Clima. O colapso da Circulação Meridional do Atlântico é muito mais provável do que se previa

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04 Setembro 2025

Enfraquecida pelas mudanças climáticas, a AMOC (Circulação Meridional do Atlântico) teria muito mais probabilidade de estancar do que o esperado, alerta um novo estudo. Um evento literalmente assustador, pois faria com que as temperaturas na Europa caíssem para -30°C.

A reportagem é de Sophie Kloetzli, publicada por Usbek & Rica, 03-09-2025. A tradução é do Cepat.

Este é um dos pontos de inflexão mais temidos pelos climatologistas. Por uma razão muito simples: importante corrente oceânica, a AMOC (mais precisamente, a “Circulação Meridional do Atlântico”) é um regulador climático crucial. Às vezes comparada a uma vasta correia transportadora, ela transporta águas tropicais quentes para a Europa e o Ártico. Lá, as correntes de superfície esfriam e mergulham nas profundezas antes de retornar ao hemisfério sul... e iniciar um novo ciclo.

A AMOC proporciona um clima temperado na Europa e chuvas nos trópicos. Além disso, esse complexo conjunto de correntes — incluindo a Corrente do Golfo — facilita a absorção de CO2 e o fornecimento de oxigênio aos oceanos. O problema é que esse equilíbrio vital está cada vez mais ameaçado pelas mudanças climáticas, que, ao aquecer as águas dos polos, as tornam menos densas e, portanto, menos pesadas. Consequentemente, elas têm mais dificuldade para mergulhar, e todo o circuito fica mais lento. Um fenômeno agravado pelo degelo da Groenlândia está aumentando o fluxo de água doce para o Atlântico, tornando a água menos rica em sal e, portanto, também mais leve.

Até aqui, nada de particularmente novo: cientistas vêm alertando há anos sobre os riscos de uma desaceleração da AMOC. Em 2018, um estudo mostrou que a corrente estava em seu nível mais baixo em 1.600 anos. Eventualmente, ela pode até parar completamente. Se isso acontecesse, teria efeitos “irreversíveis” e “devastadores” nas sociedades humanas, alertaram 44 cientistas em carta aberta ao Conselho Nórdico de Ministros, enfatizando que o perigo foi “subestimado” pelo IPCC, que considera pouco provável a possibilidade de um colapso da AMOC até o final do século.

Resultados “alarmantes”

Publicado na revista Environmental Research Letters em 28 de agosto, um novo estudo, infelizmente, prova que eles estavam certos. Ao executar os modelos climáticos listados pelo projeto CMIP6 até 2300 e 2500, essa equipe internacional de pesquisadores descobriu que o ponto crítico que tornaria a parada da AMOC inevitável tinha boas chances de ser alcançado nos próximos 10 a 20 anos. O colapso total da corrente ocorreria 50 a 100 anos depois, em algum momento do próximo século.

O cronograma para a catástrofe, é claro, depende dos níveis futuros de emissão de gases de efeito estufa. No pior cenário, em que as emissões continuam a aumentar, 70% dos modelos previram um colapso da AMOC. Se as emissões de gases de efeito estufa diminuírem, “apenas” 25% dos modelos nos levam ao fim da AMOC. O que já é muito.

Esses resultados são “bastante alarmantes, porque eu costumava dizer que o risco de colapso da AMOC devido ao aquecimento global era de 10%”, disse ao Guardian o professor Stefan Rahmstorf, do Instituto para Pesquisa de Impacto Climático de Potsdam, na Alemanha, coautor do estudo. Seu colega Sybren Drijfhout, do Instituto Real de Meteorologia dos Países Baixos, não é mais tranquilizador. “As observações no Atlântico Norte profundo já mostram uma tendência de queda nos últimos cinco a dez anos, o que está em linha com as projeções dos modelos”, alerta.

Em maio de 2025, um estudo publicado na Nature também destacou uma mancha de água fria (cold blob) ao sul da Groenlândia, um sinal, segundo seus autores, de que as águas não estão afundando tão rápido quanto deveriam. E, portanto, que a AMOC está enfraquecendo mais rápido do que o esperado.

“Tensões geopolíticas”

Os efeitos das mudanças climáticas nem sempre são o que imaginamos. No cenário de uma parada da AMOC, a França, em vez de sufocar o dia todo, experimentaria... uma forte onda de frio. De acordo com o estudo publicado na Environmental Research Letters, esse fenômeno de fato levaria a um “esfriamento severo” da Europa Ocidental (devido a uma redução de mais de 80% no transporte de calor no ar).

“A Europa ficaria irreconhecível em relação ao que é hoje”, alertou o climatologista britânico David Thornalley, coautor do estudo publicado na Nature, em coluna publicada no Daily Mail. As temperaturas poderiam chegar a -30°C na Escócia. “Veríamos um número considerável de refugiados climáticos e as tensões geopolíticas se intensificariam”, acrescentou. O Velho Continente também veria suas precipitações caírem e, com elas, sua produção agrícola.

Na África Ocidental e no Sul da Ásia, regiões fortemente dependentes da agricultura de subsistência, os volumes anuais de chuva poderiam ser reduzidos em 20 a 30%, segundo estimativas de outros estudos. A cereja do bolo é que o fenômeno adicionaria 50 cm à já significativa elevação do nível do mar (+1,1 metro até 2100 no cenário pessimista do IPCC, com um risco de 5% de atingir +2,38 metros).

Embora seja improvável que esse cenário sombrio, digno de O Dia Depois de Amanhã, em que o bloqueio total da Corrente do Golfo desencadeia uma série de catástrofes na costa americana, ocorra neste século, esse “problema” não diz respeito apenas às gerações futuras distantes. “O oceano já está mudando”, enfatizou Jonathan Baker, do Met Office Hadley Centre, do Reino Unido. “Mesmo que um colapso seja improvável, espera-se um enfraquecimento significativo, o que por si só poderia ter consequências graves para o clima europeu nas próximas décadas. Mas o futuro da circulação atlântica ainda está em nossas mãos”.

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