26 Novembro 2025
Com 4 milhões de deslocados internos, 6 milhões de refugiados no exterior, mais de 3 milhões de pessoas em territórios ocupados pela Rússia, quase quatro anos após o primeiro míssil atingir a Ucrânia, os planos em discussão "não mencionam o destino das pessoas".
A reportagem é de Nello Scavo, publicada por Avverine, 25-11-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em Kiev, onde se respira uma mistura de expectativa e desencanto, e se checa nos celulares se há ataques em andamento, ninguém está mais qualificado para falar sobre isso do que Olexandra Matviichuk. Quando foi receber o Prêmio Nobel da Paz em 2022, fez uma pergunta: "Como podemos restaurar significado aos direitos humanos?" E essa continua sendo a pergunta que guia suas reflexões nos dias em que as negociações se tornam cada vez mais intensas. "O povo ucraniano sonha com a paz e a deseja mais do que qualquer parceiro internacional. Todos os esforços diplomáticos para alcançá-la são importantes e apreciados", observa ela. “O importante é que levem à paz."
Ninguém sabe exatamente quantos são os mortos. Mas os vivos conversam entre si como sobreviventes que precisam garantir um dia a mais. "Qualquer plano", sugere Matviichuk, "deve responder a pelo menos duas perguntas. Primeira: 'Este plano é capaz de parar a guerra?' Segunda: 'Qual o lugar da dimensão humana no plano?'"
A lista de questões não resolvidas pelos entraves das negociações é um lembrete de como tem sido o conflito até agora, quais crimes foram cometidos e como estes afetarão não apenas o futuro de um país.
"A questão das crianças ucranianas deportadas, dos prisioneiros de guerra e dos civis detidos ilegalmente, a proteção da vida, da segurança, da liberdade religiosa, da propriedade e de outros direitos de milhões de pessoas sob ocupação", resume Olexandra Matviichuk enquanto viaja entre a Ásia e a Europa, sempre lembrando que os direitos humanos não podem ser pisoteados, mesmo quando se está sentado em uma mesa de negociações. Na primeira proposta estadunidense, fortemente suspeita de ser uma lista de compras apresentada por Moscou e adotada pelo enviado do EUA Witkoff, "não há nenhuma menção ao destino das pessoas." Mas também na nova versão revisada com a pressão europeia — e que Moscou considera atualmente "não construtiva" — os seres humanos não são a principal preocupação.
Enquanto os líderes europeus se reuniam para analisar o plano proposto pela Casa Branca e parcialmente desacreditado pelo Secretário de Estado estadunidense, Marco Rubio, pelo menos seis pessoas foram mortas e 36 ficaram feridas em ataques russos realizados com 162 drones, 125 dos quais interceptados e abatidos pelo fogo antiaéreo, que não conseguiu impedir explosões sobre 15 áreas habitadas. De acordo com diversas fontes das forças armadas, incluindo militares na linha de frente, as forças russas estão tentando empurrar as tropas ucranianas da margem leste do rio Oskil para o setor de Kupiansk, na linha do front de Kharkiv, no nordeste da Ucrânia. A situação nos assentamentos de Kupiansk "permanece inalterada", explica um oficial. "Inalterada" significa "complicada". "Há uma verdadeira pressão, mas não é fácil para o inimigo invadir", explica um porta-voz militar. Nos últimos dois dias, a Rússia declarou ter conquistado mais três aldeias no leste da Ucrânia: Petrivske, na região de Donetsk, Tikhe e Otradne, na região de Dnipropetrovsk.
Kiev luta para manter o controle de pontos estratégicos no front oriental, onde os soldados russos, graças à sua superioridade numérica, estão ganhando terreno. O regimento das Forças de Operações Especiais atacou posições russas na direção de Pokrovsk, informou o comando, sem, no entanto, fornecer a localização exata ou os tempos da operação. Nas mesmas horas, drones ucranianos atacaram uma fábrica de produtos químicos na Crimeia ocupada. Segundo estimativas da ONU, aproximadamente 6 milhões de ucranianos viviam nos territórios conquistados. Quase metade fugiu no início da agressão. Pelo menos 3 milhões permanecem presos, e tudo o que se sabe sobre eles é que vivem em um estado policial.
É por isso também que, segundo a ganhadora do Prêmio Nobel Matviichuk, o que Moscou exige e o que os negociadores correm o risco de conceder "viola a Carta das Nações Unidas e cria efetivamente uma nova ordem internacional baseada na lei da força". Isso legitima implicitamente ações como aquelas ordenadas pelo Kremlin, "encorajando a Rússia a travar guerras contra outros países no futuro." Não apenas Putin: "Esse precedente, sem dúvida, se tornaria um exemplo a ser seguido em outras partes do mundo e minaria a já frágil estabilidade global."
"Lembremos que a Ucrânia abdicou do terceiro maior potencial nuclear em troca de garantias dos EUA no Memorando de Budapeste e aprendeu bem a lição. São necessárias forças e recursos concretos, juntamente com um mecanismo claro para seu envolvimento. Mas esse plano não prevê isso."
Quando anoitece, o termômetro marca zero graus e chegam notícias de Moscou que todos nos bares onde se desfruta de chocolate quente já dão como certas. O Estado-Maior russo reposicionou os bombardeiros em várias bases onde novos mísseis estão sendo carregados. Falta apenas saber a que horas irão decolar.
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