21 Setembro 2024
Uma pesquisa reúne 205 contratos de patrocínio ativos entre os maiores responsáveis pela aceleração das mudanças climáticas e a indústria do desporto no valor de mais de 5 bilhões de euros.
A reportagem é de Pablo Rivas, coordenador de Clima e Meio Ambiente no El Salto, publicada por El Salto, 18-09-2024. A tradução é do Cepat.
“O esporte desperta paixões. A música, emoções”. A frase foi escrita em 2022 por María Lacasa, que desde junho passado ocupa o cargo de Diretora Geral de Comunicação da Endesa, a segunda colocada no ranking das maiores empresas emissoras de gases de efeito estufa na Espanha, ranking liderado pela Repsol. O texto continua: “São afirmações inegáveis compartilhadas por todos. A Endesa sabe disso e, por isso, a sua estratégia de patrocínio centra-se em ambos os territórios”.
Os tentáculos do greenwashing, a lavagem verde das empresas mais poluentes e emissoras de gases de efeito estufa, são longos e variados. Festivais de música, programas de televisão, transmissões no Twitch, eventos culturais... Qualquer área serve para tentar oferecer uma imagem positiva das empresas que mais contribuem para a aceleração das mudanças climáticas que afetam toda a humanidade. E o esporte não é exceção.
O think tank independente New Weather Institute publica nesta quarta-feira um relatório no qual apresenta números sobre o que descreve como a lavagem desportiva da indústria dos combustíveis fósseis, ou seja, a lavagem facial por parte destas empresas para limpar a sua imagem através do esporte. As suas conclusões indicam que os grandes emissores de gases de efeito estufa já assinaram contratos de patrocínio relacionados com o desporto no valor de pelo menos 5,6 bilhões de dólares.
“As empresas de combustíveis fósseis estão tentando associar o seu produto, cuja poluição do ar por si só mata mais de cinco milhões de pessoas por ano, ao imenso capital social do esporte e aos impactos positivos na saúde”, afirma a equipe responsável pelo estudo publicado esta quarta-feira. “Eles fazem isso pelas mesmas razões pelas quais as empresas de tabaco patrocinaram o esporte antes de ele ser amplamente proibido”.
A pesquisa reuniu um total de 205 acordos ativos em múltiplas competições esportivas. Se não for surpreendente que estes tipos de conglomerados da indústria fóssil patrocinem esportes como a Fórmula 1 ou o motociclismo, a realidade é que poucos esportes são poupados, do golfe ao críquete, aos esportes de neve ou ao rugby.
O esporte que mais movimenta dinheiro no planeta é o futebol, com cerca de US$ 500 bilhões anuais, segundo estimativas da consultoria Deloitte. Não é por acaso que é nesta área onde as petroleiras, as produtoras de gás e as grandes poluidoras investem mais na lavagem esportiva, como indica o relatório intitulado Dinheiro sujo: como os patrocinadores de combustíveis fósseis contaminam o esporte.
De um total de 205 acordos ativos, os números reunidos apontam para 58 na indústria do futebol, no valor de 995 milhões de dólares; seguida pelo esporte motorizado, com 39 acordos e 2.189 bilhões; rugby, com 17 contratos e 65 milhões; e golfe, com 15 contratos e 210 milhões de dólares.
Os patrocínios, além de times de futebol, ligas e espaços publicitários nos estádios e todo tipo de merchandising, chegam também aos próprios atletas. “O patrocínio de indivíduos tornou-se parte integrante da estratégia de qualquer empresa e, no caso das maiores estrelas, pode ser uma prioridade maior do que o apoio a um clube ou equipe”, afirma o documento.
“Estrelas como Cristiano Ronaldo, Lionel Messi, Tyson Fury e Anthony Joshua foram recrutadas com sucesso para passar uma temporada no Oriente Médio como parte de acordos de patrocínio”, aponta o New Weather Institute. O capitão argentino cobrou 25 milhões de dólares por três anos da campanha Visit Saudi e já assinou em 2020 um contrato para ser a cara de uma petroleira: a argentina YPF. Embora se deva que dizer que a união de personalidades esportivas com marcas de indústrias relacionadas com as mudanças climáticas não é nova. O tenista Rafa Nadal promove a marca de automóveis Kia há quase 20 anos, tornando-se a imagem da empresa desde 2006.
