Copa do Mundo e crise climática: uma combinação confirmada

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28 Novembro 2025

“Um fantasma assombra a Copa do Mundo de 2026: o negacionismo climático. Isso é paradoxal, pois se há um lugar no mundo onde o impacto das mudanças climáticas no esporte está bem documentado, esse lugar é os Estados Unidos”. A reflexão é de Ana Laura de la Torre, em artigo publicado por Desinformémonos, 21-11-2025. A tradução é do Cepat.

Ana Laura de la Torre Saavedra é doutora em História pelo El Colegio de México e mestre em História Moderna e Contemporânea pelo Instituto Mora. É especialista em história do esporte e do Olimpismo e autora do livro Cruzadas olímpicas en la Ciudad de México: cultura física, juventud, religión y nacionalismo, 1986-1939 (Colmex, 2020).

Eis o artigo.

As questões ambientais se prestam, em uma ampla variedade de campos, à chamada “lavagem de imagem”, ou seja, ajudam a impulsionar a reputação de empresas e organizações sem gerar, de fato, qualquer impacto positivo. O mundo dos esportes, e o futebol em particular, também exibe essa faceta por meio de suas alegações pró-ambientais. Esse mecanismo, conhecido como sportwashing, é disseminado, visível e bem documentado.

Não é segredo – aliás, é um ponto enfatizado na publicidade – que os interesses dos combustíveis fósseis patrocinam o futebol, seja por meio de monarquias petrolíferas ou de empresas de gás russas. Ao mesmo tempo, a FIFA proclama seu compromisso com o meio ambiente por meio daquilo que tem sido chamado de políticas convenientemente ambíguas. Em outras palavras, seus dirigentes estabelecem metas deliberadamente cuja implementação ou mensuração são obscuras.

Por exemplo, em 2016, a FIFA se orgulhou de ser a primeira organização esportiva internacional a aderir à iniciativa Climate Neutral Now, lançada pelo secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Esse compromisso significa que, até meados do século, a organização será neutra em carbono em suas emissões de gases de efeito estufa.

A FIFA indicou então que reduziria as suas emissões nas Copas do Mundo subsequentes, ao mesmo tempo que “inspiraria maior consciencialização e as melhores práticas sustentáveis”. Mas mais tarde vieram as grandes campanhas de relações públicas e as toneladas de poluentes no Catar.

Toneladas de poluentes no Catar

A Copa do Mundo do Catar provou ser um completo exercício de lavagem de imagem. Contrariando toda a lógica pró-ambiental, envolveu a construção de instalações que exigiram uma infraestrutura sofisticada de ar condicionado. Além disso, sua organização gerou emissões consideráveis apenas com o transporte. Sem mencionar todas as acusações de exploração de mão de obra migrante.

A FIFA reconheceu que cerca de 3,6 milhões de toneladas de emissões de dióxido de carbono foram geradas durante a Copa do Mundo. Em seguida, divulgou anúncios alegando que a neutralidade de carbono havia sido alcançada. O Departamento Federal de Justiça da Suíça, após reclamações de países europeus, demonstrou que essa alegação era uma ilusão baseada em boatos e não em evidências. O órgão decidiu que as afirmações sobre o alcance das metas de sustentabilidade eram falsas, pois não havia provas que as sustentassem e os procedimentos para compensar os milhões de toneladas de emissões geradas não eram transparentes.

A Copa do Mundo de 2026 não apresentará diferenças significativas em relação ao que vimos há quatro anos. O fato de o evento acontecer em três países que compõem a terceira maior região do mundo, a América do Norte, fala por si só. Organizações ambientais têm apontado que a expansão de eventos como a Copa do Mundo para mais países também implica um aumento em sua pegada climática. Os dados falam por si: a competição envolverá um total de 48 seleções viajando por três países, com sedes a mais de 2.000 quilômetros de distância umas das outras.

O fantasma do negacionismo

Vale lembrar que um dos organizadores da Copa do Mundo, os Estados Unidos, já abandonou o Acordo de Paris, ou seja, o acordo internacional pelo qual os países se comprometeram a impedir que a temperatura suba mais de 1,5 grau até o final do século.

Assim, um fantasma assombra a Copa do Mundo de 2026: o negacionismo climático. Isso é paradoxal, pois se há um lugar no mundo onde o impacto das mudanças climáticas no esporte está bem documentado, esse lugar é os Estados Unidos. Em 2018, por exemplo, um importante torneio de futebol feminino na Universidade de Stanford teve que ser suspenso devido à má qualidade do ar causada por incêndios florestais.

Emergências desse tipo na Califórnia são agora tão comuns que algumas ligas decidiram monitorar a qualidade do ar durante as competições e cancelar as atividades quando a qualidade estiver tão ruim a ponto de colocar os atletas em risco. Isso inclui beisebol, basquete e futebol, que em 2020 tiveram que cancelar vários jogos após os devastadores incêndios florestais que atingiram o Centro-Oeste.

Da mesma forma, furacões e chuvas torrenciais mais frequentes destroem ou afetam gravemente instalações esportivas, como campos de futebol. Além disso, nos Estados Unidos, está documentado como as atividades associadas a competições de futebol afetam negativamente a qualidade do ar. É o caso dos churrascos em quintais, organizados na véspera dos jogos, que também contribuem para a má qualidade do ar.

As partículas que viajam pelo corpo

A poluição atmosférica é o maior problema de saúde do mundo: afeta igualmente países ricos e pobres. O aquecimento atmosférico, ligado às mudanças climáticas, eleva os níveis de ozônio em muitas regiões, o que, por sua vez, aquece o clima. Um triste ciclo vicioso.

É fato que atletas de alto rendimento, incluindo os jogadores de futebol, sofrem os efeitos da má qualidade do ar mais do que o cidadão comum. Como já mencionado, sua profissão está longe de ser imune aos impactos das mudanças climáticas, que se manifestam em tempestades, furacões, incêndios e temperaturas extremas. No entanto, o ativismo ambiental não é um ponto forte desse setor, ou recebe pouca atenção da mídia.

Estima-se que um jogador de futebol masculino corra até 13 km durante uma partida, enquanto as mulheres podem correr até 9 km. Durante esse tempo, seus corpos sofrem alterações fisiológicas; por exemplo, respiram e inalam ar em um ritmo mais acelerado, o que facilita o transporte de maiores quantidades de poluentes para as partes mais profundas do sistema respiratório. Em outras palavras, enfrentam maiores riscos à saúde.

A má qualidade do ar é resultado da queima de combustíveis fósseis. Portanto, é paradoxal que as empresas de petróleo e gás sejam aliadas da FIFA. Essa questão gerou descontentamento e reclamações em países europeus, onde os torcedores rejeitaram esse tipo de patrocínio.

A crise climática ao vivo

Já se discutem as estimativas do impacto das mudanças climáticas no futebol. Segundo a Climate X, plataforma que analisa os riscos em estádios, enchentes e ondas de calor extremas já representam grandes perigos. Isso inclui as sedes da Copa do Mundo de 2026.
Os estádios mais afetados são, e continuarão sendo, aqueles localizados em áreas costeiras e zonas de alta temperatura. Isso gerará um impacto financeiro de US$ 800 milhões até meados do século, que está logo ali.

Segundo o relatório Campos en peligro (Estádios em perigo), elaborado pela Football for Future e pela Common Goal, a Copa do Mundo de 2026 será a mais assistida e acontecerá em um contexto de crescente crise climática. Os relatórios alertam que 14 dos 16 estádios que sediarão o torneio já enfrentam condições climáticas desafiadoras e imprevisíveis, que variam de calor intenso a tempestades severas.

Essas condições só irão piorar com o tempo, e estima-se que, até 2050, jogar futebol nesses locais será impossível sem riscos à saúde. Os estádios com as projeções mais desfavoráveis são os de Miami, Houston, Dallas e Monterrey, considerados os mais vulneráveis em termos climáticos. Estima-se que o futebol não poderá ser praticado nesses locais por uma média de 100 a 160 dias devido às condições climáticas extremas.

Essas projeções também incluem os estádios para as Copas do Mundo de 2030 e 2034. É por isso que atletas ativistas climáticos estão exigindo medidas de adaptação tanto das autoridades de cada país quanto da FIFA.

Assim, será sob condições climáticas extremas, transmitidas ao vivo para milhões de telas ao redor do mundo, que a lavagem de imagem da FIFA será exibida em toda a sua absurda nudez e cinismo.

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