27 Novembro 2025
Carla Teixeira alerta que punição de Bolsonaro e militares é inédita, mas não é 'bala de prata' contra golpismo.
A reportagem é de Adele Robichez e Raquel Setz, publicada por Brasil de Fato, 26-11-2025.
A prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de quatro militares envolvidos na trama golpista representa um momento inédito da história republicana, mas está longe de encerrar o ciclo de interferência militar na política brasileira, na avaliação da historiadora Carla Teixeira.
Professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e coautora da obra Ilegais e Imorais: Autoritarismo, interferência política e corrupção dos militares na história do Brasil, ela conversou com o BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, nesta quarta-feira (26).
Segundo Teixeira, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) é histórica porque é a primeira vez que militares de alta patente são condenados pela Justiça civil por crimes contra a democracia. Mas isso não representa uma ruptura estrutural. “É um evento marcante, mas não é uma bala de prata”, declarou.
A historiadora reforçou que a prisão de generais não significa que as Forças Armadas abandonaram o golpismo. Ela argumentou que a tentativa de ruptura fracassou não pela ação dos militares, mas pela falta de apoio empresarial e midiático, “O que faltou para esse golpe dar certo foi combinar com o restante da burguesia. O golpe não teve essa articulação, por isso deu errado”, avaliou.
Bolsonaro era, na análise da professora, “um instrumento de retorno das Forças Armadas ao poder”, e não o contrário. “É uma grande falácia dizer que o Bolsonaro usou as Forças Armadas. Ele é um filhote dos quartéis”, caracterizou.
Para a Teixeira, o Brasil ainda vive sob a lógica militar do “inimigo interno”, alimentada pela ideologia ultraconservadora que ganhou espaço nas Forças Armadas. “Os militares brasileiros são muito alinhados à ideologia estadunidense. A função deles é cuidar da questão interna, combater professores, jornalistas, movimentos populares”, disse.
A historiadora alertou ainda que a prisão dos generais pode, paradoxalmente, enterrar o debate sobre uma reforma profunda das Forças Armadas, ao permitir que a corporação se isente dos crimes cometidos. “Eles separam o CPF do CNPJ. Mas quem agiu não foi Heleno, foi o general Heleno. Quem agiu não foi o Garnier, foi o almirante Garnier”, criticou.
Sem reforma, risco de golpe continua
Sem uma reforma profunda nas estruturas do militarismo no Brasil, ela acredita que o país continua exposto a novos surtos golpistas. “A reforma fica para as calendas. O problema é se o golpe vier antes, e pode ser que venha”, avalia.
Mesmo diante desses desafios, Teixeira diz enxergar avanços. “A prisão mostra que já caminhamos muito e precisamos reconhecer esse caminho para seguir adiante.”
Teixeira não vê indícios de que o atual governo Lula (PL) vá enfrentar essa agenda. Para a historiadora, o Executivo está politicamente imobilizado. “Como é possível que o ministro da Defesa [José Mucio], que defendeu os acampamentos golpistas, se mantenha no cargo? Isso só se explica pela ascendência dos militares sobre os civis”, apontou.
Ela defendeu que deveriam estar na mesa de debate a demissão do ministro da Defesa, José Múcio; a redução do número de oficiais; o fim da Justiça Militar; a revisão completa da educação militar; questionamento dos privilégios e das estruturas paralelas das Forças Armadas; e a extinção do batalhão de operações especiais conhecido como “kids pretos”.
Na avaliação da professora, a democratização do Brasil precisa romper o ciclo histórico de tutela militar. “O Brasil precisa se democratizar. Não dá para seguir com as Forças Armadas atuando para bater em pobre, preto, movimento social e professor”, defendeu.
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