Além de Nadal, na Espanha, os patrocínios de atletas e competições de empresas altamente poluentes estão na ordem do dia. A Endesa é uma das que leva a palma: a Liga Endesa, a Liga Feminina Endesa, a Supercopa Endesa, a Supercopa LF Endesa, a Copa da Rainha LF Endesa e a Copa do Rei são competições onde a empresa de energia aplica o seu dinheiro para associar-se à sua imagem. A Repsol, por sua vez, patrocinará a seleção peruana de futebol até 2026, um patrocínio que colocou em pé de guerra os grupos ambientalistas e as populações costeiras do país mais afetadas pelo desastre da refinaria La Pampilla em 2022. Seus patrocínios no Moto GP ou na Fórmula 1 são bem conhecidos.
Os petrodólares dos estados do Golfo Pérsico, e em particular da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos, do Qatar e do Bahrein, são um dos pontos que os responsáveis pelo estudo mais pesquisaram devido às enormes somas de dinheiro que eles e as suas empresas investiram em lavagem de imagem verde. Estes estados investiram pelo menos 4,5 bilhões de dólares em clubes e ligas esportivas apenas entre 2020 e 2023 e os seus fundos provêm principalmente das suas empresas dedicadas à indústria do petróleo e derivados.
No caso da Arábia Saudita, estamos falando da empresa estatal de petróleo, gás e petroquímica Aramco, a mais rentável do mundo e a maior emissora de gases de efeito estufa do planeta. Tanto que se fosse equiparada a um país seria a quinta maior emissora do planeta.
A Aramco, aliás, lidera o ranking de patrocínios esportivos feito pelo think tank. Assinou contratos de pelo menos US$ 1,3 bilhão. Seguem-se a petroquímica britânica Ineos, a francesa TotalEnergies e a holandesa Shell, que juntamente com a estatal saudita completam o que o New Weather Institute chama de Big Four do patrocínio esportivo petrolífero.
Desde 2016, a Arábia Saudita acolheu vários eventos esportivos internacionais. “Já conseguiu 85 grandes eventos, incluindo a recente parceria plurianual com a Associação de Tênis Feminino (WTA) para sediar suas finais de 2024 a 2026, as finais de um torneio de futebol renovado da Liga dos Campeões da Ásia, os Jogos Asiáticos de 2034, a Copa Asiática de 2027, os Jogos Asiáticos de Inverno de 2029 e sua candidatura à Copa do Mundo de Futebol de 2034”, denuncia o relatório.
A apresentação do estudo coincide com a Cúpula do Futuro da ONU, que se realiza entre 20 e 23 de setembro, e está ligada a uma conhecida proposta do seu secretário-geral. “Exorto todos os países a proibirem a publicidade de empresas de combustíveis fósseis. E peço às empresas de comunicação social e de tecnologia que parem de aceitar publicidade de combustíveis fósseis”, disse António Guterres em junho passado.
Para a equipe de pesquisa, embora os governos devam definir os parâmetros e o ritmo da eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, todos os setores e partes da sociedade devem desempenhar um papel ativo para acabar com a era dos combustíveis fósseis, “incluindo o esporte”. “Sendo o setor global mais popular para participar e observar, o esporte tem uma enorme oportunidade de contribuir para o ritmo da mudança, reduzindo a licença social das empresas de combustíveis fósseis”, acrescenta.
Por esta razão, defendem a introdução de proibições semelhantes às do tabaco no patrocínio destas empresas, bem como a procura e promoção de fontes de financiamento mais sustentáveis no patrocínio esportivo. Além disso, exigem “total transparência nos dados de emissões dos patrocinadores e nas medidas tomadas para reduzir as emissões (diretas e indiretas), e que estas sejam compatíveis com os objetivos climáticos internacionais baseados na ciência”, bem como “realizar a devida diligência no histórico de qualquer potencial doador em matéria de mudanças climáticas, excluindo contribuições daqueles que não estejam em conformidade com os objetivos do Acordo de Paris.
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De Messi a Nadal: ‘sportswashing’ para lavar a cara do petróleo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU