28 Novembro 2025
Ofuscado pela COP30, o anúncio da Islândia passou praticamente despercebido, recebendo pouca atenção política ou da mídia. Seu Ministro do Meio Ambiente, Energia e Clima confirmou que o potencial colapso da AMOC, uma das principais correntes oceânicas que regulam o clima global, agora representa uma "ameaça existencial" para o país e que, a partir de agora, esse risco será tratado como uma "questão de segurança nacional". "Esta é a primeira vez que um fenômeno climático específico é formalmente apresentado ao Conselho de Segurança Nacional como uma potencial ameaça existencial", admitiu ele à imprensa local.
A reportagem é de Andrés Actis, publicada por El Salto, 28-11-2025.
O governo, liderado pelo partido progressista, começou a avaliar quais pesquisas são necessárias para enfrentar essa ameaça e quais políticas de preparação para desastres a nova realidade climática exige. “Nossa resiliência está em jogo”, admitiu o Ministro Johann Pall Johannsson ao fazer esse anúncio. Seu ministério preparou um documento que descreve as consequências e os impactos da desaceleração da Circulação Meridional de Revolvimento do Atlântico (AMOC), que, segundo todas as evidências científicas, está diminuindo devido ao aquecimento global.
“Isso poderia significar um resfriamento local significativo na Islândia e no norte da Europa, ameaçando nossas condições de vida, enquanto a maior parte do planeta aqueceria consideravelmente. É claro que existe grande incerteza sobre a probabilidade de tal cenário se concretizar, mas certamente representaria uma ameaça muito séria para nós, islandeses”, afirma o relatório interno.
O que se sabe sobre o possível colapso da AMOC? Stefan Rahmstorf, um prestigiado oceanógrafo e climatologista alemão, um dos cientistas que mais estudou o estado e a projeção dessa corrente oceânica, explica que seu enfraquecimento é uma “evidência irrefutável” e seu possível colapso, “uma possibilidade” não tão distante.
Em maio, Rahmstorf ministrou uma masterclass sobre este tema na Universidade Autônoma de Madri (IFIMAC-UAM). "Minha conclusão é que a AMOC está enfraquecendo, que se trata de um ponto de inflexão no sistema climático cujo colapso desconhecemos, mas que os estudos mais recentes indicam que poderá ocorrer neste século", resumiu ele na apresentação.
Caso esse colapso ocorra, o norte da Europa experimentaria um resfriamento acentuado, enquanto outras regiões do planeta, incluindo o sul do continente (Espanha), veriam um aumento no aquecimento: “Mas acho que o que está relativamente claro é que, em geral, o norte da Europa tenderá a esfriar. E o sul da Europa aquecerá, o que significa que a diferença de temperatura em toda a Europa será muito maior.”
O que é certo — disse o cientista durante sua visita a Madri — é que um colapso dessa corrente "levará a eventos climáticos extremos sem precedentes na Europa", com impactos devastadores na cadeia alimentar, especialmente na agricultura e na pecuária.
O enfraquecimento da AMOC
Esse sistema de correntes é crucial para o clima porque transporta calor e sal (nutrientes) de forma eficiente através do oceano global. "É um fator importante nas mudanças climáticas passadas e muito provavelmente futuras", explica Rahmstorf.
A AMOC passou de um estado muito fraco para o seu estado atual com o fim da última era glacial, há 12.000 anos. A expansão e o desenvolvimento humanos devem-se, em parte, à reativação dessa corrente.
A evidência do enfraquecimento dessa corrente é a única "área fria" que existe hoje em um mapa-múndi que vem aquecendo de forma constante nas últimas décadas. Enquanto as costas da América do Norte experimentam um aquecimento excessivo, uma faixa que se estende do sul da Groenlândia e da Islândia até aproximadamente a latitude norte da Península Ibérica, ao largo da costa canadense, continua a esfriar.
Qual a explicação? Devido ao seu enfraquecimento, a AMOC está trazendo menos calor para o Atlântico Norte. O cientista explicou que a principal causa dessa desaceleração, atualmente em torno de 15%, é o aumento da precipitação em partes da região e o derretimento do gelo na Groenlândia e no Ártico. A água doce reduz a salinidade — a densidade da água — na superfície do oceano. Isso significa que menos água da superfície afunda, diminuindo o fluxo da corrente. "A menor salinidade da superfície em menos de 20 anos é outro forte indício de que a AMOC está desacelerando. Nada acontece drasticamente de uma vez. O que sabemos é que a AMOC está condenada e morrerá lentamente", concluiu Rahmstorf.
