13 Agosto 2024
Recordes de calor em julho, dados do Deter e incêndios no Pantanal são alguns dos destaques
As informações são publicadas pela Newsletter de Observatório do Clima, 24-06-2024.
Mais uma vitória para Marina Silva na Olimpíada da redução do desmatamento. A área de alertas de destruição medidos pelo sistema Deter, do Inpe, teve uma queda de 46% em 2024 e é a menor da série histórica iniciada em 2016. Se o VAR do Prodes, o sistema que dá a taxa oficial de desmatamento, confirmar a tendência em novembro, a ministra conquistará o bicampeonato. Mais ainda: se a queda do Prodes for da mesma magnitude da do Deter, é possível que o Brasil cumpra já em 2024 a meta de redução de gases de efeito estufa prometida para 2025 no Acordo de Paris. A conferir.
Como toda grande trajetória olímpica, a corrida pela redução do desmatamento é uma história de superação. Ela acontece apesar de Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e a bancada ruralista, em tabelinha com a articulação política do governo Lula, tentarem aprovar pelo menos 25 projetos de lei e três PECs arrasando a proteção socioambiental no País; apesar da surreal “conciliação” proposta por Gilmar Mendes contra os direitos constitucionais dos povos indígenas, guardiões da floresta; apesar das pressões do próprio governo pela pavimentação da BR-319 sem salvaguardas ambientais adequadas; e apesar de uma greve do Ibama que se arrasta há meses e já ameaça o sonho do tri em 2025, ano da COP30.
Nesta edição, falaremos dos dados do Deter e contaremos por que eles precisam ser celebrados com cautela; dos incêndios no Pantanal, que voltaram com tudo com o aumento da temperatura no Centro-Oeste nas últimas semanas; e dos recordes de calor de julho, que estão tirando o sono da comunidade científica porque não há aparentemente nada que os explique, além do aquecimento global em overdrive.
Nossa solidariedade às famílias das vítimas do voo 2283.
A área de alertas de desmatamento em 2024 na Amazônia Legal foi a menor já medida pelo sistema Deter-B, do Inpe: 4.314 km2, uma queda de 46% em relação ao ano passado. O número é medido nos 12 meses de agosto do ano passado a julho deste ano. E é um forte indicativo de que a taxa oficial de desmate, a ser anunciada em novembro, verá a segunda queda consecutiva no governo Lula 3.
Mas convém não beber muita champanhe na comemoração.
Primeiro, porque o Cerrado, bioma mais rapidamente devastado do Brasil, sofre realidade inversa à da Amazônia: ali os alertas de desmatamento foram os maiores da série iniciada em 2018, com 7.015 km2, uma alta de 9% em relação ao ano passado – que já era o recorde das medições do Deter-B.
Segundo, porque a redução na Amazônia é obra não de uma ação transversal do governo Lula, como prometido, mas do voluntarismo quase solitário de órgãos como o Ministério do Meio Ambiente e a Polícia Federal. Parte do Executivo, o Congresso e agora até mesmo o Judiciário jogam contra o PPCDAm, o plano de controle do desmatamento instituído por Marina Silva e em tese chefiado por Ruy Costa, da Casa Civil.
Auxiliares e aliados do presidente também parecem dispostos a sabotar permanentemente o controle do desmate ao forçarem a pavimentação da BR-319 (Manaus-Porto Velho) sem condicionantes ambientais críveis e com base em uma licença prévia ilegal dada pelo governo Bolsonaro (e suspensa pela Justiça no mês passado). A 319 corta a região mais preservada da floresta e seu asfaltamento tem potencial de causar a emissão de 8 bilhões de toneladas de CO2 por desmatamento nas próximas décadas, quatro vezes mais do que o Brasil inteiro emite por ano.
Sem resolver a greve do Ibama, que tem limitado sua atuação em campo desde o começo do ano, o governo também encara um viés de alta no desmatamento que pode se reverter em problemas no restante da estação seca deste ano: no mês de julho houve um crescimento de 33% (de 500 km2 para 666 km2) nos alertas de corte de floresta, o que pode ser consequência da retirada da fiscalização.
Um estudo publicado na quinta-feira (8) pela Rede Mundial de Atribuição (WWA, na sigla em inglês) aponta que as condições quentes e secas que agravaram os incêndios no Pantanal brasileiro em junho, mês que costumava ter poucas queimadas, foram cerca de 40% mais intensas e de quatro a cinco vezes mais prováveis por causa das mudanças climáticas. O fogo diminuiu durante alguns dias durante julho, mas logo voltou a se fortalecer. Até sexta-feira (9), 1,4 milhão de hectares foram queimados. Há o risco de 2020, ano recorde de queimadas no Pantanal com 3,9 milhões de hectares destruídos, ser superado. O pico de incêndios é em setembro e a região continua com projeção de seca severa.
Na última quinta-feira (8/8), o observatório climático europeu Copernicus divulgou os dados de temperatura do mês de julho: com temperatura média de 16,91ºC, o mês passado foi o segundo mais quente da história, só perdendo para julho de 2023, e teve os dois dias mais quentes da história recente. Apesar de encerrar a sequência de 13 meses consecutivos de temperaturas recordes, a média de julho de 2024 ficou apenas 0,04ºC abaixo da média do ano anterior. Já os dados da Nasa, divulgados ontem (9/8), confirmam a tendência, mas com uma pequena variação. Há um “empate técnico”, mas os registros mostram um julho de 2024 um pouco mais quente que julho de 2023.
Além da onda de calor que atingiu o Mediterrâneo – e fez atletas olímpicos recorrerem a coletes de gelo para competir na canoagem –, o mês teve calor recorde no Japão, na China e no Bahrein, e temperaturas típicas de verão em pleno inverno da América do Sul. Como destacou o climatologista Carlos Nobre em entrevista ao Globo, a ciência não consegue explicar as atuais temperaturas. “O clima rasgou o Acordo de Paris”, declarou o pesquisador. A entrada em agosto marca a “hora da verdade” apontada pelo climatologista britânico Gavin Schmidt, chefe do Centro Goddard de Estudos Espaciais, da Nasa: em janeiro deste ano, em artigo de opinião na Nature, ele disse que, caso o clima não se estabilizasse a partir deste mês, com o fim do El Niño, estaríamos vivenciando a entrada em um “território desconhecido”, com a crise do clima empurrando o sistema climático a operar de maneira fundamentalmente diferente do que se sabe até hoje.
“Tivemos agora o fim de uma série de 13 meses em que cada mês foi o mais quente para o respectivo mês do ano e o fim de um período de 12 meses em que a anomalia em relação ao período pré-industrial ficou em 1.5°C ou acima. Mas, apesar de julho de 2024 ter ficado um pouco abaixo disso (com 1.48°C), ainda é bastante próximo. O fato é que, desde 2023, temos uma média muito alta e, neste momento, as chances de 2024 ultrapassar 2023 são muito grandes. A barra foi muito elevada. Realmente, vamos ter que esperar para ver o que acontece, e agosto já deve nos dar uma ideia”, disse Karina Lima, doutoranda em climatologia pela UFRGS.
Aconteceu na semana passada a primeira audiência pública de conciliação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei 14.701/2023. A lei do genocídio indígena, como é chamada pelos povos originários, foi aprovada pelo Congresso em dezembro do ano passado, em desafio ao STF. Em setembro, a Suprema Corte derrubara a tese do Marco Temporal, um dispositivo praticamente inviabiliza novas demarcações de terras indígenas e consta da Lei 14.701/23.A audiência reuniu representantes do Congresso, dos partidos políticos que questionam a Lei no STF, do governo, dos povos indígenas, dos estados e dos municípios. No entanto, como denunciou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o processo foi marcado por violações. Representantes indígenas foram impedidos de entrar no local e a principal reivindicação dos povos originários – de que a lei seja suspensa até o final das discussões – não foi atendida. A Apib informou que vai avaliar sua retirada da câmara de conciliação.
Empresas de combustíveis fósseis têm patrocinado uma campanha intensa de desinformação para atrasar a adoção de energias renováveis pelos países e a eliminação gradual dos fósseis, como decidido na COP28. Segundo o secretário-geral assistente da ONU, Selwin Hart, a indústria alimenta uma narrativa de “reação” à ação climática, tentando convencer líderes a atrasar o corte de emissões de gases de efeito estufa, contou o Guardian. Hart afirmou que a percepção sobre uma rejeição generalizada à ação climática reflete principalmente os discursos difundidos pela indústria, e não a opinião da sociedade. Uma pesquisa conduzida pela ONU mostrou que 72% da população mundial defende uma “transição rápida” e medidas para reduzir as emissões.
Já parou para pensar na relação do hambúrguer, cavalo Caramelo, bilionários, mercado de luxo, Cristiano Ronaldo e Taylor Swift com as mudanças climáticas? Há uma ligação forte, e uma série de vídeos do Observatório do Clima com especialistas explica isso. O hambúrguer de carne bovina, por exemplo, está ligado ao desmatamento causado em grande parte pelo setor agropecuário. A principal fonte de emissões de gases de efeito estufa no Brasil é justamente o desmatamento. O salário atual do jogador de futebol Cristiano Ronaldo vem do petróleo, grande emissor de gases poluentes. Ele joga no Al-Nassr, da Arábia Saudita, o segundo maior produtor de petróleo do mundo. A cantora Taylor Swift polui, em um ano, o que nós demoraríamos 1800 anos para poluir. O problema é que, enquanto ela viaja para todo lado em um jatinho particular e poluente, as comunidades vulneráveis, que quase não poluem, são as mais prejudicadas pelos eventos climáticos extremos. Falta justiça climática, né? Confira a série completa no Instagram ou no YouTube.
“Nosso modo de lutar”, documentário lançado ontem (9/8), Dia Internacional dos Povos Indígenas, traz a perspectiva de três cineastas mulheres indígenas sobre o Acampamento Terra Livre. A realização é de Francy Baniwa, Kerexu Martim e Vanuzia Pataxó, da Rede Audiovisual das Mulheres Indígenas, em colaboração com o Programa Povos Indígenas no Brasil do Instituto Socioambiental (ISA).
E você vai querer morar nesse vídeo do concerto caseiro da baixista americana Esperanza Spalding com Milton Nascimento, gravado na sala de estar do deus mineiro no Rio.
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No mês mais quente da história humana, “o clima rasgou o Acordo de Paris” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU