“O pranto de homens e mulheres debruçados sobre os corpos enfileirados na Praça São Lucas, na Penha, lembra as lágrimas de Maria, sobre as quais falou o Papa Francisco”.
O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestra em Filosofia pela Unisinos e mestra em Teologia pela PUCRS.
O Dia de Finados deste ano foi antecipado no coração dos familiares que choraram a morte daqueles que foram massacrados no confronto aberto entre as forças de segurança do Rio de Janeiro e os membros do Comando Vermelho nesta semana. Para além dos discursos governamentais insultantes, dirigidos a pais, mães, esposas, avós e filhos, chamam a atenção a dor, o desespero e as lágrimas daqueles que choram a morte dos seus pela segunda vez. A primeira foi quando os perderam para o tráfico. A segunda, quando foram abatidos pela polícia, como relatou um avô após a confirmação do assassinato do neto, criado como filho, aos 17 anos.
A morte, como disse Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, ao comentar o Evangelho deste domingo, “é sempre estranha e, com frequência, se revela incômoda”. Em massacres como este, a morte deixa sequelas abertas, que continuam se manifestando na reverberação do ódio, do ressentimento, da tristeza e da vingança. Toda morte, como observou a Nota Pública da Pastoral Carcerária Nacional, “em qualquer contexto, é uma ferida aberta no tecido social” e evidencia um traço que perpassa a história humana: “irmãos continuam matando irmãos”. A chacina do Rio, disse o sociólogo José de Cláudio Alves em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, “vai trazer um sofrimento inimaginável”.
O pranto de homens e mulheres debruçados sobre os corpos enfileirados na Praça São Lucas, na Penha, lembra as lágrimas de Maria, sobre as quais falou o Papa Francisco: “São as lágrimas de Maria, a nossa Mãe, Mãe celeste, pelos sofrimentos e as penas dos seus filhos. Maria chora pelos seus filhos que sofrem. São lágrimas que nos falam da compaixão de Deus por todos nós. Devemos pensar nisto: a compaixão de Deus. Ele, com efeito, doou a todos nós a sua Mãe, que chora as nossas mesmas lágrimas para que não nos sintamos sós nos momentos mais difíceis”.
A situação dramática em que vivem as comunidades do Rio de Janeiro hoje e o assentimento à crueldade que matou mais de 120 pessoas, nos faz refletir sobre as questões postas pelo professor José Cláudio Alves: “Que grau de desilusão e de arrependimento houve? A que tipo de violências essas pessoas são submetidas? Onde essas pessoas se quebraram? Manoel de Barros perguntava, num poema, quanto tempo uma pessoa precisa viver na miséria para que em sua boca nasça a escória. Quanto tempo essas pessoas terão que ser submetidas a isso a que elas foram submetidas nesse massacre, para que nelas nasçam o ódio, a escória, o desejo de matar o outro?”
Manoel de Barros, que aos 18 anos escreveu Nossa Senhora de minha escuridão, disse, anos mais tarde, possuir o “vício de amar as coisas jogadas fora”. Ao que acrescentou: “É por isso que eu sempre rogo pra Nossa Senhora da minha escuridão, que me perdoe por gostar dos des-heróis. Amém!”.