômbia contra as drogas; e a Colômbia considera os Estados Unidos seu principal parceiro comercial. Mas os dois líderes reforçam sua retórica criticando-se mutuamente e, assim, se beneficiam do atrito. No entanto, a assimetria é clara. Petro é marginal aos olhos do presidente americano, que, apesar disso, tomou medidas concretas e poderia tomar outras. O presidente colombiano, por sua vez, fala em pleno período eleitoral sobre uma figura conhecida por todos os seus compatriotas e que tem uma imagem negativa, segundo pesquisas locais. O risco é que, ao fazer isso, ele esteja flertando com um Trump que não demonstrou receio de tomar decisões que possam prejudicar a Colômbia.
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