Preocupações científicas após a COP30
Com o (novo) triunfo do capital fóssil na cúpula climática em Belém — uma declaração sem qualquer menção à eliminação dos combustíveis que estão aquecendo o planeta —, Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam, e James Dyke, vice-diretor do Instituto de Sistemas Globais da Universidade de Exeter, dois outros cientistas de renome internacional, escreveram um artigo intitulado "O mundo perdeu a aposta climática: agora enfrenta uma nova e perigosa realidade".
Com o objetivo de limitar o aquecimento global médio a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, os eventos climáticos extremos que já estamos vivenciando, como secas, inundações, incêndios e ondas de calor, aumentarão em número e intensidade. A adaptação a esses eventos tornou-se um foco central das políticas climáticas em todos os países.
No entanto, a “nova realidade” traz outro perigo: pontos de inflexão nos principais sistemas regulatórios da Terra, como a AMOC (Circulação Meridional de Revolvimento do Atlântico), a floresta amazônica e as calotas polares da Groenlândia e da Antártida Ocidental, entre outros. “Isso se traduz em riscos existenciais para bilhões de pessoas. Não em um futuro distante, mas nos próximos anos, em caso de eventos extremos, e em décadas, em caso de pontos de inflexão”, alertam esses dois pesquisadores.
Essa “mudança ambiental” e seus respectivos ciclos de retroalimentação — o desaparecimento acelerado das florestas tropicais liberaria bilhões de toneladas de dióxido de carbono e aumentaria ainda mais as temperaturas — exigirão uma adaptação drástica e radical, embora não sem considerável sofrimento. A Islândia, que já se prepara para um possível colapso da AMOC (Circulação Meridional de Revolvimento do Atlântico), está mostrando o caminho.
Esse cenário de “Terra Estufa” — um termo cunhado por esses cientistas para descrever um mundo completamente desestabilizado — ainda é evitável. No entanto, exige ação imediata em escala global, um roteiro que, como refletido na COP30, o capitalismo se recusa a implementar. “A magnitude do sofrimento ainda depende em grande parte de nós”, concluem Rockström e Dyke.
O país, que antes dependia exclusivamente de combustíveis fósseis, já sofre com o caos climático
Em Teerã, capital do Irã, os efeitos das mudanças climáticas já são sentidos. A cidade sofre com uma seca quase crônica, uma das piores da história recente. A falta de chuva — cinco anos sem precipitação — não está apenas devastando a agricultura e causando uma crise alimentar, mas também gerando uma catástrofe humanitária de tal magnitude que levou o presidente do país, Masoud Pezeshkian, a considerar a evacuação da metrópole.
Com essa medida — o deslocamento de 10 milhões de pessoas — descartada, o presidente quer que Teerã deixe de ser a capital. A intenção é que a região costeira de Makran, ao sul, assuma esse papel, o que poderia “aliviar a superpopulação, a escassez de energia e o estresse hídrico de Teerã”, explicou Pezeshkian.
A “catástrofe ambiental” já está acontecendo, lamentou o presidente. O solo em Teerã está afundando e o abastecimento de água está diminuindo a cada dia. Diante dessa situação, Pezeshkian pediu a cooperação de todos os partidos políticos para evitar um “futuro sombrio”. “Proteger o meio ambiente não é brincadeira. Ignorá-lo pode ser a causa de nossa própria destruição.”
O Irã sofre com uma seca extrema há cinco anos devido ao aumento das temperaturas. O outono costuma ser chuvoso, mas não caiu uma única gota de chuva em Teerã nesta estação. Em 2025, o índice pluviométrico na capital atingiu seu nível mais baixo em um século.
A principal barragem, localizada no rio Karaj, um dos cinco reservatórios que abastecem a capital, está secando. Segundo as autoridades locais, ela contém apenas 14 milhões de metros cúbicos de água, um nível criticamente baixo. No mesmo período do ano passado, o reservatório armazenava 86 milhões de metros cúbicos. Agora, a quantidade de água disponível é suficiente para abastecer a região de Teerã por menos de duas semanas.
“Diversos fatores deixaram a cidade despreparada para a seca atual, incluindo o crescimento populacional, a má gestão da água e as sanções, mas o rápido aquecimento climático só agrava os problemas”, explica Robert Rohde, cientista da Berkeley Earth. Seu tweet inclui um gráfico que mostra o aumento da temperatura no Irã, que já ultrapassou 2°C em comparação com os níveis pré-industriais.
Em sua mais recente declaração pública, o presidente reconheceu que, se a seca persistir além do final do ano, o abastecimento de água em Teerã terá que ser racionado, uma medida que pode se mostrar insuficiente. "Mesmo que racionemos a água e ainda não tenha chovido até lá, ficaremos sem água." Enquanto Pezeshkian fazia esse alerta, seu vice-presidente, Shina Ansari, se reunia em Belém com representantes de outros países produtores de petróleo para definir uma estratégia de boicote à eliminação gradual dos combustíveis fósseis.
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